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Agência de Jornalismo das periferias

Livia Alves/Agência Mural

Por: Livia Alves

Notícia

Publicado em 26.05.2023 | 8:30 | Alterado em 26.05.2023 | 14:10

Tempo de leitura: 5 min(s)

Com uma fantasia de Capitão América, o cantor e compositor Joow J, 27, chega a calçada do Shopping Campo Limpo, na zona sul de São Paulo. Ele monta o equipamento e depois de alguns minutos começa a cantar “Ovelha Negra”, em homenagem a Rita Lee, cantora de rock nacional que morreu em 8 de maio.

Morador do Parque Bologne, no Jardim Ângela, também na zona sul, ele trabalha há oito anos no ramo musical. Além do estilo criativo, Joow faz parte de artistas que têm visto nas ruas das periferias um novo lugar para se apresentar.

O cantor tem pontos fixos em São Paulo e, apesar de se apresentar aos domingos na avenida Paulista, a prioridade são as regiões mais afastadas do centro. Essa escolha tem como objetivo levar a arte a quem não tem tempo ou condições de ir até ela, afirma.

“Sei que arte nas ruas são focadas nos grandes centros, porém, sei que muitas pessoas não tem tempo, e às vezes o tempo gasto indo até lá desgasta, então acabam ficando somente nas periferias. Por isso tive a ideia de cantar pelos lugares afastados [do centro]”, comenta.

Crianças assistem a Joow em apresentação no Campo Limpo @Livia Alves/Agência Mural

As apresentações dele viajam por personagens de anime como o Naruto/Rock Lee/Neji Hyuga [personagens do anime Naruto], games como o Super Mário [sem deixar de lado o dinossauro Yoshi], heróis como o Chapolin Colorado, e até um humano sendo carregado por um alien, que brinca com os “ufos”, assunto recorrente no meio nerd.

No cartaz que carrega vai o número de celular para o pix e algumas frases motivadoras:

“Qualquer um pode ser um herói. Até uma pessoa que põe o casaco nos ombros de um menino para mostrar que o mundo não acabou”

Frase usada em cartaz do artista do Joow

A participação dos “personagens da infância” durante as performances nas ruas foi uma forma de conseguir mais atenção do público, em especial de jovens adultos, adolescentes e crianças.

“A ideia de cosplay surgiu há uns dois anos com o objetivo de dar um UP no engajamento, fazer as pessoas olharem e prestarem atenção”, conta Joow. “O objetivo é trazer um pouco de fuga da realidade, trazer entretenimento e felicidade para quem passa por mim.”

Cantor se apresenta cinco vezes por semana @Livia Alves/Agência Mural

Mesclando entre música pop, MPB e brincando com a diversidade de gêneros musicais, Joow também conta que já ouviu comentários quanto ao estilo de música que deveria cantar nas periferias. Nas apresentações, ele gosta de quebrar esses preconceitos.

“Muitas pessoas falam que pessoas das periferias não escutam essas músicas [Pop, MPB] e eu falo que escutam sim”. Ele canta sucessos de cantores renomados como Elis Regina, The Beatles, Cássia Eller, Billie Eilish, Tom Jobim no Capão Redondo e Campo Limpo. “As pessoas gostam muito.”

“Às vezes a gente tem esses estereótipos de ‘a pessoa da periferia, da favela, da quebrada só ouve funk’ e não é isso, claro que tem um contato maior, mas a pessoa da periferia escuta todo tipo de música”

Joow, artista de rua da zona sul de SP

Renda

Esse trabalho tem trazido renda, mas não há garantia, aponta o músico. Em um show que pode durar até 6h, ele tira uma média de R$ 100. “Tem dia que é R$ 150, tem dia que é R$ 10. Ontem mesmo tirei R$ 9.”. O cantor se apresenta cinco vezes por semana.

Assim como Joow, outros cantores vêm nas periferias oportunidade de mostrar sua arte.

O musicista John Ávila, 25, cria do Taboão da Serra, na Grande São Paulo, começou a trabalhar com música aos 15 anos. Durante a pandemia, a banda de rock do qual fazia parte, Motor Machine, se desfez e ele passou a seguir carreira solo.

Tendo contatos antigos devido aos shows que fazia com a banda, John começou a cantar semanalmente em alguns bares e nos dias livres passou a fazer shows nas ruas. Comenta que gosta do acústico, levar o rock com voz e violão dos bares para as ruas.

“No começo eu não tinha ponto específico. Já fiz (show) no Pira (Pirajussara), na praça do Campo Limpo, já fiz no metrô [Campo Limpo]. Gosto de focar em ir para o centro do Embu (das Artes), para o litoral (paulista)”, ressalta.

Ele diz evitar a região central por conta da segurança. Quando começou a cantar solo, Ávila notou que cantar nas periferias não só era mais fácil devido à locomoção como também mais seguro por não ter os equipamentos confiscados por seguranças.

Também cita ver mais respeito dos donos de estabelecimentos nessas regiões que, em muitos momentos, cederam energia elétrica e espaço em frente às lojas para as apresentações.

O cantor Everson Fernandes, 42, que trabalha com música há 13 anos, começou na carreira dando aulas, posteriormente se dedicou integralmente a se apresentar em locais variados.

“Vejo na arte a solução para vários problemas sociais e saber que eu posso contribuir para a construir um mundo melhor e ajudar as pessoas através da música me trás uma realização pessoal enorme”, comenta Fernandes, que mora no Jardim Icaraí, na zona sul da capital.

Apesar do empenho, os músicos relatam que a rotina é difícil, como transportar os equipamentos.

O equipamento de Everson pesa aproximadamente 30 quilos, e por usar guitarra é imprescindível o uso dos amplificadores, cabos e pedais. Ir aos locais de apresentação de transporte público, quase sempre é uma experiência desgastante e até mesmo perigosa.

John Ávila concorda e comenta situações que passou com seus equipamentos. “Infelizmente já tive experiências de perder equipamentos, de serem barrados por policiais, seguranças de loja”, diz. Joow também já perdeu equipamentos. No final do ano passado, ele foi roubado e perdeu uma caixa amplificadora.

Apresentação na rua conta com número para quem quiser fazer doações @Livia Alves/Agência Mural

Pandemia

Durante a pandemia de Covid-19, os músicos sofreram com a falta de trabalho. O isolamento fez com que muitos sobrevivessem apenas com o auxílio emergencial e até mesmo em festas clandestinas.

Everson em uma tentativa de se manter começou a fazer lives e vídeos, o que renderam uma quantia que ajudou a sobreviver durante os anos pandêmicos.

“Ainda sinto os efeitos da pandemia em questões financeiras, consegui ter alguma renda através de lives no face e no Youtube”

Everson Fernandes, músico

Uma pesquisa feita pela UBC (União Brasileira de Compositores), cRio e a ESPM chamada “Músicos/as & Pandemia” de 2022 observou que 89% dos músicos tiveram perdas decorrente da pandemia.

“Claro que o sonho de ser um artista reconhecido existe e sempre existiu, mas ao meu ver, a arte em geral é mais doação do que ganho”, completa Everson.

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Livia Alves

Jornalista apaixonada pela cultura brasileira. Pansexual, youtuber e streamer pelo canal LadoPan nas horas vagas. Correspondente do Campo Limpo desde 2021.

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