Escritor lançou ‘My Way: A Periferia de Moicano’ e trata do movimento anarchopunk no país
Selo Povo/Divulgação
Por: Cleberson Santos
Notícia
Publicado em 13.11.2019 | 10:04 | Alterado em 14.11.2019 | 12:46
Valo Velho é um dos bairros da região do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo. Mas é também como é conhecido Elias Silva Santos, 50, um dos fundadores do Movimento Anarchopunk no Brasil.
Também chamado de BillyWolfGangz, Santos é natural de Itamaraju (BA). Veio com a família ao bairro que deu origem ao apelido ainda bebê e trocou a zona sul de São Paulo apenas pelos Estados Unidos, onde viveu por alguns anos na década de 1990.
Valo Velho conta essa trajetória no livro ‘My Way: A Periferia de Moicano’, lançado recentemente pelo Selo Povo.
A obra é uma união de textos de memórias do autor, que foram organizadas e editadas pelo escritor Ferréz, também do Capão Redondo. Estão relatadas ali histórias da origem do movimento, das bandas, do ativismo, mas também de encontros, confrontos e reflexões.
O trabalho é pautado na vivência e trajetória do autor. Na introdução, ele cita que “há falta de fontes” e que isso pode incomodar alguns leitores. Porém, promete: “As pistas para chegar ao tesouro estão espalhadas nestas linhas”.
Surgido nos anos 1970, o punk é um gênero do rock com músicas que pregavam a contestação do sistema de governo.
“Devo ao punk minha experiência social e política. O punk pega a juventude para entender os problemas que estão ao redor. Ele abre as portas para a percepção dessas coisas que estão no dia a dia comum”, ressalta.
O anarchopunk é uma vertente desse estilo, e surgiu da insatisfação de alguns grupos com o movimento. Além disso, agregou outras pautas como o vegetarianismo, o feminismo e a causa LGBTQIA+.
Valo Velho conta que os anarchopunks eram um pouco mais ‘hippies’ em comparação aos punks. Apesar do espírito destrutivo característico do movimento, havia um questionamento: ‘o que vamos construir no lugar?’
“A diferença do anarchopunk para os punks tradicionais era justamente a resposta que a gente tinha. Nós somos trabalhadores e respondemos pelas nossas famílias, pela nossa cultura”, afirma.
“Os anarchopunks começaram a se envolver com os sindicatos, com as uniões estudantis, com os movimentos de bairro. A consciência era uma coisa que nem todo mundo tinha entre os punks”, ressalta.
Quando se pensa em movimento punk no Brasil, é comum lembrar das bandas de Brasília, como o Aborto Elétrico (que depois se dividiria entre Legião Urbana e Capital Inicial) e Plebe Rude. Porém, havia uma cena bem forte também em São Paulo, com Ratos de Porão e o Cólera.
Ao contrário de Brasília, em que vários punks vieram da classe média e das universidades, a cena paulistana vinha das periferias, principalmente entre os operários das indústrias do Grande ABC.
Valo Velho cita em ‘My Way’ várias ‘bancas’ (grupos regionais) no Capão Redondo, Santo Amaro, em Embu das Artes, Pirituba e em regiões da zona leste.
Apesar do tom mais pacifista do anarchopunk, os confrontos ainda eram inevitáveis. No livro, Valo Velho relata brigas com skinheads e neonazistas. “Eles me encontravam no trem, nos shows. Então, eu tinha que brigar direto”, diz.
Afirma que teve confronto com membros da Ku-Klux-Klan, durante o período em que morou nos Estados Unidos.
Ele foi para a América do Norte com o objetivo de editar um documentário que ele e a companheira na época estavam produzindo sobre o movimento. O filme não foi finalizado quando a relação terminou.
“A intenção era ir aos EUA até abaixar um pouco a poeira e poder terminar esse trabalho. O documentário chegou a ser gravado, mas nunca foi editado. O livro veio para cobrir essa falha”, conta.
Ao todo, foram cinco anos nos Estados Unidos. Conseguiu cidadania norte-americana, casou-se e teve uma filha. Lá, trabalhou para rádios independentes e com produções de zines para punks do Brasil e do México.
Além do contato com as línguas inglesa e espanhola, Valo Velho traduziu letras de bandas da Suécia e da Finlândia. Ele afirma saber falar nove idiomas e ler cerca de 80 dialetos. Alguns dos capítulos do livro estão escritos em inglês.
O autor se formou apenas no supletivo e chegou a frequentar a faculdade de Letras. Diz que aprendeu tudo com o anarchopunk. “Uma vez um cara me falou que eu era muito inteligente. Eu não soube se isso era um elogio para mim ou uma ofensa ao movimento [anarchopunk]”, afirma.
Valo Velho voltou ao Brasil em 2000. Decidiu retornar ao bairro que virou seu segundo nome. “Conhecia o país todo, conhecia gente de tudo que é lugar. Mas, para eu ser eu mesmo, precisava voltar ao meu bairro, para a periferia, para a minha referência de luta”.
Na volta, a vida foi agitada. Formou novas bandas, participou da igreja (ele é mórmon) e ocupou um ginásio no Jardim Idemori (em Itapecerica da Serra, na Grande SP) para a criação de um espaço de cultura e esportes para a comunidade.
Hoje, o escritor atua como professor voluntário de espanhol, inglês e português na região, pretende levar a história para escolas da quebrada e publicar novos livros: uma história de ficção científica ligada à psicologia e a continuação de My Way. “A minha ideia é que as pessoas leiam e debatam esses temas. Quero espalhar esse conhecimento, já que as armas já estão nas mãos”.
Correspondente do Capão Redondo desde 2019. Do jornalismo esportivo, apesar de não saber chutar uma bola. Ama playlists aleatórias e tenta ser nerd, apesar das visitas aos streamings e livros estarem cada vez mais raras.
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