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Agência de Jornalismo das periferias

Suzana Leite/Agência Mural

Por: Isabela Alves

Notícia

Publicado em 03.12.2025 | 11:14 | Alterado em 03.12.2025 | 14:47

Tempo de leitura: 4 min(s)

Moradora do Jardim Icaraí, no distrito do Grajaú, na zona sul de São Paulo, Natalia Souza, 29, sempre sonhou em seguir a carreira artística. “Não havia ninguém na família que fosse artista. E, por sermos da periferia, não houve muito apoio, porque ninguém via isso como uma profissão séria”, relembra.

Porém, ela conseguiu com o tempo provar que a ocupação é séria. Conhecida como Nart, ela se tornou uma artista visual, pintora, muralista e artesã e conquistou outros espaços.

Foi a única brasileira selecionada para o Nosotras Estamos en la Calle (Nós estamos na rua, em tradução livre), festival internacional de arte urbana e cultura realizado em agosto, nas cidades de Lima e Cusco, no Peru, em atividade desde 2009.

Nart começou a grafitar aos 16 anos e a arte a levou a conhecer melhor o território do Grajaú @Suzana Leite/Agência Mural

Em 2025, também lançou a primeira exposição individual, intitulada “Ambivalências”, na qual retrata questões relacionadas à maternidade, espiritualidade e as ligações afetivas.

O feminino e a arte urbana

Nart fez a primeira pintura de rua aos 16 anos. A partir dali, passou a conhecer melhor o território e o nicho cultural que é forte na região. “Pude ter um entendimento maior sobre as questões sociais e políticas, foi onde também comecei a me interessar pelas lutas femininas”, relata.

Se formou como técnica em cenografia e atuou em outras áreas, como telemarketing e assessoria de imprensa.

Ao perceber a pouca representatividade das mulheres no cenário do grafite, Nart direcionou a produção para temas ligados ao protagonismo delas e à espiritualidade, além de representação das culturas afro-brasileira e indígena.

A artista visual fazendo grafite em muros @Suzana Leite/Agência Mural

Ela afirma que as inspirações vêm de raízes matriarcais e de culturas que enxergam a divindade e o poder criador a partir de uma perspectiva mais feminina.

“Quase tudo é retratado como masculino, então tento resgatar essa visão e enxergar a terra não como um território a ser conquistado, mas como um ser vivo do qual fazemos parte. Essa conexão existe e está dentro de nós, em cada coisa que fazemos”, conta.

Um exemplo desse trabalho é o mural ‘Curandeiras’, presente na Casa Ecoativa, na Ilha do Bororé, que retrata senhoras que colhiam ervas, para benzer ou fazer chá, e tinham a cura de diversas doenças.

A obra busca exaltar as medicinas originárias, pois, segundo a artista, toda a medicina que conhecemos hoje teve origem na sabedoria ancestral desenvolvida por essas mulheres, que enfrentaram um grande apagamento histórico.

‘A pintura consegue capturar coisas mais íntimas, que me atravessam de forma individual. Nos murais, tento refletir sobre algo que move o coletivo

Nart, artista visual

Desde que se tornou a mãe de Ayra, 7, ela também passou a abordar questões relacionadas à maternidade. A ideia é desconstruir certos imaginários, como a romantização da figura da “mãe guerreira que aguenta tudo”, destacando que é justamente na vulnerabilidade que muitas vezes se encontra a verdadeira força.

A artista engravidou aos 20 anos em uma gestação não planejada. Ela conta que tudo aconteceu muito rápido e descreve a experiência como a mais intensa que já viveu.

O mural “Curandeiras”, localizado na Casa Ecoativa no Grajaú @Arquivo pessoal/Divulgação

Por conhecer estratégias alternativas de cuidado, conseguiu realizar o parto na Casa Angela, após muita luta. A instituição é o primeiro centro de parto humanizado do Brasil, fundado em 2009, e referência em assistência ao parto natural em São Paulo.

“Ainda é algo visto como inacessível para mulheres das periferias, então o acesso às casas de parto ainda são pouco conhecidos como um direito”, afirma.

A primeira exposição

Após sete anos de produção artística, Nart lançou a primeira exposição individual, intitulada ‘Ambivalências’, também na Casa Ecoativa.

O título, “Ambivalências”, surgiu durante o puerpério, período que começa logo após o parto e vai até a recuperação física e emocional da mulher.

“Os hormônios vão lá em cima e, de repente, tem quedas bruscas. Algumas mulheres desenvolvem depressão pós-parto por causa disso. Ao mesmo tempo em que você se sente realizada ao ver o seu bebê sorrindo, também sente raiva, porque parece que sua vida se resume apenas aquilo”.

A instalação inclui uma intervenção que a retrata dentro de um útero, um desenho feito por Ayra, e elementos que representam as crenças religiosas, além de pinturas e esculturas.

Nart pintando uma mulher negra @Arquivo pessoal/Divulgação

Entre as obras está o quadro ‘O Fruto Proibido’, que propõe um novo significado para o momento em que Eva morde a maçã e traz o pecado ao mundo.

A artista propõe uma crítica às religiões judaico-cristãs que, por meio dessas narrativas, moldaram a maneira como o feminino é compreendido e como as mulheres são tratadas sempre associadas à ideia do pecado.

Em agosto, Nart viajou ao Peru para participar do ‘Nosotras Estamos en la Calle’, sendo a única artista brasileira entre as 20 selecionadas. As demais participantes vieram de países como Argentina, Bolívia, Guatemala, Honduras, Irlanda e da própria região de Cusco, no Peru.

“Mesmo sem falar a língua, a gente se entendia. Uma coisa que me marcou foi fazer uma roda de conversa em uma escola em Colquemarca-Chumbilvucas, onde as meninas ficaram impressionadas por ver uma brasileira ali. São choques culturais e fiquei refletindo para onde a arte me trouxe”, diz emocionada.

Durante o evento, Nart participou da criação de um mural coletivo ao lado de outras artistas, no complexo esportivo da cidade. A pintura retratou os trajes tradicionais, a relação das comunidades com o território, a terra, a natureza e os saberes tradicionais.

A obra também denunciou o impacto do extrativismo na comunidade, que tem causado dor e sofrimento aos moradores da região.

“O interessante da arte de rua é propagar a possibilidade das pessoas, em especial as mulheres, se sentirem pertencentes e vistas. Seja em uma cidade do interior de outro país ou nas periferias. Isso é enriquecedor para a construção da identidade e autoestima”.

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Isabela Alves

Jornalista e cineasta da quebrada. Pós-graduanda em Mídia, Informação e Cultura e em Gestão de Projetos Culturais pelo CELACC/USP. Fundadora da Parasita Filmes, produtora independente dedicada a contar histórias do extremo sul de São Paulo.

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ERRAMOS

03.12.2025O nome artístico é Nart e não Narte como publicado inicialmente.

03.12.2025A cidade em que ela participou de uma atividade em uma escola foi escrito com erro na publicação. O termo foi corrigido.

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