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Alunos das periferias temem ser prejudicados com manutenção do Enem

Apesar da paralisação de aulas provas serão realizadas em novembro; as inscrições começam na próxima semana e estudantes apontam desafios de se preparar em meio ao avanço da pandemia

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Ira Romão/Agência Mural

Por: Ana Beatriz Felicio

Notícia

Publicado em 16.04.2020 | 10:21 | Alterado em 27.02.2024 | 16:22

RESUMO

Apesar da paralisação de aulas, inscrições começam na próxima semana e estudantes apontam desafios de se preparar em meio ao avanço da pandemia

Tempo de leitura: 5 min(s)

Na última semana de março, estudantes secundaristas de todo Brasil foram avisados pelo Twitter do Ministro da Educação, Abraham Weintraub, que as datas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) seriam mantidas para o começo de novembro.

Ao lado de Alexandre Lopes, presidente do Inep, órgão responsável pelas provas, o ministro disse que apesar da pandemia não haveria alteração.”Sei que o coronavírus atrapalha um pouco, mas atrapalha todo mundo, como é uma competição, tá justo”, afirmou durante o pronunciamento.

Além disso, informou também que este ano os alunos também terão a possibilidade de fazer o enem digital.

A sensação que Maria Lúcia Ferreira Toledo, 18, descreveu sentir ao assistir o vídeo pela primeira vez foi desespero. “A gente sabe como funcionam as escolas estaduais e não havendo aulas presenciais sabemos que é ainda mais preocupante, porque a gente não faz ideia de como será o nosso futuro”, comenta.

A jovem mora no Itaim Paulista, na zona leste de São Paulo, e está no terceiro ano do ensino médio de uma escola pública na Aclimação. Ela sonha em ser pedagoga e estava contando com uma boa nota no Sisu (Sistema de Seleção Unificada) para conseguir estudar em uma universidade gratuita.

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Maria vive no Itaim Paulista e questiona dificuldades que estudantes terão para fazer o Enem @Arquivo Pessoal

O posicionamento do Ministério da Educação não chocou apenas Maria, mas também entidades de educação, alunos e professores, porque não levou em consideração que alguns estudantes poderiam ser prejudicados pela paralisação das aulas devido a crise da Covid-19.

No estado de São Paulo, por exemplo, as aulas estão totalmente paralisadas desde 23 de março. Na capital, o período será contabilizado como férias escolares até 22 de abril.

Em 2019, 5,1 milhões se inscreveram para fazer o Enem, que é a principal porta de entrada para o ensino superior para estudantes de escolas públicas e particulares do Brasil.

Na China, primeiro país atingido pelo coronavírus em dezembro de 2019 e onde morreram mais de 3.000 pessoas, o maior vestibular do mundo, “gaokao” estava previsto para junho e foi recentemente adiado por um mês.

AULAS POR APP E MATERIAIS ENVIADOS PARA CASA

Logo após o pronunciamento do Ministério da Educação, entidades de educação como o Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação), a Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) e a UNE (União Nacional dos Estudantes) se posicionaram contra a medida.

Em nota afirmaram que “é absurdo pensar que os estudantes estão em igualdade de condições nessa situação, e que atividades a distância poderiam solucionar o problema da suspensão das aulas”.

Lançaram um abaixo assinado online e uma hashtag nas redes sociais com o mote #ADIAENEM, que conta com mais de 30 mil assinaturas.

“Tem estudante que está sem acesso à internet, estudantes que estão sem o que comer. Então não tem como você querer que eles façam essa prova sem o mínimo de embasamento, sem ter aula direito”, afirma Stefany Kovalski, 20, estudante secundarista e coordenadora de comunicação da Ubes.

“A gente quer que seja discutida e pensada medidas para que os alunos tenham mais chance nessa prova”, salienta.

Problemas que Maria Toledo sente na pele. Devido a Covid-19, ela está morando na casa de uma tia em Suzano, na Grande São Paulo, com a irmã que acabou de ter um bebê, o pai e os tios.

O sinal da internet por lá é ruim e ela não conseguiria estudar mesmo se a escola tivesse passado algum conteúdo. “Para enviar um e-mail, por exemplo, a gente já não consegue”.

A escola onde estuda não enviou atividades ou deu qualquer orientação de como seriam ministradas as aulas. “Desde o dia 16 de março a minha escola já não deixou ninguém entrar. Não deram orientação nenhuma, só falaram que não ia ter aula”.

No dia 3 de abril o governador João Doria (PSDB) anunciou o lançamento do “Centro de Mídias SP”, um aplicativo para celular que permitirá aulas virtuais aos alunos da rede estadual.

Além disso, foi feita uma parceria com a fundação Padre Anchieta para transmissão de aulas pelo canal digital 2.3, da TV Cultura Educação, criado para as aulas à distância.

O aplicativo já está disponível para download para Android e IOS, mas os conteúdos presentes nele só serão computados como dias letivos a partir de 22 de abril.

Já na cidade de São Paulo, o prefeito Bruno Covas (PSDB) anunciou que os alunos da rede municipal receberão materiais impressos via correios para serem utilizados em um período de dois meses.

No dia 16 de abril, a juíza Marisa Claudia Gonçalves Cucio, da  12º Vara Cível Federal de São Paulo terminou que a União e o Inep adequassem o calendário e cronograma do Enem perante à realidade do ano letivo.

Entretanto, o órgão modificou apenas as datas do Enem Digital, que a princípio seriam aplicados entre 11 e 18 de outubro e agora será feito entre 22 e 29 de novembro.

Além disso, estendeu o prazo de isenção da taxa de inscrição e justificativa de ausência por mais 15 dias além do que havia sido determinado a princípio.

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Aulas foram suspensas por conta da quarentena em São Paulo @Ira Romão/Agência Mural

MANUTENÇÃO DAS DESIGUALDADES

Apesar das medidas, Maria ainda é contra a manutenção das datas do Enem. Ela, por exemplo, ainda não conseguiu acessar o aplicativo.

“São muitos sonhos quando falamos de Enem. A gente precisa garantir que não só alunos da rede privada de ensino conquistem esses sonhos. Mas sim, principalmente os de renda pública, porque é uma galera que se não for pelo Enem, talvez não consiga acessar uma universidade nunca”, Maria Lucia, estudante do Itaim Paulista.

“Parece que a prova tem um pouco desse mito de que está todo mundo em posição igual. E a gente sabe que isso não é verdade. Com certeza você manter a data da prova é você mais uma vez fingir normalidade em meio do caos, é quase como atropelar essas desigualdades”, afirma Gabriel Carneiro, professor da escola preparatória da UFABC.

Para Carneiro, quando as aulas da rede pública voltarem, todo calendário terá que ser revisto. “Quem mais vai sofrer com isso é o aluno que tem menor preparo, aquele de escola pública”.

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A pré-vestibulanda Amanda Ferreira Amorim, 15, mora em Guaianases, na zona leste da capital, e faz cursinho popular para tentar uma nota alta no exame e conseguir uma bolsa no ProUni (Programa Universidade Para Todos) no curso de medicina.

Ela também se preocupa com os colegas de escolas públicas que contam apenas com a escola regular para estudar. “Acho que para pessoas que contam só com o ensino médio, que estão no terceiro ano e precisam fazer o Enem esse ano, vai ser muito mais complicado”.

Após as manifestações, o Inep divulgou uma nota pública dizendo que não adiaria as provas e que a edição anual do Enem é um longo e complexo processo. “[O Inep] está buscando garantir sua execução adequada, não apenas para cumprir com seu dever institucional, mas, principalmente, para não prejudicar mais ainda a sociedade brasileira”, afirmou.

O ENEM DIGITAL

Moradora do bairro Cidade Líder, na zona leste da cidade, Brenda Tavares dos Santos, 20, também estuda para o exame e se preocupa com a segurança do Enem digital. “As escolas não têm computador direito, principalmente as públicas, sem contar que as pessoas já conseguem burlar o Enem quando é presencialmente, então online fica mais fácil”.

Principal novidade deste ano, a explicativa é que 100 mil participantes façam a prova digital. Ela terá a mesma estrutura da tradicional, mas será feita em computadores, em locais definidos pelo MEC. De acordo com a pasta, ela será mais moderna e poderá contar com vídeos e infografias.

O pesquisador de políticas educacionais, Danilo Zajac já possuía críticas ao modelo online antes mesmo da pandemia da Covid-19.

“Muitas escolas públicas não têm giz, não têm papel higiênico no banheiro. Então, ter locais com computadores já é uma tarefa complicada. Fora que a gente sabe que várias escolas não têm nem acesso à banda larga. Uma dificuldade que o Ministério não parou para refletir”.

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Ana Beatriz Felicio

Jornalista, curiosa, já foi apresentadora do Próxima Parada. Gosta de conhecer pessoas novas e descobrir o que as motiva a acordar todos os dias. Correspondente de Carapicuíba desde 2018.

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