Fim do benefício pode deixar 63 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza; aumentaram pedidos de ajuda por comida em grupos de bairros nas redes sociais
Por: Lucas Veloso | Matheus Oliveira
Notícia
Publicado em 05.02.2021 | 11:44 | Alterado em 22.11.2021 | 15:59
Desempregada, apesar das dezenas de currículos entregues nas últimas semanas, Jenifer Carvalho dos Santos, 27, vive com marido e o filho, de um e sete meses, em Paraisópolis, a segunda maior favela da capital paulista.
Ela foi uma das 68 milhões de pessoas beneficiárias do auxílio emergencial, recurso federal concedido para diminuir o impacto da crise sanitária na renda dos mais pobres.
Ao todo, foram nove parcelas que serviram para comprar alimentos e pagar aluguel em casa, mas o fim do benefício tornou as coisas mais difíceis.
“Está um pouco difícil. A gente não recebe o que recebia antes, e o Bolsa Família só dá para comprar o básico, porém tenho um filho que depende de mim”, diz.
Jenifer diz que a situação na casa se repete com outras pessoas. Atualmente, a família vive a partir da renda do trabalho do marido e dos R$ 267 recebidos do Bolsa Família e do auxílio alimentação, pago pela prefeitura da capital.
“A gente está se virando como pode. Eu acho que deveria voltar o dinheiro porque o mundo está em crise e tem muita gente desempregada também”.
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Em dezembro passado foram pagas as últimas parcelas do benefício para milhares de pessoas nas periferias da capital. Desde então, relatos de falta de comida e piora na qualidade de vida dos moradores se tornaram comuns.
Nas redes sociais, a Agência Mural encontrou dezenas de pedidos de ajudas, especialmente por comida, em grupos de bairros.
De acordo com dados oficiais, o fim do auxílio pode deixar ao menos cerca de 63 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza e outros 20 milhões abaixo da linha da pobreza extrema, onde a fome é rotineira.
Criado para auxiliar as famílias, o valor pago pelo governo federal de R$ 600 foi usado por 96% dos beneficiários de favelas, para a compra de alimentos, segundo pesquisa do Instituto Data Favela, parceria do Instituto Locomotiva com a Cufa (Central Única das Favelas), em 72 cidades.
O levantamento, divulgado em junho de 2020, indicou ainda que 56% dos moradores de favelas brasileiras, que conseguiram receber o auxílio emergencial, usaram o valor para ajudar financeiramente amigos e familiares na compra de alimentos e pagamento de dívidas.
Uma pesquisa do instituto Datafolha, em agosto passado, mostrou que entre os que se autodeclararam negros, 49% tinham o auxílio emergencial como única fonte de renda, contra 38% entre os brancos.
Na zona leste da capital, o autônomo Jonattan Dantas Souza, 22, mora no Jardim Vera Cruz, em São Mateus. Sem o valor do governo, afirma que a rotina não está fácil.
“Cada dia tenho que matar um leão pra não passar fome e ser despejado”, comenta.
As cinco parcelas recebidas serviram para pagar o aluguel e comprar alguns alimentos em casa. Para driblar as dificuldades, Jonattan recolhe reciclagem nas ruas do bairro, como garrafas pet, latinhas, além da venda de balas no farol.
Para o autônomo, o governo federal deveria ampliar empregos por meio de políticas públicas. “Deveriam dar algum tipo de ajuda aos empresários para que não fechem as portas. Ando por aí tentando encontrar emprego e o que eu vejo são pessoas querendo contratar, precisando de pessoas, mas sem recursos pra isso”, observa.
Em Guaianases, zona leste, a autônoma Margarete Maria Cordeiro, 47, recorreu à internet para vender alguns produtos, como capinha de celular, carregador e pilhas. Com renda insuficiente para despesas, pediu o auxílio emergencial e agora diz sofrer sem o valor mensal.
“O dinheiro deu uma ajudada. A gente comprava o essencial, mas em compensação as coisas no mercado ficaram mais caras. Agora que acabou, ficou mais difícil porque as vendas estão fracas e eu e meu marido estamos desempregados.”
Nas últimas semanas, ela tem saído pelas ruas do bairro com o marido para vender os produtos. Para ela, o benefício deveria continuar.
“É necessário porque a doença ainda está muito forte. Muita gente precisa, está desempregada ou não pode sair de casa. E a gente não tem tempo para esperar as coisas melhorarem. As contas chegam, a fome bate”.
A situação não é diferente para Jânio Carlos Oliveira, 59, desempregado há cinco anos. “Está devagar, é muito difícil achar alguma coisa. Muitos lugares não têm vagas e tem muita gente desempregada. A concorrência está muito alta porque hoje temos mais de 14 milhões de pessoas sem emprego”, comenta.
Para levar dinheiro para casa, ele vende balas e chicletes, além de fazer ‘bicos’ como montador de móveis. No ano passado, os filhos o cadastraram no auxílio.
“Com o dinheiro a gente pagava as contas e comprava o que faltava no mercado. Agora que acabou, continuo com os bicos, pois só minha mulher está trabalhando. Lá em casa somos quatro: eu, a mulher, meu filho e minha neta de quatro anos.”
No bairro da Penha, a rotina diária de Larissa Santos Ferreira da Silva, 18, tem sido a procura por alguma vaga de emprego com a entrega de currículos nos comércios locais. Sem o auxílio de R$ 600 que os pais receberam por alguns meses, a busca por uma ocupação se tornou urgente.
“Em casa, a gente não tinha passado aperto por eu e minha irmã estarmos trabalhando, mas agora, sem o dinheiro, e nós duas desempregadas, não tem como esperar.”
NÃO AO FIM DO AUXÍLIO EMERGENCIAL
Uma mobilização de mais de 270 entidades da sociedade civil, entre elas a Oxfam, a Coalizão Negra Por Direitos e a Uneafro, pede que o benefício público continue até o fim da crise sanitária.
A campanha Auxílio Até o Fim da Pandemia pretende recolher 500 mil assinaturas em um documento que deve ser entregue, ainda em fevereiro, para o novo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).
O documento diz que, em 2020, o auxílio conseguiu garantir não só a comida no prato de milhões de brasileiros, mas também milhões de vidas, permitindo que as pessoas ficassem seguras em casa.
“Agora, com o fim do benefício, quase 27 milhões de brasileiros seguem vivendo na linha de pobreza extrema no país, sem conseguir garantir o sustento de suas famílias”, pontua um dos trechos.
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As organizações lembram que, apesar da vacinação já ter começado no Brasil, pouco mais de 2 milhões de pessoas foram vacinadas. As perspectivas mais otimistas indicam que só no final do ano a imunização terá chegado à maioria da população.
“Nossa pressão conquistou o auxílio em 2020 e agora é hora de nos unirmos novamente para garantir condições das famílias brasileiras mais vulneráveis enfrentarem o coronavírus em 2021”, diz outro trecho da campanha.
Os ministérios da Economia e da Cidadania foram procurados pela reportagem, com questionamentos sobre o fim do benefício e previsões para os próximos meses, mas não houve resposta até o fechamento do texto.
Jornalista, educomunicador e correspondente de São Mateus desde 2017. Amante de histórias e de gente. Olhar sempre voltado para o horizonte, afinal, o sol nasce à leste.
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