Anúncio de fechamento da planta completa um ano; desde então, houve redução no movimento do comércio ao redor da planta e incerteza para quem trabalhou na montadora
Kátia Flora/Agência Mural
Por: Katia Flora | Girrana Rodrigues
Notícia
Publicado em 19.02.2020 | 12:37 | Alterado em 22.11.2021 | 16:00
Após anúncio de fechamento, região no entorno da antiga fábrica comerciantes alegam queda nas vendas
Tempo de leitura: 3 min(s)Nesta quarta-feira (19), faz um ano que os trabalhadores da Ford receberam a notícia da saída da fábrica do Brasil. Só em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, a decisão levou a demissão de 2.800 funcionários, de acordo com o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudo Socioeconômicos).
A cidade foi a mais atingida pela saída da planta, que encerrou definitivamente as atividades em outubro de 2019.
Desde então, ex-funcionários têm encontrado dificuldade em se recolocar no mercado de trabalho.
É o caso de Sandro Randal Alves, 42, que trabalhou 11 anos e meio como soldador. “Quando comecei na fábrica, produzia o Ford Ka geração 2 e o piso salarial era de R$ 1.200, saí com um salário de R$ 7.000”, comenta.
Alves mora no bairro Humaitá, em Santo André, no ABC paulista, é casado e pai de duas filhas. Ele saiu da empresa em julho quando encerrou as atividades do setor de veículos. Com o valor dos direitos trabalhistas que recebeu, está cursando educação financeira para manter o dinheiro.
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Após sete meses da demissão, continua na procura por emprego, mas até o momento não obteve retorno. “Vejo que as indústrias priorizam um profissional com um salário menor e mais jovem”, lamenta.
Lucas Sanches Padilha contradiz essa ideia. Morador da Vila São Pedro, na periferia de São Bernardo, o ex-trabalhador da montadora tem apenas 26 anos, mas também não conseguiu recolocação no mercado de trabalho.
Foi funcionário da Ford por seis anos, aderiu ao PDV (Plano de Demissão Voluntária) em setembro de 2019. “Comecei na produção e estava na montagem final do carro. Antes do anúncio do fechamento, estava me preparando para comprar uma casa”, afirma.
Apesar do fechamento da empresa, Lucas não desanimou de trabalhar no setor industrial. Atualmente, cursa o 2° semestre em Tecnólogo em Automação Industrial. “Estou enviando currículos para montadoras e indústrias técnicas. Os salários fora da indústria são menores”, assegura.
O curso é focado em tecnologia. Ele se diz preocupado em se qualificar para a indústria do futuro.
Segundo o consultor do Dieese Luis Paulo Bresciani com os empregos de carteiras assinadas sendo fechados, poucos se recolocaram no mercado do trabalho, e outra parte foi para o setor informal. “As pessoas estão vivendo no modo de sobrevivência. Há uma estagnação na economia e faltam políticas públicas para geração de empregos”, diz.
Dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) mostram que a cidade teve um recuo de 533 empregos formais ao longo do ano passado. Só na indústria da transformação foram mais de 3.366 vagas a menos do que as contratações no município.
A variação contrasta com a média nacional. Na Grande SP, houve 109 mil empregos formais a mais. No entanto, a maioria foram vagas na área de serviços, enquanto a indústria nas 39 cidades também teve recuo.
Para Bresciani, a partir de 2021 poderá ter avanços no mercado de trabalho na região.
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IMPACTO NO COMÉRCIO
Os comércios no bairro Paulicéia, ao redor da fábrica da Ford, tiveram queda nas vendas após o fechamento e a demissão de trabalhadores.
O comerciante Laércio Cesar Bortoni, 63, dono do restaurante Claritas, na frente da portaria 18, sentiu a diminuição de 50% do faturamento.
Bortoni está no local há 15 anos e paga aluguel do estabelecimento. Lembra do período em que faltavam cadeiras para atender tantos clientes, em especial os metalúrgicos. Com a saída da indústria, o movimento caiu e precisou demitir dois funcionários. “Espero que outra empresa compre a planta para melhorar as vendas”.
O vendedor autônomo Antônio Carlos dos Santos, 70, trabalha com seu carro próximo da portaria há 20 anos.
No início vendia materiais para pesca, e outros acessórios. Atualmente, comercializa carregador de celular, lanterna e rádio de pilha. O ganho diário era em média R$ 400, tirava em torno de R$ 4.000 mensais. “Aqui, era uma feirinha, tinha várias pessoas com barracas e todo tipo de produto. Tinha até queijo”, relembra.
Santos diz que o faturamento caiu bastante e permanece no local para não ficar em casa, pois é aposentado.
“Tem semana em que não tiro nem R$ 100, mais venho porque têm uns caminhoneiros que compram, se eu não trabalhar fico doente”, afirma o vendedor Antônio Carlos dos Santos.
Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, funcionários da área administrativa irão ficar na planta de São Bernardo até o mês de março e depois serão realocados em São Paulo. Com isso, a fábrica será desativada.
A Ford está em negociação com três empresas chinesas, mas sem decisão conclusiva até o momento.
Jornalista com experiência em jornalismo online e impresso, tem publicações em diversos veículos, como Uol, The Intercept e é ex-trainee da Folha de S. Paulo no programa para jornalistas negros. Correspondente de São Bernardo do Campo desde 2014.
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