Correspondente de São Mateus fala da perda da tia para a Covid-19 e a falta de poder se despedir
Arquivo Pessoal
Por: Matheus Oliveira
Crônica
Publicado em 05.04.2021 | 20:11 | Alterado em 23.11.2021 | 19:13
São Paulo está em quarentena há um ano, mas foi nas últimas semanas que a pandemia mexeu com a minha vida e a das minhas famílias.
Por parte de pai, uma tia avó, de 88 anos, morreu por complicações da Covid-19 na segunda-feira (22 de março). Três dias depos, uma prima e uma tia, por parte de mãe, foram internadas.
Foi tudo muito rápido.
Há duas semanas uma prima que não vejo há anos avisou que minha tia-avó Ilda estava intubada no hospital municipal de São Caetano do Sul, na Grande São Paulo. Em seguida ela nos disse que a Covid estava controlada, mas tia Ilda apresentava uma infecção nos rins e arritmia. Dois dias depois, ela morreu após uma parada cárdio-respiratória.
No dia seguinte, 23 de março, o Brasil bateu a marca de 3.158 pessoas mortas pelo novo coronavírus em 24h. Minha tia Ilda, irmã mais nova da minha avó, morreu nesse intervalo. Fez parte do dia mais mortal da pandemia, até aquele momento.
A ficha só caiu dias depois, quando me dei conta desse dado macabro e comentei com os meus pais: “Vocês perceberam que a Tia Ilda faz parte do recorde de mortes por Covid?”. A resposta foram suspiros de impotência com caras de ‘fazer o quê’.
Tentei me lembrar qual foi a última vez que vi minha tia. Sem muita certeza me lembro de tê-la visitado no começo do ano passado, antes da pandemia. Uma senhora de cabelos pintados, em uma casa simples e antiga no bairro Campestre, em Santo André.
Tia Ilda gostava de conversar, mesmo que a gente tivesse que falar mais alto por conta da surdez que ela tinha. Ela respondia na mesma altura que falávamos com ela. Dizia da época que trabalhava nas fábricas do ABC e como foi difícil criar os filhos.
Não sabia que seria a última vez que a veria. Hoje ficaram os áudios dela, em mensagem com a minha mãe, onde ela pedia para a visitarmos mais uma vez. Essa vez não chegou. Veio a pandemia e o isolamento.
Ilda foi a última irmã de uma família de quatro irmãos. Tia Maria e minha avó Olga se foram há anos. Tio Zé morreu por complicações de um câncer no intestino no dia 31 de dezembro e no último dia 22 se foi tia Ilda. Por conta da pandemia, Zé e Ilda não puderam se despedir. Assim como toda a família não pode se despedir deles.
Não poder velar um familiar rompe com o sentimento de ciclo finalizado. Na minha cabeça ela ainda está aqui. Restam as condolências à família e cuidar de quem ainda está por aqui.
Incompleta também ficou seu cartão de vacinação. Tia Ilda tomou apenas a primeira dose da vacina. A meia proteção não foi capaz de protegê-la da Covid. A vida, assim como a morte, estão pela metade.
É o caso da minha tia Luiza e sua filha Patrícia, minha prima por parte de mãe. Na mesma semana de falecimento de Ilda elas foram internadas. Na enfermaria elas estão recebendo os cuidados necessários e lidando com o medo que a doença traz.
Não sei como elas pegaram o novo coronavírus, só sei que dói. Para elas dói a cabeça, o peito cansado em tentar puxar ar. Para mim dói ficar de longe e não saber como elas estão. Se duas pessoas internadas e uma morta já doem, não quero pensar em 300 mil vidas, dói demais.
Ficam os dados, os recordes e a insensibilidade. Além da incerteza, fica o medo de perder mais alguém, mas infelizmente sei que minha tia fez parte do dia mais mortal da pandemia – no fim daquela noite o recorde foi batido e semana passada houve dias com quase 4.000 vítimas.
Não há como reagir, não há o que fazer por aqueles que se foram. Nos resta orar para que estejam em um lugar melhor, onde não há doença, dor e sofrimento.
Por precaução comprei uma máscara PFF2. Fique em casa.
Jornalista, educomunicador e correspondente de São Mateus desde 2017. Amante de histórias e de gente. Olhar sempre voltado para o horizonte, afinal, o sol nasce à leste.
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