Jornalista e fotógrafo conta como foi o primeiro contato com o funk e a trajetória na comunicação aos alunos da oficina de jornalismo ‘Mural na Dom Bosco’**
Por: Redação
Notícia
Publicado em 13.05.2019 | 10:49 | Alterado em 14.05.2019 | 23:25
Jeferson Delgado conheceu o funk nas vielas do bairro onde nasceu no Jardim Rosana, no Campo Limpo, zona sul de São Paulo. Frequentador dos ‘fluxos de funk’, tem as vivências desse universo gravadas nas retinas dos olhos, antes de registrá-las com suas lentes e palavras.
Hoje, com 21 anos, ele trabalha como jornalista, produtor e fotógrafo na Kondzila e para outros veículos de comunicação, além de acompanhar os shows do grupo NGKS.
As fotos que fez dos bailes e cenas do funk foram expostas recentemente no “Um Giro No Fluxo”, no Bar da Fundão, no Capão Redondo, na zona sul, ao estilo de um acervo clássico de arte.
Criador do canal Favela Business, que fala sobre empreendedorismo periférico, é também um influencer no Instagram com 16 mil seguidores. Ele registra diariamente na rede social a rotina de trabalho e curiosidades sobre como é morar sozinho sendo um jovem periférico.
Delgado foi entrevistado por jovens que cumprem medida socioeducativa em liberdade assistida e participaram da atividade prática da oficina de jornalismo ‘Mural na Dom Bosco’. Ele falou sobre os desafios da trajetória e como o funk e a atuação no jornalismo o levaram de aluno com problemas na escola a um nome importante na cobertura da cena do funk.
Jovens da Dom Bosco: Como surgiu a inspiração para começar?
Jeferson Delgado: Em 2016 eu tinha 17 anos e minha irmã estudava e morava na USP (Universidade de São Paulo). Fui dividir o espaço com ela no alojamento estudantil para fazer um cursinho pré-vestibular gratuito. Um amigo me ensinou a mexer em uma câmera que ficou comigo por alguns meses. Eu fazia fotos das festas na universidade e também vendia bebidas para me sustentar.
Como era quando vendia bebida? Como você se sentia?
Me sentia um pouco isolado. Fui expulso da escola no último [ano] do ensino médio, nunca fui um bom aluno, consegui me formar em outra em que o ensino era inferior. Percebia que alguns conhecidos não botavam uma fé em mim, e achavam que eu não seria muita coisa na vida, além do trampo de vender bebidas. Não desmereço esse trabalho, se ganha um dinheiro bom até. Mas, pelo meu histórico, algumas pessoas consideravam que eu não chegaria muito longe. Em um ano eu parei, pois vendia de forma clandestina e fiquei com medo de sofrer represálias. Sempre quis ser meu próprio chefe e tive a ideia de falar de empreendedorismo periférico gravando algumas entrevistas com empreendedores da periferia com a câmera emprestada, com o material criei o canal Favela Business.
De que forma você entrou no jornalismo? Você fez faculdade?
Em 2017, me inscrevi para o curso na Escola de Jornalismo Énois. Fiquei pensativo se tinha a ver comigo, mas o que eu já fazia no Favela Business era jornalismo. Fui aprovado e conclui o curso de dez meses. Lá tive muitas experiências e produzi reportagens para o UOL TAB sobre o funk e uma para o jornal britânico The Guardian. Não me formei em jornalismo na faculdade, tive uma imagem muito ruim da saúde mental do estudante universitário no tempo em que estive com minha irmã na USP. Nessa época já comecei a ter as primeiras experiências do que é morar sozinho, assumindo algumas responsabilidades como aluguel e outras contas.
Você gostava de estudar? Sempre gostou de escrever?
Eu não entendia o conteúdo, nem a hierarquia da escola. Eu ia para aula mais pensando em fazer piada e fazer os outros rirem, isso fazia eu me sentir bem. Nunca gostei de escrever, mas as coisas mudaram quando conheci a comunicação periférica no meu trajeto de aprendizagem depois da escola. Isso me despertou muito para a escrita. Mas não gostava muito das regras gramaticais.
Qual foi o momento mais difícil na sua vida?
Quando tinha seis anos de idade meu pai expulsou eu, minha mãe e meus irmãos de casa. Passamos grandes dificuldades com vagas na escola porque mudamos de bairro. Os problemas financeiros fizeram com que a gente comesse só Miojo por um mês por não ter dinheiro para comprar outra coisa.
Você já pensou em entrar para o crime?
Vi muitos amigos meus morrerem. Quando você passa umas dificuldades você pensa duas vezes quando um conhecido comenta de ir ali fazer algo errado, mas nunca tive coragem. Me reaproximei do meu pai na adolescência, em um momento importante da minha vida, que me ajudou a entender que só há dois caminhos no crime: Passar a vida trancafiado ou morrer.
Quando entrou na Kondzila e o que você faz lá?
Entrei em 2018 produzindo algumas reportagens como freelancer. Hoje sou contratado fixo e alimento o portal deles com notícias que falam de moda no funk, assuntos relacionados à periferia, entrevistas e tendências desse universo.
Como é a vivência com os artistas que você sempre admirou? E qual Mc você mais gosta? Qual você mais gostou de entrevistar na Kondzila?
É uma empresa, então a convivência é normal, eles me cumprimentam, conversamos. Claro, que alguns deixam a gente mais emocionado quando conhecemos. Com o MC Guime foi assim, ver ele lá, trocar uma ideia. É difícil dizer um que eu mais gostei de entrevistar, tem uns mais carismáticos, que todo mundo gosta de bater um papo. Particularmente eu gosto muito dos que cantam ‘funk consciente’, que passam uma visão importante para o jovem de periferia sobre seguir um caminho certo, de progresso.
Qual a importância do funk na sua carreira e vida?
O funk é meu trabalho hoje e está muito ligado há vivências que eu tenho dele antes de ser jornalista. Eu já ia para o baile com 13 anos. Descobrir os artistas hoje, saber quem estourou uma música no passado e quem está em alta agora, como era o fluxo antes e como ele é hoje, a história dos passinhos, são coisas que me ajudaram muito.
Qual o seu sonho hoje?
Eu posso já estar vivendo meu sonho e ainda não me dei conta disso. Mas ainda tem muita coisa que quero fazer. Dar uma casa para minha mãe e uma para o meu pai. Comprar um carro para mim.
Fotos e entrevista: Jovens da Dom Bosco*
Redação e coordenação: Giacomo Vicenzo
Confira o relato de Jeferson Delgado sobre a visita na oficina “Mural na Dom Bosco”
*Em cumprimento das normas previstas no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) os alunos dessa atividade tiveram os nomes e identidades preservadas.
**Este conteúdo é fruto da parceria entre a Obra Social Dom Bosco e a Agência Mural de Jornalismo das Periferias. Por três meses, a Agência aplicou a oficina de jornalismo “Mural na Dom Bosco” para jovens que cumprem Medida Socioeducativa em Liberdade Assistida na instituição. Foram apresentadas noções básicas de jornalismo e atividades práticas de redação e reportagem.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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