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Artesã da zona leste de SP resgata ancestralidade com comércio de biojoias de capim-dourado

Cláudia Cristina, do Itaim Paulista, na zona leste, criou marca para vender biojoias feitas a partir de capim-dourado, produto natural que faz parte da história do artesanato afro-indígena

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Evelyn Fagundes/Agência Mural

Por: Evelyn Fagundes

Notícia

Publicado em 02.09.2024 | 16:45 | Alterado em 02.09.2024 | 19:52

Tempo de leitura: 6 min(s)

“Você conhece as biojoias de capim dourado?”. É assim que Cláudia Cristina, 43, do Itaim Paulista, na zona leste de São Paulo, aborda as pessoas para apresentar seu trabalho e contar a história da confecção de acessórios produzidos a partir dessa planta.

Biojoias são joias feitas com produtos naturais. Já o capim-dourado é considerada uma “sempre-viva” do Cerrado, uma espécie que, após colhida e seca, consegue resistir ao tempo sem se deteriorar facilmente. Por conta dessa preservação, ela é utilizada em artesanatos como acessórios ou artigos para casa.

“O capim-dourado tem uma simbologia muito grandiosa para nós afrodescendentes”, afirma Cláudia, referindo-se ao valor ancestral do uso do material. Segundo ela, quando bem cuidados, os itens podem durar até 15 anos.

“Quando os negros vêm para o Brasil na condição de escravizados e ocupam os quilombos na região do Cerrado, onde já existia o capim e os indígenas faziam utensílios, os negros se unem à cultura e começam a fazer acessórios e se adornarem nas festas de quilombo para se sentirem reis e rainhas novamente”, conta Cláudia. “Então, é um símbolo de força, resistência e de empoderamento”.

A história contada pela empreendedora faz parte do que ela ouviu das gerações passadas da família, que trabalham com o capim-dourado em Minas Gerais, onde é extraída a espécie para sua loja.

Colar feito a partir de capim dourado. Abaixo do busto, exibe-se o capim natural @Evelyn Fagundes/Agência Mural

“São histórias que vão passando de geração em geração dentro da família. Os mais velhos vão passando para os mais novos. Com o tempo, a gente começa a observar que, infelizmente, a história afro vai se apagando. Há um apagamento histórico sobre a participação do nosso povo preto dentro desse trabalho”.

Onde tudo começou

Cláudia Cristina passou a trabalhar com o capim-dourado pouco antes da pandemia de Covid-19, logo após dar à luz a segunda filha, Beatriz Lauren. Ela conta que confeccionar e vender os acessórios foi uma alternativa para financiar as mensalidades do curso de serviço social, além de um refúgio para si mesma, pois estava passando por uma fase depressiva.

“Viajei para Minas Gerais e lá uma prima minha que empreende com capim-dourado me deu uma maletinha com alguns acessórios de capim e falou ‘olha, você vai para São Paulo, leva, vende esses acessórios e o que você vender você paga a sua faculdade’”, relembra.

Cláudia mostra a maleta que sua prima lhe deu em Minas Gerais @Evelyn Fagundes/Agência Mural

“Vim despretensiosamente com minha maletinha para vender, oferecer para amigos e conhecidos e levantar aquela mensalidade da faculdade. Mas a coisa deu tão certo que, de repente, eu já estava sendo convidada para ir em eventos e dessa brincadeira surgiu a Ouros da Terra, que hoje é a minha principal fonte de renda”, afirma.

Com a irmã, Anna Paula – que também trabalha com artesanato, mas com crochê – Cláudia fundou o coletivo Mãos Periféricas no Itaim Paulista, na zona leste de São Paulo. Trata-se de uma comunidade formada por mulheres que empreendem por meio do artesanato.

O coletivo possui uma loja virtual para divulgar o trabalho, mas também organiza oficinas e feiras para que as mulheres possam se apoiar mutuamente.

‘A mulher pode sair daquele mundinho pequeno, ir para um grande e vasto e até mesmo sair de uma crise de depressão, que foi o que aconteceu comigo construindo a Ouros da Terra’

Cláudia Cristina

Em um evento de empreendedorismo feminino, onde os ‘Mãos Periféricas’ estava presente, Maria Cecília, 56, mais conhecida como Ciça Costa, conheceu o trabalho de Cláudia Cristina em 2022 e se encantou pela história do capim e pelo trabalho da artesã.

Para Ciça, que também é empreendedora, mas da área da confeitaria, os acessórios podem ser usados tanto em ocasiões mais formais quanto informais. “É um produto bonito de se ver, não tem uma vez que eu o coloque e alguém não comente ‘ah, que lindo! Onde você comprou?”, diz.

Ciça Costa utiliza um conjunto de itens da Ouros da Terra @Arquivo pessoal

Ela lembra que itens como esses podem ser encontrados em shoppings, no entanto, ela não abre mão de apoiar o afroempreendedorismo e conta que compra com Cláudia desde o ano em que a conheceu. “Eu super apoio o trabalho dela. Todas as peças são muito lindas. Combina muito com a mulher que gosta de estar sempre bonita”, ressalta.

Autoestima

“Não tem coisa mais linda do que ver uma mulher ou alguém usando a sua peça e se achando linda”, diz Cláudia sobre o retorno das clientes. Para ela, os acessórios não se limitam a um gênero específico, pois o conceito por trás das peças, além da ancestralidade, é levar a beleza do capim para “quem quiser usar”.

“Antigamente, a menina obrigatoriamente usava rosa e o menino usava azul. E hoje em dia não. Quebra-se esses tabus. Tenho clientes homens héteros que usam brincos e pulseiras tranquilamente e continuam sendo héteros, continuam sendo homens porque eles mesmos se reinventaram”, afirma a empreendedora.


Cláudia acredita que utilizar as peças é carregar a história do capim-dourado e todo o processo dele – desde o plantio, secagem e confecção dos acessórios – o que traz mais prestígio aos itens. É por isso que ela inicia a conversa com os clientes contando a história do produto e foi justamente isso que chamou a atenção de Hellen Tiburcio, advogada especialista em direito antidiscriminatório do Espírito Santo.

Em uma viagem para São Paulo, ela conheceu a Ouros da Terra na ExpoFavela de 2023 e fez a compra de um colar e um brinco.

“Comprei os itens pela representatividade e por tudo o que envolve a história. As peças da Cláudia são incríveis, mas, acima de tudo, ela tem uma sensibilidade ao criar as peças que nunca vi antes. Ela é simplesmente maravilhosa”, disse a advogada. “A Cláudia atendeu a todos os clientes de cada estado como se fossem únicos. Isso me fez voltar para São Paulo e comprar mais peças com ela”.

Hellen Tiburcio utiliza um conjunto de itens da Ouros da Terra @Arquivo pessoal

Para trazer ainda mais autenticidade às peças, a empreendedora faz questão de não produzir o artesanato em escala, investindo na diversidade dos formatos. “Um colar que vendo hoje, volta daqui a mais ou menos uns seis meses. Um dia pode ser que eu faça. Mas por ser artesanato, nunca vai ser idêntico. Tudo que é feito manual é diferente, é exclusivo, são peças únicas”, diz.

Dificuldades do empreendedorismo no artesanato

Apesar da Ouros da Terra possuir redes sociais para divulgar os produtos e se comunicar com os clientes, Cláudia defende que o melhor modo de venda é o olho no olho. “O forte mesmo é o tête-à-tête. O cliente olhar e ver, porque na foto tem uma diferenciação de cor. Aqui, pessoalmente, você olha e você sente até a energia própria, energia do capim”, diz.

A empreendedora recorre às feiras, festivais e exposições para poder apresentar seu trabalho. Expor os acessórios nas ruas de São Paulo não é permitido de forma gratuita, o que a coloca como vendedora marginalizada. No entanto, participar dos eventos que têm autorização da prefeitura, exige um custo.

Joias da Ouros da Terra @Evelyn Fagundes/Agência Mural

Brincos da Ouros da Terra @Evelyn Fagundes/Agência Mural

Brincos da Ouros da Terra @Evelyn Fagundes/Agência Mural

Joias da Ouros da Terra @Evelyn Fagundes/Agência Mural

“As feiras são um grande desafio que a gente tem que ficar constantemente lutando para estar presente”, conta. Em geral, nesses eventos, é preciso pagar uma espécie de taxa pelo espaço que será ocupado pelo empreendedor, como se fosse um tipo de aluguel pela barraca. Isso reduz o lucro do dia trabalhado, “o que dificulta bastante para as afroempreendedoras periféricas”, explica.

Cláudia critica a falta de locais pensados e dedicados para que artesãos possam exibir o trabalho no centro de São Paulo, onde ela avalia ser o melhor ponto de venda por conta da grande movimentação.

Apesar dos problemas, Cláudia diz acreditar que o artesanato não pode ficar restrito à marginalidade e ao trabalho das ruas, mas precisa ser difundido para o conhecimento geral da população.

Banca montada por Cláudia na Feira Pretos em Conexão ocorrida no Beco Do Robin, em Guarulhos, no final de julho deste ano @Evelyn Fagundes/Agência Mural

“Seria muito bom que as prefeituras e o Estado pensassem em alternativas. O artesanato não tem que ficar restringido na rua, você pode pegar o seu artesanato e difundir ele nas escolas, por exemplo”, sugere sobre o projeto “Escola da Família”, quando os pais e parentes frequentam o ambiente escolar para fazerem atividades junto com o estudante. Para ela, é reivindicando a presença do artesanato nos mais diversos espaços que o trabalho do artesão passa a ser valorizado.

“Já foi a época que o artesanato era exclusivamente para a mulher dona de casa que utilizava ele para passar o tempo”, defende. “Hoje em dia o artesanato é o sustento de famílias. Muitas mulheres periféricas são pilares de famílias e são responsáveis pelo sustento pelo artesanato.”

Ela conclui que esse trabalho serve até mesmo como auxílio para o tratamento da depressão. “O artesanato salva-vidas”, diz.

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Evelyn Fagundes

Jornalista em formação pela PUC-SP, instituição onde desenvolve sua pesquisa sobre as obras do Racionais MC's. Mãe de pet e planta, canceriana e apaixonada por música. Correspondente de Guarulhos, na Grande São Paulo, desde 2022.

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