Magno Borges/Agência Mural
Por: Anna Barbosa | Magno Borges | Vagner de Alencar
Notícia - Arte: Magno Borges
Publicado em 01.05.2023 | 11:25 | Alterado em 01.05.2023 | 11:39
“O Dia do Trabalho não deve ser uma data comemorativa, mas sim de conscientização. Ainda temos muito o que lutar”, afirma Lobo Entregador, apelido do ativista que assim prefere ser chamado.
Em comemoração ao Dia do Trabalhador, celebrado nesta segunda-feira (1º), conversamos com Lobo para conhecer sua trajetória como entregador por aplicativo e como ele começou a participar dos movimentos em busca de melhores condições de trabalho para a categoria.
“Antigamente, a gente tinha como imagem do trabalhador aquele cara de capacete, o peão, operário de firma, né? Chão de fábrica! Hoje a gente vê a imagem do trabalhador a bag nas costas, o capacete, a moto, a bike…”, diz ele, natural de Arujá, na Grande São Paulo, mas que vive entre o extremo leste de SP e o centro da capital.
De acordo com dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em 2022, estima-se que haja no país mais de 1,5 milhão de pessoas que trabalham como entregadores de mercadorias ou no transporte de passageiros, a maioria formada por homens, pretos ou pardos, com menos de 50 anos.
O bate-papo com Lobo inspirou a produção de uma história em quadrinhos criada por Magno Borges, designer e ilustrador da Agência Mural.
Abaixo, você confere a HQ e a entrevista completa realizada com o entregador.
CONFIRA A ENTREVISTA:
Mural: Lobo, conte um pouco sobre você, sua história como entregador de aplicativos.
Lobo: Eu estou fazendo entregas desde 2019, devido à crise. Eu estava desempregado na época. Precisava me recolocar no mercado de trabalho e me ofereceram a oportunidade de fazer entregas. Porém, sempre fui um ativista, sempre questionei e participei de movimentos sociais. Por coincidência, surgiu essa indignação por parte dos entregadores. Eu estava atuando na cidade de São Paulo, onde moro, e tive contato com os entregadores.
Comecei a fazer as entregas por necessidade de trabalho e logo conheci a causa dos entregadores.
Estava surgindo um rebuliço devido aos atos em Brasília. A galera começou a se movimentar em todas as partes, então, fui chamado para o grande ato do dia primeiro de julho de 2020. A partir daquele momento, começamos a entender como é a união dessa classe. Esse ato foi revolucionário para todos nós, e abriu portas para diversos movimentos. Hoje em dia, temos vários movimentos, inclusive, de grupos militantes de 17 países.
Mural: Fale um pouco mais da sua atuação nos movimentos.
Lobo: Tivemos o segundo ato em 25 de julho de 2020, que consolidou o reconhecimento do movimento e a nossa luta de classe. Sou muito grato por fazer parte disso, por ser mais um lutando por melhores condições de trabalho, pelo fim da exploração e falta de respeito de alguns órgãos.
A sociedade tem preconceito em relação a alguns empregadores, e nós sofremos diversas formas de discriminação. Alguns lugares até nos tratam com humilhação. Não é fácil ser entregador e lembrar dessas situações emociona, pois vivemos na pele. Mas temos que seguir firmes e acreditar na mudança. É nosso direito ter um espaço, um trabalho e reconhecimento.
Mural: Quais são as principais reivindicações da classe dos entregadores neste momento?
Lobo: A gente tem participado de encontros com colegas e parceiros para buscar união, especialmente com os novos trabalhadores que estão começando agora e precisam entender a importância da luta além do lucro. Uma das principais pautas que temos lutado é pelo pagamento mínimo de R$15 por hora trabalhada, taxa de R$ 5 por entrega, no mínimo de três quilômetros por entrega, e R$1,50 por quilômetro adicional para entregas acima de três quilômetros. São algumas de nossas pautas, pois atualmente está se tornando inviável. Essa diária de R$15 e taxa de R$ 5 foi acordada nacionalmente e é apoiada pela grande maioria da categoria. Precisamos pressionar os aplicativos para que reconheçam a necessidade por parte da categoria.
Mural: Você mencionou que já tinha consciência de classe e interesse pela luta antes mesmo de trabalhar com entregas, o que é algo raro hoje em dia. De onde vem isso?
Lobo: Sou um cara de uma classe baixa, um cara periférico. Eu venho da extrema zona leste de SP, lá no alto do Tietê. A necessidade de lutar por melhorias, pela sobrevivência da vida, foi o que impulsionou esse movimento. A dificuldade nos faz questionar as coisas, como conseguir um lugar para morar, pagar aluguel, garantir o pão de cada dia na mesa. Para alguém vindo de uma comunidade periférica, há ainda mais dificuldades em ter acesso a educação e oportunidades essenciais para viver bem e construir uma família. É por isso que surge a vontade de representar a comunidade, puxar movimentos e reivindicar melhorias desde a escola. Eu tive a oportunidade de terminar o ensino médio pelo EJA [Ensino de Jovens e Adultos] e conseguir ingressar no ensino superior, mesmo tendo que recorrer à escola particular.
Eu sempre fui um cara de questionar, de falar, de tentar trazer à tona algo que esteja ruim para todos como coletivo. Isso me trouxe para um movimento do qual faço parte hoje.
Mural: Como vocês se organizam e se reúnem? Como é sua rotina?
Lobo: Eu tenho participado pouco das reuniões, mas nós temos um grupo central das frentes de lideranças e eu tenho recebido informações através desses meus colegas que fazem parte desse grupo da liderança da União pela Base. Atualmente, em relação às entregas, eu estou bem esporádico. Estou trabalhando, prestando serviços fixos de entrega e também me dedicando ao ensino superior [no curso de relações internacionais]. No meu dia a dia, ainda estou realizando entregas, mas principalmente aos finais de semana, nos sábados e domingos.
Mural: Como você enxerga a relação entre a luta dos entregadores e o Dia do Trabalhador? Como você acredita que essa luta contribui para a busca por dignidade e reconhecimento desse tipo de trabalho?
Lobo: É muito importante que a gente faça uma ligação entre essa data, que não deve ser comemorativa, mas sim de conscientização. Ainda temos muito o que lutar e, ao mesmo tempo, celebrar as conquistas e direitos obtidos ao longo dos anos. Infelizmente, esses direitos vêm sendo diminuídos pelo sistema que, de certa forma, vem retirando nossos direitos trabalhistas e nosso espaço. Defendo muito a qualidade de vida não só do patrão e de sua família, mas também do operário, que também tem família e precisa contribuir com sua comunidade. Acredito que, através da nossa luta e reivindicação, podemos buscar essa autonomia total ou garantir nossos direitos trabalhistas e sermos respeitados.
Antigamente, a gente tinha como imagem do trabalhador aquele cara de capacete, o peão, operário de firma, né? Chão de fábrica! E hoje a gente vê a imagem do trabalhador a bag nas costas, o capacete, a moto, a bike.
Jornalista e comunicadora. Apaixonada pela escrita. Autora do livro-reportagem “A justiça mais injusta”, projeto de TCC sobre pessoas negras da periferia de São Paulo que passaram por uma prisão forjada ou mais tempo no cárcere do que o previsto em pena.
Nascido no Jaraguá, desenhista introvertido desde pequeno. Já foi ator e assistente de artista plástico, hoje é ilustrador e designer da Agência Mural, formado em Game Design. Correspondente do Jaraguá desde 2017
Cofundador e diretor de jornalismo da Agência Mural. É jornalista graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestre e doutor em Educação pela PUC-SP. Foi correspondente de Paraisópolis e escreveu o livro "Cidade do Paraíso - Há vida na maior de São Paulo".
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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