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A condenação de Bolsonaro e as vítimas da pandemia nas periferias

Por: Paulo Talarico e Sarah Fernandes

Nas periferias, a condenação no STF (Supremo Tribunal Federal) do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a 27 anos chega de forma tardia e sem tratar do pior impacto causado pelo ex-gestor nos nossos territórios: as vidas perdidas na pandemia.

Na quinta-feira (11/9), o tribunal condenou o político por cinco crimes: tentativa de golpe de Estado; organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; dano qualificado pela violência e ameaça grave; e deterioração de patrimônio tombado.

Em boa parte, fruto dos ataques em 8 de janeiro de 2023 por quem não aceitou o resultado da eleição, pouco depois do presidente Lula (PT) assumir o poder. A decisão é histórica, busca garantir punição a quem tenta romper com a democracia e ainda deve ter desdobramentos até o começo do cumprimento da pena.

Além disso, a sentença faz com que a gente se lembre de como o período mais difícil para as quebradas nos últimos anos foi vivenciado: a pandemia. Apesar disso, não há nenhum inquérito ou julgamento previsto sobre esse momento.

Mais de 82 mil pessoas morreram na Grande SP de Covid-19 @Léu Britto/Agência Mural

Na Grande São Paulo, mais de 82 mil pessoas morreram em decorrência da Covid-19 entre 2020 e 2023 – o equivalente a mais de 1.400 ônibus lotados.

Apesar desse momento delicado, com cemitérios cheios e trabalhadores se expondo para garantir o mínimo de renda, a orientação vinda do ex-presidente foi de que não havia preocupação e deveríamos seguir a vida normalmente.

“E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”, afirmou ele durante uma coletiva de imprensa em meio à pandemia sobre o elevado número de mortes, que vitimaram especialmente moradores das favelas e periferias.

Deveríamos trabalhar e nos expor nas ruas, pois ele não era coveiro e não podia fazer nada. A vacina, que ajudou a controlar a pandemia, veio bem depois, mas o desestímulo ao imunizante foi outra marca.

Enquanto isso, nós, que estamos nas periferias, atuamos tentando conscientizar da importância do imunizante, do uso das máscaras, desmentindo fake news e entendendo que muitos não tiveram a escolha de ficar em casa, pois não havia recursos.

Naquele mesmo momento, ele também rejeitava a ideia de que havia pessoas em situação de fome no país. Ainda antes do vírus, disse que “falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira, é um discurso populista.”

Crianças em uma favela da zona norte de SP. Número de pessoas em favelas cresceu no período @Léu Britto/Agência Mural

A responsabilidade por todas essas perdas não é somente dele, mas a falta de responsabilidade no momento em que mais foi necessário a atuação do Ministério da Saúde serão dores que irão afetar as quebradas por anos. O pior é que não podemos dizer que foi uma surpresa, tendo em vista tudo que ele disse ainda antes de ser presidente.

“Só tem uma utilidade do pobre aqui no Brasil: Votar. Título de eleitor na mão e com diploma de burro no bolso”, afirmou em 6 de novembro de 2013.

Em entrevista ao programa CQC, da Band, em 2011, falou sobre as cotas sociais e raciais, que são especialmente importantes para os jovens das periferias, ampliando a diversidade nas universidades: “Quem usa cota, no meu entender, está assinando embaixo que é incompetente. Eu não entraria num avião pilotado por um cotista. Nem aceitaria ser operado por um médico cotista”

‘Tudo é coitadismo. Coitado do negro, coitada da mulher, coitado do gay, coitado do nordestino, coitado do piauiense. Tudo é coitadismo no Brasil. Vamos acabar com isso’

Entrevista para a TV Cidade Verde, do Piauí.

Evidentemente, esse discurso também encontrou voz em várias periferias, onde há muitos apoiadores de Bolsonaro. Até porque o quanto a própria democracia é plena em nossas quebradas é uma discussão que avança pouco.

Vivemos permanentemente com o direito à saúde e educação sendo negligenciados, todos os dias um novo despejo de pessoas sem direito à moradia por toda a Grande São Paulo, além do abuso da força policial em várias favelas como Paraisópolis.

Nesse sentido, a responsabilização por atentar contra a democracia é fundamental, pois mostra muito do que foi feito por ele e os aliados, de como manobraram muitas pessoas. Porém, é apenas um primeiro passo.

Embora não tenha sido pelas vítimas da pandemia, essa condenação é uma ponta de justiça para quem perdeu um familiar e sobreviveu aos últimos anos.

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