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Agência de Jornalismo das periferias

Amanda Oliveira/Agência Mural

Por: Amanda Oliveira | Evelyn Fagundes

Notícia

Publicado em 07.05.2025 | 9:25 | Alterado em 07.05.2025 | 9:25

Tempo de leitura: 4 min(s)

Ocas, bananeiras, pés de abacate, nascentes de água, galinhas e cachorros soltos compõem a paisagem da aldeia indígena Filhos desta Terra, localizada no bairro do Cabuçu, em Guarulhos, na Grande São Paulo.

A reserva abriga representantes de diferentes etnias, como Pankararé, Guajajara, Tupi e Timbira que resolveram se unir para ocupar o local.

O território foi habitado pelos indígenas em 2017, após anos de abandono e degradação. O local funcionava como um aterro sanitário irregular, onde eram despejados todo tipo de lixo — até animais mortos.

Mesmo com entraves, a área foi ocupada por indígenas que vieram de aldeias de vários outros lugares – como Pernambuco e outros bairros de Guarulhos, como o Pimentas.

Oca cultural na aldeia indígena @Amanda Oliveira/Agência Mural

De 30 a 35 famílias de diferentes etnias trabalham para recuperar o espaço e preservar a herança ancestral em Guarulhos, cidade que desde o nome é espaço indígena.

Guarulhos: De origem tupi, o nome é uma referência ao peixe “guaru”. O termo era utilizado antigamente para comparar, preconceituosamente, os primeiros habitantes do território, que eram baixos, fortes e troncudos, com o peixe guaru, também conhecido como peixe barrigudinho ou lebiste selvagem.

Cabuçu: Também do tupi, cabuçu significa “vespa grande”. “Caba” significa Vespa e “Açu”, Grande, popularmente é dito que se tratava de uma espécie encontrada no local.

A cidade é a segunda maior do estado em população indígena. Segundo o Censo Demográfico 2022 realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), existem 1.649 integrantes de 14 etnias no município.

Fonte: Sesc Guarulhos, Dicionário Tupi e Click Guarulhos

Hoje, os povos residentes já colhem os frutos desse esforço: é possível ver árvores frutíferas, como abacateiros, bananeiras e até chuchu. Tem mais de 10 nascentes de água e algumas até com peixes.

No entanto, apesar do esforço coletivo, a aldeia indígena no Cabuçu ainda enfrenta diversos desafios. Muitas obras permanecem inacabadas, como as casas de madeira, as ocas utilizadas em apresentações culturais e os espaços de recreação.

Entrada da Aldeia
Oca cultural interno com desenho de indígenas na madeira

Entrada da Aldeia @Amanda Oliveira/Agência Mural

Oca cultural interno com desenho de indígenas na madeira @Amanda Oliveira/Agência Mural

Awa Tupi, uma das lideranças da aldeia, destaca que apesar de terem ocupado o território em 2017, a luta para manter viva a história indígena vem de muito antes. “São 525 anos de resistência, a gente vem lutando para manter essa cultura, o que não é fácil. Quando chegamos nesta terra, em Guarulhos, não seria diferente”, afirma.

O líder – que foi um dos responsáveis pelo primeiro encontro dos povos indígenas em Guarulhos no ano de 2008, que reuniu 800 pessoas de diversas etnias – menciona que o grande problema encontrado pelos povos é a ausência de políticas públicas que possam fortalecer a herança indígena no município.

A gente não tem apoio governamental. Existem promessas. Apenas promessas, mas isso não conta’

Awa Tupi, liderança da aldeia

Awa Tupi, liderança na aldeia indígena @Amanda Oliveira/Agência Mural

A falta de recursos dificulta investimentos para garantir melhorias no local e uma convivência mais digna entre os moradores. “Como custear as obras se não tem recurso?”, questiona Simone Pankararu, outra liderança da comunidade e uma das responsáveis pelas visitas guiadas à aldeia.

“O projeto para a nossa aldeia, criado pela própria prefeitura, inclui um polo básico de saúde, uma escola, uma cozinha comunitária, um CRAS, criadouro de peixes e espaços culturais e nada disso foi cumprido. Nossas ocas estão incompletas e tudo que fazemos aqui é com nossos próprios recursos”, diz Simone Pankararu.

Segundo ela, o artesanato sempre foi a principal fonte de renda, mas a comercialização é difícil. “A prefeitura organiza um evento indígena por ano, geralmente no mês de agosto, o que ajuda, mas é algo muito pontual”, lamenta.

Uma alternativa para manter financeiramente a aldeia indígena tem sido a visitação guiada, agendada por escolas, grupos e visitantes individuais. As visitas são pagas e oferecem uma imersão cultural no cotidiano da comunidade, aproximando os visitantes das tradições, saberes e modos de vida dos povos originários.

Simone, afirma que o artesanato mantém a tradição dos povos originários @Amanda Oliveira/Agência Mural

Conforme afirma ativista todo esse trabalho é uma luta para se manter livre. “Morar numa aldeia tem todo diferencial para que possamos exercer a nossa tradição de forma livre, longe do preconceito e de outras limitações”, diz.

Na aldeia, tenho a liberdade de cantar o meu toré, dançar, gritar, acender fogueira e ninguém vai se incomodar. E, ao mesmo tempo, posso ouvir o silêncio e o som da natureza, das águas

Simone Pankararu, liderança da comunidade

Toré – Rito cultural na aldeia indígena

O toré é um ritual indigena muito comum a várias etnias do nordeste brasileiro, como os Pankararu, Pankararé, Kariri-Xocó, Xukuru-Kariri, Potiguara, Geripancó e Fulni-ô. Trata-se de uma prática que envolve danças, cantos e orações, que conta com a participação das crianças aos mais velhos.

“É uma forma de manter os nossos ancestrais presentes do nosso lado e de estar sempre fortalecendo a gente. As crianças, os filhos, já crescem aprendendo”, diz Simone Pankararu.

Na aldeia, existe uma casa de reza, uma espécie de templo onde são feitas orações para cultuar a espiritualidade dos diversos grupos indígenas.

Nascente dentro da aldeia em Guarulhos @Amanda Oliveira/Agência Mural

No local, existem símbolos religiosos como roupas dos caboclos e imagens de entidades espirituais que representam a conexão com os povos nativos. A comunidade recebe pessoas de outras religiões que buscam auxílio espiritual. No entanto, foi necessário dar uma pausa nas atividades.

“Estava fazendo aqui vários eventos, mas como o telhado [das ocas] está danificado em vista das chuvas e do próprio tempo mesmo, aí parei com as cerimônias para o público por não ter um lugar mais adequado porque, se chover, molha os convidados”, menciona a liderança.

A ideia é que houvesse mais pessoas para auxiliar nas reformas e materiais fossem doados, como é o caso de pneus para fazer muros de arrimo para épocas de chuvas intensas.

Atualmente recebem ajuda com a cesta básica do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social – e do Fundo Social).

Para conseguir construir a oca cultural, local destinado exclusivamente às visitas, foi com o apoio da lei Aldir Blanc – recursos federais a estados, municípios e Distrito Federal para auxiliar trabalhadores da cultura e espaços culturais.

Awa destaca a urgência de cuidar da natureza e alerta para as consequências da destruição ambiental. “Alguns não entendem que nós trabalhamos com a preservação da natureza, né? E quando você faz preservação da natureza, é preservação da vida também. Porque o ar que respiramos, ele vem da natureza.”

Para ele, a conexão entre vida e meio ambiente é inegociável: “O dia que nós cortar a última árvore, não vai haver mais vida. Já pensou isso?”.

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Amanda Oliveira

Jornalista, pós-graduada em comunicação e marketing e autora do livro reportagem: Liberdade Roubada- O drama de pessoas que foram presas injustamente. Causas sociais, direito de igualdade/equidade a motivaram a fazer jornalismo.

Evelyn Fagundes

Jornalista formada pela PUC-SP, instituição onde desenvolveu sua pesquisa premiada sobre o Racionais MC's. Mãe de pet e planta, é uma canceriana apaixonada por música. Correspondente de Guarulhos, na Grande São Paulo, desde 2022.

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