Por: Karol Coelho
Publicado em 12.12.2018 | 11:02 | Alterado em 27.02.2024 | 16:33
Anna Julia Lopes e Estela Targino
Colaborou Cleber Arruda
Era mais um dia comum de março no Instituto Federal de São Miguel, na zona leste de São Paulo. A paz na aula de linguagens foi interrompida por latidos de um visitante de quatro patas que surgiu correndo, causando um verdadeiro alvoroço.
Foi assim que Douglas chegou a nossa escola este ano. Ninguém sabe ao certo de onde aquele cachorrinho esperto veio e qual era a sua história, mas ele pareceu gostar tanto da recepção carinhosa que acabou fazendo do local seu novo lar.
Contudo, essa não era apenas uma decisão de Douglas e uma mobilização coletiva teve início. “Procurei ver o que podia ser feito, com relação ao próprio instituto, se era permitido ou não. Particularmente, penso que se tiver alguém para cuidar, levar para casa, seria melhor do que deixar aqui, ele fica muito sozinho”, conta a professora de ciências da natureza Suzy Sayuri, 28.
Após consultada a diretoria, os estudantes então passaram uma lista nas duas salas de aula e para a equipe da escola a fim de saber a opinião da estadia do cão. A ideia de ter um animal na escola, inclusive, já era pensada pelo diretor-geral Luís Freitas Camargo. “Sempre tive cachorro e quando cheguei aqui, achava que a gente tinha que ter um como mascote. Algo que desse mais vida à escola”, diz.
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Com a maioria dos votos a favor, uma equipe de alunos e funcionários se organizou para cuidar do animal. “Sempre fui a favor dele ficar aqui, ele já estava apegado. Quando chegou já começamos a tratar como se já fosse de casa mesmo”, diz a estudante Bárbara Valentine Barbosa, 15, que faz parte dessa organização.
Douglas, Maquiavel, Timóteo, George ou até mesmo Tobias são formas como o mascote é chamado. Douglas se tornou o nome mais popular. Ao mesmo tempo, os estudantes também mobilizaram suas redes sociais em uma campanha de adoção para o bicho, que não obteve sucesso, e espalharam cartazes pela escola durante a festa julina. “Uma parte da verba arrecadada no evento por uma das barracas foi revertida para as despesas do animal”, conta o professor de sociologia Leonardo Alves, 37.
Sem sucesso nas campanhas, novas tentativas por um novo lar foram realizadas. “Tentamos o contato com algumas ONGs, mas ninguém decidiu ficar com o cachorro. Duas pessoas se interessaram, mas depois desistiram. E assim ele segue para adoção”, conta Camargo.
Douglas está no instituto, mesmo com a objeção de alguns alunos. “No ambiente escolar a gente não tem que ter animais e por ele ser grandão também é ruim; as brincadeiras acabam sendo agressivas. Acho também que ter um animal na escola atrapalha a concentração”, diz Maykon de Almeida Bittencourt, 15. Apesar de ser contrário à estadia de Douglas, vê um lado positivo em sua adoção. “Teve um bom resultado; demos um lar pra ele”.
O Brasil tem cerca de 30 milhões de animais abandonados, segundo dados levantados em 2004 da Organização Mundial da Saúde (OMS). Desse total, 10 milhões são gatos e 20 milhões são cães sem lares, como Douglas.
O estudante Murilo Lopes de Jesus é um dos integrantes da comissão formada por oito alunos e uma funcionária da escola que cuidam do bicho na escola. “Nos dividimos e limpamos, damos alimentação… Nos dias de vacina, nos reunimos para levá-lo”, conta.
O aluno também frequentou a escola durante as férias escolares de julho para cuidar do mascote. Ele conta que mensalmente, a comissão arrecada o dinheiro e cada um contribui com R$ 9 para as despesas e alimentação. “Douglas é importante para mim porque tenho um apego muito grande aos animais. Tenho outros em casa, quando o vejo e ele começa a balançar o rabo ou quando senta e me dá a pata, derrete meu coração”, diz Jesus.
Na consulta, a veterinária informou que a idade estimada de Douglas é de quatro anos. Ele é um SRD (Sem Raça Definida), ou seja, um popular vira-lata.
Para o professor Alves, é importante que um novo lar seja encontrado com urgência. “Logo chegarão as férias de fim de ano. Fica oneroso para os vigias cuidarem dele à noite e eu acho que essa auto-organização dos alunos está falha. Num primeiro momento houve uma empolgação inicial, mas muito esquecem que isso demanda um trampo. Como ele não tem um dono só, todo mundo e ninguém cuida”, avalia.
O diretor concorda com essa observação sobre a mudança na animação dos alunos em relação aos cuidados com o bicho. “É preciso enfatizar a questão do compromisso e da responsabilidade. É algo que aparece de forma bastante intensificada em um primeiro momento e desaparece com o tempo. Ele não está bem aqui. Está abandonado, principalmente de carinho e atenção”.
Sobre o futuro do animal, o professor Alves se comprometeu a ajudar os alunos se houver uma nova mobilização. “Eu acho que talvez seja um final feliz, se todo mundo se juntar para conseguir a adoção dele. Estou dentro. Vamos pensar juntos isso”. E uma certeza foi garantida pelo diretor-geral. “Não sei qual é o futuro dele, mas sei que na rua não iremos deixá-lo”.
Se você leitor, ou leitora, ficou interessado em adotá-lo, entre em contato com o IFSP São Miguel Paulista, pelo telefone (11) 2032-5416.
Anna Julia Lopes e Estela Targino são estudantes da 1ª série do ensino médio no IFSP São Miguel Paulista
Cleber Arruda é correspondente de Brasilândia
Essa reportagem foi produzida por participantes do programa de bolsa de jornalismo Acontece na Escola da Agência Mural, no qual estudantes do ensino médio de escolas públicas da região metropolitana de São Paulo produzem conteúdo jornalístico sobre temas do cotidiano escolar. A iniciativa integra o projeto Mural nas Escolas.
É jornalista, cofundadora da Agência Mural e correspondente do Campo Limpo desde 2010. Colaborou com a criação da Escola Comunitária de Comunicação da Escola de Notícias, no Campo Limpo, zona sul de São Paulo. Escreve poesias e tem um livro chamado "Estado Atmosférico", que produziu de maneira independente. Na Mural, também apresentou o Rolê Na Quebrada e o PodePá! e foi editora de projetos especiais.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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