Por: Isabela Alves
Notícia
Publicado em 14.08.2025 | 10:09 | Alterado em 14.08.2025 | 10:09
“A cultura é a expressão dos povos, é de onde você vem, a identidade da sua galera. Por isso, a valorizo tanto. Tenho orgulho de ser nordestino”, afirma Caio César, 30, poeta, artesão, brincante e músico.
Nascido na cidade de Limoeiro, no agreste pernambucano, o artista trouxe a festa do nascimento do Boi de Caboclinho para o Grajaú, na zona sul de São Paulo. No sábado (16), a tradição vai ser apresentada no Parque Linear do Jardim Gaivotas, a partir das 14h.
A festa do Bumba Meu Boi é uma das manifestações culturais mais ricas do Brasil, especialmente nas regiões do Norte e Nordeste.
Combinando o teatro popular, música, dança e religiosidade, a celebração conta a história do boi encantado com elementos que misturam elementos da cultura indígena e afro-brasileira.

Caio, artesão levou a tradicional festa do ‘Bumba Meu Boi’ para o bairro do Grajaú @Isabela Alves/Agência Mural
Por ser uma expressão viva da identidade do povo brasileiro, o Bumba Meu Boi foi reconhecido como Patrimônio Cultural do Brasil pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e, em 2019, recebeu da Unesco o título de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.
‘Brincar com o boi é uma das coisas mais especiais da minha vida. Tive o desejo de dar continuidade e levar essa cultura para São Paulo. É um conhecimento que deve ser compartilhado’
Caio César, poeta e artesão
A tradição do Bumba Meu Boi está presente em muitos municípios do Brasil, mas em cada local tem o próprio sotaque, dança e melodias.
Em São Paulo já existem outras vertentes desta cultura popular. Na zona leste, o Bumba Meu Boi do Parque Novo Mundo segue a linha da Bahia, e na zona oeste no Morro do Querosene segue a linha do Maranhão.
Assim, o desejo de compartilhar a cultura do Boi de Caboclinho, que tem origem indígena, no Grajaú – distrito que também foi batizado com um nome indígena que em tupi significa “rio dos caranguejos” ou “rio das garças” – sempre foi um sonho para o artista.
“Sinto no meu coração que é importante trazer essa lembrança para muitos nordestinos que moram em São Paulo, reconectar com o passado e valorizar a nossa história”, reflete.

Caio também é responsável pelas agremiações “O Morto Carregando o Vivo da Feira do Mangaio” e “Boi Coração Mirim de Limoeiro”, ambas em Pernambuco @Isabela Alves/Agência Mural
Ele observa que ainda são poucas as referências na cidade que celebram essa manifestação cultural. “Chegou a vertente que faltava”, brinca.
Outro exemplo que mostra a força das festas populares é o Boi de Parintins, na Amazônia, um dos espetáculos folclóricos mais conhecidos do mundo.
“Essa cultura retrata a cultura do nosso tempo, que pode até desaparecer se não forem cultivadas. A cultura popular mexe com a manutenção da memória e tem o poder de transformar uma civilização. É o sumo da nossa perspectiva espiritual e humana”, conclui.
O ‘matulão’ é uma expressão que se refere a uma trouxinha de pano amarrada a um pauzinho, usada pelos nordestinos para carregar o que há de mais essencial em uma viagem, como mantimentos ou roupas. É assim que o artista se sente ao carregar no coração as memórias e a saudade de onde nasceu.
Aos 7 anos, Caio veio com a mãe, Tereza, de Pernambuco para São Paulo, mais precisamente para o bairro do Jardim Eliana, no início dos anos 2000. “Ver a transição da paisagem, do sotaque e a transformação do ambiente, além de não ver mais meus familiares, me impactou bastante”, relata.

Encantado com o boi desde a infância, o artista voltou a brincar com ele em 2016, ao retornar para sua terra natal @Isabela Alves/Agência Mural
Quando o carnaval acabava em Limoeiro, ele saía catando lantejoulas e fitinhas no chão para criar as brincadeiras. Levou as lembranças que mais o faziam feliz na infância e as transformou em inspiração para o trabalho com cultura que faz atualmente no bairro.
Voltou para a cidade natal em 2016 e logo se reencontrou com a cultura do boi. Ao chegar na casa onde nasceu, encontrou o Boi Carinhoso guardado na garagem do pai, Paulo. Como o espaço era usado como depósito, o boi permanecia ali.
Caio começou a participar como brincante, tocando flauta e interpretando diferentes personagens, como Mateus, Pajé e Bastião. Brincou em várias agremiações até fundar a sua própria: “O Morto Carregando o Vivo da Feira do Mangaio”, uma fantasia que remete a um bêbado levando outro.
A agremiação também leva o nome Feira do Mangaio em homenagem à feira mais popular da cidade, onde Caio tem um ateliê de arte.

A primeira celebração do boi aconteceu em 2024, às margens da Represa Billings @Davi Jordan/Divulgação
‘A agremiação requer um corpo de gente com qualidades para fazer acontecer. Dentro da brincadeira, você acaba vivenciando muitas faces da arte, como o artesanato, o teatro, a música e a dança’
Caio, artista do Grajaú
O ano de 2023 marcou a estreia da agremiação no desfile de Limoeiro. Agora, Caio também é responsável pela agremiação do Boi Coração Mirim de Limoeiro.
Para ele, um dos maiores desafios na organização das festas populares é cativar os brincantes e as pessoas envolvidas na realização, que ao mesmo tempo trabalham e se divertem.
“O carnaval é encantador, principalmente no interior, onde não há aqueles grandes palcos. Ele é encantado e bonito, porque é o carnaval das pessoas populares. As pessoas não têm grandes passarelas, mas fazem sua brincadeira de forma bem natural, como uma brincadeira de criança”, diz.
Endereço: Parque Linear do Jardim Gaivotas
Horário de funcionamento: Sábado (16), às 14h
Jornalista e cineasta da quebrada. Pós-graduanda em Mídia, Informação e Cultura e em Gestão de Projetos Culturais pelo CELACC/USP. Fundadora da Parasita Filmes, produtora independente dedicada a contar histórias do extremo sul de São Paulo.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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