Por: Isabela Alves
Notícia
Publicado em 28.02.2025 | 10:51 | Alterado em 28.02.2025 | 10:51
“Espero que a gente pegue esse orgulho de estar no Oscar e também consiga celebrar o nosso cinema nacional”, afirma Aguida Aguiar, atriz que atuou no filme ‘Ainda Estou Aqui’, dirigido por Walter Salles, indicado a três categorias do Oscar: Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz para Fernanda Torres.
Natural de Itaquera, zona leste de São Paulo, Aguida vive a personagem Carla, uma funcionária do cartório onde Eunice Paiva, interpretada por Fernanda Torres, recebe o atestado de óbito do marido, Rubens Paiva, morto pela Ditadura Militar. Na cena, Carla também pede um autógrafo ao escritor Marcelo Rubens Paiva.
Estudante da EAD (Escola de Arte Dramática) da USP (Universidade de São Paulo), Aguida tem uma carreira dedicada ao cinema independente com a participação em filmes como “O Capitalismo Matou Meus Pais” (2023), “Esta Noite Minha Alma Partirá” (2024) e “Onde Estamos Seguros”, seu primeiro longa-metragem como protagonista, que será lançado em 2025.
“Quero muito que a gente consiga entender a amplitude do nosso cinema e prestigiar diversos filmes que estão por aí arrasando. Que a gente não esqueça da beleza que é ir para uma sala de cinema”, relata.
O convite para participar do longa veio em março de 2023 e sua cena foi gravada em junho daquele ano.
Inicialmente, Aguida participaria da segunda fase do filme, contracenando com a atriz Fernanda Montenegro. Mas no meio do processo, a cena mudou e ela contracenou com Fernanda Torres em um dos momentos mais emblemáticos do drama: a cena do fórum onde Eunice consegue o atestado de óbito de Rubens Paiva.
“A gente tem um fator histórico muito importante que é o apagamento e a falta de documentação sobre o que aconteceu na Ditadura Militar”, afirma.
‘Há algo velado que, ainda com muita dificuldade, a gente consegue alguns respaldos do Estado. A minha responsabilidade como atriz foi entender a importância do momento histórico’
A cena mostra o momento em que a documentação foi emitida em 23 de fevereiro de 1996, depois de 25 anos do desaparecimento de Rubens Paiva, sem a causa da morte. “Essa cena acontece a partir de uma luta contínua e movimentação política de uma família que não para”, pontua.
Imagem da cena em que Eunice Paiva recebe o atestado de óbito do marido e foto da Eunice Paiva recebendo o documento @Divulgação
A cena do fórum é muito simbólica, porque Eunice frequentava muito a instituição após a morte do marido e a inspirou a cursar direito aos 44 anos. Posteriormente, ela se tornou uma figura importante para a articulação dos movimentos dos povos indígenas na década de 1990.
“É uma cena muito dolorosa. Ao mesmo tempo, com um teor muito forte sobre o que sobram das famílias que tentam resgatar suas memórias. É muito emocionante e tocante no momento em que eu entrego o documento, ver as feições, a cadência que ela [Torres] coloca em cena e o peso no documento. Para mim foi um aprendizado”, diz emocionada.
Aguida integrou a equipe com as filmagens em andamento. A atriz revela que, ao chegar no set, foi tomada por uma atmosfera única. Trabalhar com Fernanda Torres foi um momento especial para Aguida, que já admirava a atriz por seus trabalhos no cinema e na televisão.
“A equipe que me mostrou que com uma cena, por menor quantidade de tempo fosse [de tela], eu podia fazer o máximo de coisas possíveis e aprender e passar a mensagem de uma maneira muito bonita”, relata.
Aguida tem dedicado a sua carreira a fazer filmes no cinema independente andradelproducoes
Aguida afirma que o filme elucida a luta de diversas famílias que até hoje cobram justiça do Estado, não somente do período da Ditadura Militar. Um exemplo atual é a violência policial que, apenas no ano passado, matou 4.025 pessoas, sendo que 90% delas eram pessoas negras, de acordo com a Rede de Observatórios da Segurança.
O movimento “Mães de Maio”, formado por uma rede de mães, familiares e amigos de vítimas da violência do Estado, é um exemplo atual de mulheres na luta por reparação, memória e justiça. O cortejo delas acontece sempre no dia 1º de abril, no centro da capital.
‘O filme humanizou a luta dessas mulheres. Quando vejo no cinema uma história como a de Eunice, vejo uma mulher tentando carregar o tempo da justiça e o quanto ele é doloroso, árduo e diário’
Em diversas entrevistas, Fernanda Torres cita Hécuba, da tragédia grega escrita por Eurípedes em 424 a.C., como uma das grandes inspirações para a construção de Eunice. Aguida observa que a personagem é uma grande simbologia dramática das mulheres que, mesmo com tudo acabado, se mantém com força máxima para seguir.
“Fico pensando nessa mulher que do nada teve de ser mãe e pai e, a partir daí, entrar numa luta política de uma articulação de décadas. Eunice lutou tanto para lembrar o que aconteceu na ditadura e anos depois falece com alzheimer. Uma ironia do destino”, diz.
A atriz reforça que ainda há muita dificuldade em entender como a violência da Polícia Militar dentro das periferias também é fruto de uma ditadura.
Aguida Aguiar em “O Capitalismo Matou Meus Pais”, selecionado na Mostra de Cinema de Tiradentes @Divulgação
“A gente tem dificuldade de entender a gentrificação dos bairros a partir da ditadura, os processos de favelização do Rio de Janeiro e principalmente, porque eu tenho que pedir pro meu irmão sair com o RG. Isso é resquício da Lei de Vadiagem”, pontua.
Para ela, é necessário trazer o debate de raça ao tratar da ditadura e pesquisar o que aconteceu nos quilombos e nos aldeamentos no período da ditadura.
Além de resgatar figuras importantes invisibilizadas, como uma grande inspiração chamada Malunga Thereza (1930-2012), uma atriz politizada que atuava como espiã e até hoje não se sabe a importância da sua atuação durante a ditadura.
Graduada em jornalismo pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM) e pós graduanda em Mídia, Informação e Cultura pelo Celacc/USP. Homenageada no 1° Prêmio Neusa Maria de Jornalismo. Correspondente do Grajaú desde 2021.
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