Por: Matheus Oliveira
Publicado em 06.03.2019 | 17:34 | Alterado em 07.03.2019 | 12:17
As marchinhas de rua deram lugar para um desfile com as escolas de samba das periferias
Tempo de leitura: 5 min(s)Próximo do centenário, o carnaval da Vila Esperança, na zona leste de São Paulo, mudou. Os bailes e festejos locais, começados pelos imigrantes italianos e espanhóis em 1927, deram lugar aos desfiles da sétima divisão do carnaval paulistano. Na noite de sábado (2), 13 escolas de samba desembarcaram na estação Vila Matilde, do metrô, com fantasias e brilhos.
Diferentes pavilhões mantém viva a festa consolidada pelos clubes ‘esperançosos’ Recreativo União Vila Esperança (Ruve), Associação Atlética 5 de Julho e Club Atlético Guarany. A organização dos cordões deixou as mãos familiares para ser financiada pela Uesp (União das Escolas de Samba Paulistanas), responsável pelos carnavais de bairro de São Paulo.
Desfilaram por ali a tradicional escola da Lavapés, a Estação Invernada da Vila Aurora, na zona norte, o Cacique Do Parque, do Parque Santo Antônio, Os Bambas, do Capão Redondo, a Estrela Cadente de Cidade Tiradentes, a Locomotiva Piritubana, entre outras escolas de várias regiões da capital.
Intacta está a presença de personalidades. O desfile já recebeu Adoniran Barbosa e Elza Soares na década de 1960. Atualmente, donas de casa costuram fantasias, trabalhadores sambam às duas da manhã com brilho nos olhos. Pessoas deram cara e coração a este carnaval na madrugada de sábado, registradas nesta fotorreportagem.
A construção do Viaduto Dona Matilde, na década de 1970, mudou a dinâmica do carnaval. A antiga praça que existia era local de dispersão dos blocos. Nesta noite, a estrutura de concreto serve como espaço de concentração de passistas e de estacionamento dos carros alegóricos.
Apesar de ainda ter o bloco Chorões da Tia Gê, criado nos anos 1970, boa parte dos moradores da região deixaram de curtir o carnaval da Vila Esperança, que hoje é mantido por desfiles de escolas de bairros distantes. Os componentes chegam em ônibus de cooperativas de transporte. Com o trânsito, é pouco o tempo para se arrumar, os minutos correm mesmo antes do cronômetro começar a contar.
Os pés deixaram de sambar pelas ladeiras da Ruas Evans, quando os foliões viravam à esquerda na Avenida Amador Bueno e desciam pela Padre Olivetanos, trajeto que era feito inicialmente. A Avenida Alvinópolis, às margens da linha férrea do Metrô e da CPTM, é o palco onde a comissão de frente do GREC Os Bambas apresenta o enredo sobre o Sítio do Pica Pau Amarelo.
Uma das grandes marcas dos carnavais da Vila Esperança eram os carros alegóricos feitos de gesso e papel machê. O capricho nos detalhes e a ausência de motor permanecem. Nesta imagem, um integrante da Harmonia empurra o carro e indica a direção para o motorista.
A ala das baianas remete as mulheres que recebiam as rodas de samba em seus terreiros no começo do século 20. O giro das baianas tem raíz nas religiões afro-brasileiras e serve para purificar e abrir caminhos. Únicas personagens sem rosto desta reportagem, pois todas protegem a escola e o desfile.
As transformações do tempo agregaram aspectos da cultura negra ao carnaval da Vila Esperança, de origem europeia. O mestre sala e porta bandeira levam e protegem o pavilhão da GRCES Cacique do Parque, do Parque Santo Antônio, na zona sul de São Paulo.
A beleza vai além das alegorias e ornamentos. O brilho nos olhos da passista captura o olhar de quem observa. Como um encantamento de carnaval todos os detalhes do desfile estão dispostos para chamar a atenção.
As marchinhas ficaram para trás. A ala musical da GRCSES Estação Invernada, da Vila Aurora, zona norte da capital, entoa o samba enredo por todo o desfile. A profissionalização do carnaval possibilita que a música chegue a mais ouvidos, graças aos carros de som.
Celebridades e famosas ficam restritas ao Sambódromo do Anhembi. Na zona leste, quem domina a beleza são mulheres ‘comuns’, que nada devem no samba no pé e graciosidade e ganham de lavada no quesito força no olhar.
Grandes escolas de samba cobram pelas fantasias como maneira de financiar os desfiles. No caso das escolas de bairro, elas precisam atrair pessoas aos desfiles. Uma das formas é a doação da fantasia para quem vai para a avenida e tornam o desfile mais democrático. O único critério é participar dos ensaios.
As antigas fanfarras deram espaço para as baterias de samba. Regidas por mestre e diretores de naipe, a bateria dita o ritmo do desfile. Sem a pressa dos grandes desfiles e milhares de componentes o samba da Vila Esperança é mais lento.
Estar mais próximo das pessoas torna o encantamento com o carnaval literalmente tátil. Uma passista brinca com um garoto que assiste ao desfile, algo impossível até mesmo para desfiles do Butantã e da Avenida São João, também organizados pela Uesp.
A Vila Esperança é acessível por estar ao lado da estação Vila Matilde do Metrô de São Paulo. Todas as pessoas, que gostam de carnaval, podem participar. Nos três dias de desfile o público estimado pela organização é de 75 mil pessoas.
A porta bandeira da CRCA Estrela Cadente, de Cidade Tiradentes, apresentada o pavilhão ao público. Além de rodar o símbolo da escola, esta mulher negra aponta seu coração e força ao público. O passar dos anos torna o carnaval da Vila Esperança menos europeu e mais brasileiro.
Os desfiles passam por julgamentos e depois apuração na quarta-feira de cinzas. Os critérios avaliados são Bateria, Harmonia, Evolução, Samba Enredo, Fantasia, Alegoria, Comissão de Frente e Mestre Sala e Porta Bandeira. No passado, os cordões do bairro também competiam entre si, sendo o Ruve (Recreativo União de Vila Esperança) o maior campeão.
Ao tratar de um carnaval próximo do centenário é fácil falar do passado. Mas o crucial é olhar para o futuro, e o futuro são as crianças que levaram o respeito e zelo do carnaval aos próximos anos. Esse cuidado não existiu nos primeiros anos do carnaval da Vila Esperança, que perdeu as características iniciais.
A União das Escolas de Samba Paulistanas organiza concursos de beleza e dança. No torneio Miss UESP são eleitos a Rainha e as 1ª e 2ª Princesas do Samba e os Passistas de Ouro e de Prata. Aqui o Passista de Ouro samba no ar. As antigas agremiações locais elegiam a ‘Rainha do Club’.
As fantasias chamam a atenção pelas cores. Mesmo com orçamentos modestos, em comparação com as escolas do Grupo Especial, as agremiações contam com o cuidado de costureiras intimamente ligadas com quem irá usar. Parte das roupas é reutilizada dos carnavais anteriores.
Algumas escolas apresentam ala de velha guarda, tidos como pioneiros por abrirem passagem para hoje o carnaval estruturado e respeitado. É importante ter o passado respeitado, ainda mais encantador sambar junto com toda a escola.
O carnaval de salões e cordões hoje traz pessoas diferentes de diversas partes da cidade, que passam a viver a tradição do bairro. E como cantou Adoniran Barbosa, em 1969: “Vila Esperança, foi lá que eu passei o meu primeiro carnaval. Vila Esperança foi lá que eu conheci Maria Rosa meu primeiro amor”.
Matheus de Souza é correspondente de São Mateus
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Jornalista, educomunicador e correspondente de São Mateus desde 2017. Amante de histórias e de gente. Olhar sempre voltado para o horizonte, afinal, o sol nasce à leste.
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