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Agência de Jornalismo das periferias

Reprodução/Instagram

Por: Guilherme Dias

Notícia

Publicado em 26.07.2022 | 9:00 | Alterado em 26.07.2022 | 14:20

Tempo de leitura: 4 min(s)

Numa sexta-feira típica do outono paulista, de sol tímido em meio às correntes de vento frio, alguns jovens de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, começam a montar um palco improvisado, simples, mas com sistema de som, cadeiras e iluminação. São os preparativos para o Sarau Estação Poesia, realizado pelo Coletivo 7 na Linha uma vez por mês.

O cenário é ao lado da estação de trem (Linha 7-Rubi da CPTM), no calçadão em frente à Casa de Cultura Marielle Franco, no centro da cidade. O sarau vem rolando desde 2016, mas o grupo começou a se formar durante uma oficina de teatro em 2014. No fim das aulas, interessados em conhecer as produções culturais da região passaram a frequentar e integrar os eventos do território, até que se entenderam como artistas e pessoas empenhadas em ter um coletivo próprio.

Organização do microfone e som para o sarau @Guilherme Dias/Agência Mural

Ao longo desses anos, as vivências e experiências do público foram o norte para o desenrolar dos saraus. Amor, tristeza, dores, sexualidade, gênero e raça são alguns dos temas abordados. Os microfones abertos para qualquer pessoa simbolizam um espaço para que todos falem, gritem e cantem.

“No sarau as pessoas se sentem muito à vontade, o fato delas serem a principal ferramenta ajuda muito contra a inibição”, diz Mateus Torres, 25, produtor cultural, gestor de eventos e fundador do coletivo. “É muito legal que pessoas sacam do bolso um poema legal de 40 anos atrás, algo que ela nunca apresentou.”

E os desafios do Coletivo 7 na Linha também não foram poucos. No início do ano, Franco da Rocha foi uma das regiões mais afetadas pelas tempestades, o que impediu a realização dos encontros. Quem conta é a jornalista Luana Dorigon, 23, produtora cultural francorrochense e uma das fundadoras do coletivo.

“Após as enchentes , o projeto ficou amornado porque nós estávamos debaixo d’água. Mesmo parado, a gente ficou pensando nisso, trabalhando dentro da gente, até passar dois meses e, enfim, a gente chegar a conclusão que rolaria”, explica.

Hoje, com 10 integrantes fixos, o grupo une jovens com diferentes histórias e desejos, mas com o objetivo em comum de levar arte e cultura aos moradores de Franco da Rocha.

“Temos produtores culturais e artistas muito potentes aqui na cidade e que estão escondidos. Então, vem dessa querência de descobrir isso, de mostrar para o mundo”

Luana Dorigon, produtora cultural

Isabela Cristina, 23, integrante do coletivo e designer gráfica, é um exemplo do impacto cultural na vida do jovem periférico. “Esse encontro foi o que me guiou a decidir o que eu queria, era a fase da adolescência, cheia de dúvidas, com muitas inquietações e a partir dali decidi fazer design gráfico”, conta.

Noite de sarau

Com o palco pronto e cadeiras distribuídas pelo calçadão, entre o barulho do vai e vem dos trens e o cair da noite, o sarau começa na cidade – que é “quase interior, quase desconexa, sem nexo e sem pressa”, como Franco da Rocha é descrita por Elves Ferreira, também integrante do coletivo, e um dos autores do livro “FOCO: a mira dos artistas da periferia”.

“É um show?”
“Quem vai cantar?”
“Será que é comício?”

Essas eram as principais dúvidas do público curioso que passava no local. Sob uma leve garoa, Mateus então inicia a edição Sarau Estação Poesia. O primeiro artista da noite é anunciado. No simples banco de madeira, Danilo Pique, 25, pega o violão e se apresenta.

“É muito louco você notar essa força que tem aqui, principalmente poesia, tem muita gente que escreve nessa cidade, muita gente que chega com cada pedrada aí que você fica sem palavras. E você pensa: ‘onde estavam essas pessoas esse tempo todo?’”, questiona Danilo.

Apresentação de música de Danilo durante o sarau @Guilherme Dias/Agência Mural

Algumas apresentações depois, a chuva começou a cair mais forte. Com medo de um toró e, consequentemente, de um alagamento, o grupo migra o palco para dentro da Casa de Cultura Marielle Franco.

Em uma pequena sala com uma pintura de Marielle, vereadora do Rio de Janeiro morta em 2018, o público vai se aconchegando e, de repente, praticamente todas as cadeiras estão ocupadas e o sarau retoma seu rumo.

Sol (nome artístico), 22, também se apresentou naquela noite. Ele, desde que se conhece por gente, vem de Santo André ocupar o palco com composições e músicas. Sua voz ecoa pela casa e cativa o público.

Para Sol, migrar de uma margem do estado de São Paulo para outra tem um grande significado. “A importância do sarau, individualmente, já é bem imensa, visto que é uma oportunidade de troca muito grande para quem cria, para quem consome arte, mas coletivamente é muito mais importante ocupar esses espaços [nas periferias] que funcionam quase como refúgio de cultura.”

Casa de Cultura Marielle Franco recebe público @Guilherme Dias/Agência Mural

As apresentações se intensificam. Poesias, músicas e cantorias tomam o local. Em meio às mãos trêmulas, olhares dispersos, o público vê no palco a oportunidade de superar medos e vergonhas e extravasar sua arte, manifesto ou simplesmente cantar uma abertura de um anime marcante da infância.

“A cultura está muito além das produções culturais, ela é toda essa construção de raiz, toda essa questão de ancestralidade, está nos hábitos, essa é a importância da arte na vida das pessoas”, afirma Luana. Sobretudo, ela pontua a valorização do território.

“As pessoas agora amam Franco da Rocha, parte da população não tem mais vergonha de falar que é de Franco da Rocha, da cidade dos loucos.”

Ainda assim, Mateus Torres ressalta a necessidade de se criar caminhos e inventivos para arte e cultura nas periferias. “A gente, enquanto produtores, enquanto sarau e coletivo, fomos fruto de políticas públicas.”

“Somos pessoas que foram atingidas por políticas públicas de longo prazo e isso foi fundamental na criação do sarau e na sua manutenção”

Mateus Torres, produtor cultural
Sarau Estação Poesia

Casa de Cultura Marielle Franco: Rua Dona Amália Sestini, número 200/348, centro de Franco da Rocha

Dia e horário: Toda primeira sexta-feira do mês, das 19h às 22h

Preço: Entrada gratuita para todos os públicos

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Guilherme Dias

Bolsista no curso de jornalismo na PUC-SP. Escolhi jornalismo por amar escrever sobre a realidade que me cerca. Correspondente de Franco da Rocha desde 2022.

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