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Agência de Jornalismo das periferias
História das Periferias de São Paulo

De área rural à futura estação de Metrô: a evolução de um bairro do Capão Redondo

Memórias dos primeiros moradores do Jardim São José, na zona sul de São Paulo, mostram como era a vida na região quando lá “era tudo mato”

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Por: Renata Leite

Notícia

Publicado em 04.08.2022 | 15:33 | Alterado em 08.08.2022 | 13:57

Tempo de leitura: 5 min(s)

Aos 86 anos, Ana Candida da Silva relembra quando chegou ao Jardim São José, no Capão Redondo, zona sul de São Paulo, há mais de 50 anos. “Não tinha nada no bairro, só uma quitanda com coisas simples”, diz ela, que aponta que a região era uma fazenda.

Enfermeira aposentada, ela mora na rua Alfredo Ometecídio, a primeira via da região. Quando Ana chegou com três filhos na década de 1960, havia 20 casas. Hoje, o local conta com um centro comercial próprio e aguarda a chegada de uma estação do Metrô, promessa que é ouvida pela comunidade desde o início dos anos 2000.

A localização da estação levará o nome da principal via do bairro, a avenida Comendador Sant’Anna, mas o ponto exato da construção ainda não foi escolhido. O projeto elaborado pela Secretaria de Transportes Metropolitanos (STM) continua no papel e faz parte do plano de extensão da linha 5-Lilás, hoje administrada pela empresa ViaMobilidade.

Para entender essas mudanças, a Agência Mural conversou com Ana e outros moradores sobre como uma região com características rurais se transformou ao longo do tempo e qual foi o papel dos primeiros habitantes do bairro.

Mauro, filho de Ana Candida, na laje de casa com as primas e a tia @Arquivo Pessoal

Ana descreve um pouco do que era esse passado. A igreja São José Operário era só uma capelinha. O asfalto só existia a partir da Igreja Nossa Senhora do Carmo, não havia luz e conseguir água potável não era simples. “Fizemos um poço de 32 metros nos fundos da casa, na época”, relembra.

Em 1961, ela e o ex-marido compraram um terreno pelo valor de 150 cruzeiros, moeda da época, custando 0,05 centavos hoje. No ano seguinte, a casa já estava construída e vieram morar no bairro.

Segundo informações da subprefeitura do Campo Limpo, o loteamento do bairro teve início no final dos anos 1950. A primeira rua a surgir foi a Alfredo Ometecídio, antigamente chamada de rua 1. Ainda hoje é conhecida como rua da igreja, como ponto de referência do território.

O Jardim São José fica entre os Jardins Sônia, Ingá e Fraternidade. As outras vias que compõem o bairro são as ruas Ricardo Nascimento, Henrique Ivano Kammemann, João Joaquim Bohn,Richard Boyle, Antônio Augusto e a Antônio Barros da Silva, além da avenida Comendador Sant’Anna.

Esta última tem extensão de 2 km e é uma das principais ligações para a população que mora no chamado fundão da zona sul, sendo passagem para as estradas M’Boi Mirim e Itapecerica da Serra, além de ser rota para a estação Capão Redondo, também da linha 5-Lilás.

A via foi se formando ao redor de um brejo, relembra a ex-ajudante de serviços gerais Marisa Valentim da Silva, 61, uma das filhas que mora com Ana Candida.

“Antigamente a delegacia 47ª ficava na Comendador Sant’Anna. A escola era de tábua e ficava do lado da delegacia que era bem pequeninha. Além disso, tinha um brejo na avenida e as crianças iam brincar e pescar lá”, revive.

Marisa, Marilene e Mauro, filhos de Ana Candida, com um vizinho na antiga rua de terra conhecida como rua 1 @Arquivo Pessoal

Na infância de Marisa, a característica rural foi a principal realidade da família. Quando tinha entre 6 e 7 anos, ganhou uma cabra de um padrinho. “Como aqui era tudo mato, ela sempre se escondia ou entrava na plantação do vizinho da frente que tinha uns pés de milho”, conta.

“Com o tempo, dei a cabra para o falecido seu Pedro, que tinha um pasto pequeno na parte que hoje fica a escola aqui na rua, a escola municipal Doutor João Pedro de Carvalho Neto”, conta.

Da vista privilegiada da laje da casa, Ana conta que o falecido vizinho da frente, José Alexandrino dos Santos, mais conhecido como Zelão, trazia os amigos aos fins de semana para ajudar a fazer a fundação e terraplanagem do terreno.

Vista da casa da aposentada Ana Candida na rua Alfredo Ometecídio @Renata Leite/Agência Mural

Filho de José, o músico autônomo Luis Carlos dos Santos, 60, lembra que o pai levou quase dois anos para construir os dois primeiros cômodos da casa onde mora. O pai dele é conhecido no bairro, assim como José João Eugênio, que tem 80 anos e 7 meses, como faz questão de enfatizar, mesmo com certa dificuldade na fala, devido à sequela de um dos três AVC’s (Acidente Vascular Cerebral).

Os dois Josés foram responsáveis pela construção de boa parte das casas no bairro. José Eugênio é ex-metalúrgico e pedreiro aposentado, um dos primeiro moradores da rua Sebastião Francisco de Oliveira, mais conhecida como rua 2. Além disso, o aposentado era aquela espécie de vizinho que sempre prestava “socorro civil” para os moradores.

“Em vista de quando a gente chegou no bairro, aqui já é uma cidade. Antes para cozinhar a gente tinha que ir até o Jardim Fraternidade para buscar lenha”, lembra a dona de casa Maria das Graças Soares, 74, esposa de José João Eugênio.

Dos oito filhos que ela teve, a vendedora Maria Elena Eugênio, 57, é uma das que voltou para casa dos pais e, aparentemente, não troca o bairro por nada, ainda mais com a possibilidade da chegada da estação de Metrô.

“Todo mundo fala que quer ir embora, morar da ponte para lá, mas o bairro sempre supriu as minhas necessidades”

Maria Elena Eugênio, vendedora

Ela também relembra a simplicidade das pessoas. “As festas eram todas na casa um dos outros. O carro que passa trocando óleo usado por produtos de limpeza era o do rapaz que trocava pintinho por garrafa retornável. A gente tinha vários pintinhos coloridos no quintal; numa dessas tivemos um pato de estimação, criávamos que nem cachorro.”

Vista da primeira rua do Jardim São José nos anos 1960 @Arquivo Pessoal

Próxima estação?

O Governo do Estado de São Paulo anunciou, em junho de 2021, que a ViaMobilidade iniciou o processo de contratação de empresas com interesse em participar das obras de extensão da linha Lilás.

A proposta prevê o concebimento de novas estações (Comendador Sant’Anna e Jardim Ângela) e contará com novo trecho com cerca de 4,33 km.A estimativa é de beneficiar cerca de 130 mil moradores.

A estação Comendador Sant’Anna será elevada. Já a Estação Jardim Ângela, que estará próxima ao Hospital Municipal M’Boi Mirim, será subterrânea e conectada ao terminal já existente da SPTrans e ao novo terminal a ser construído, que permitirá absorver o aumento da demanda de passageiros de ônibus com a implantação da nova estação.

Inicialmente, o prazo máximo é de 24 meses para conclusão das etapas iniciais. A Secretaria dos Transportes Metropolitanos e a ViaMobilidade afirmam que ainda estão em fase de captação de empresa e sem prazo para começar.

“O projeto funcional de expansão da linha 5-Lilás até o Jardim Ângela está em análise e, quando aprovado, seguirá para contratação do projeto básico pela concessionária”, comenta a STM.

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Renata Leite

Jornalista. Apaixonada por contar boas histórias, movida pela curiosidade e inquieta por natureza. Correspondente do Capão Redondo desde 2022.

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