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Bets chegam ao futebol de várzea e levantam debate sobre efeitos na comunidade

Mercado de apostas têm movimentado fãs do esporte, mas por outra torcida

Por: Carlos Pires

As casas de apostas que se tornaram uma presença marcante no futebol brasileiro, começam a expandir a influência para além dos grandes estádios. No futebol de várzea de São Paulo, as chamadas ‘bets’ já patrocinam várias ligas e algumas decisões contaram inclusive com opção para os torcedores apostarem no resultado.

A entrada nelas nesse campo vem com a promessa de investimentos financeiros que poderiam revitalizar campos e garantir uniformes, em torneios conhecidos pela forte ligação comunitária e por representar a essência do esporte amador. Ao mesmo tempo, levanta preocupações sobre quem é das periferias e têm comprometido a renda com esse tipo de jogo.

Uma das marcas mais presentes é a F12 Bet, que patrocina competições importantes como a Copa Negritude, Copa Macaco Louco, Real Sport, Copa do Busão, 9 de Julho e Piooner. A final da Copa Negritude, entre Arsenal e Pioneer, teve apostas nos aplicativos, segundo organizadores do torneio.

Copa Betpix365 Campo do Morgante na zona leste @Carlos Pires/Agência Mural

Além disso, a Bet365 já patrocinou a Copa da Paz, e a Esportes da Sorte é parceira da Copa Martins Neto. O Flamengo da Vila Maria tem patrocínio da Esportes da Sorte, o Raça Ruim da Vila Matilde já teve patrocínio da Vai de BET e o Jardim Veronia é patrocinado pela F12 Bet.

No futebol profissional, há uma discussão sobre o peso que as apostas têm causado tanto nas competições, quanto na saúde mental de jovens que entram no jogo. Na várzea, ainda estão nos primeiros passos.

Para muitos clubes e organizadores, essa injeção de recursos é vista como uma oportunidade de crescimento e profissionalização do esporte amador.

“As bets enxergaram que têm entrada aqui e estão começando a investir, abraçando as comunidades também. É um mercado gigante, que tem mais potencial do que é utilizado hoje”, afirma Isaque Queiroz, representante da F12.

“Os times e copas ainda não estão 100% organizados para receber mais investimento, mas isso pode mudar”, ressalta.

O futebol amador de São Paulo é um fenômeno no Brasil. A várzea paulistana atrai um público fiel, com comunidades inteiras abraçando os times locais. Em alguns bairros, a paixão pelo time do bairro chega a superar o interesse pelos clubes profissionais.

Bandeira do Botafogo de Guaianases @Carlos Pires/Agência Mural

Esse mercado já vinha movimentando grandes patrocínios, além da venda de camisas e outros produtos dos times. E isso foi visto pelas bets. “Vai se tornar uma prática natural”, diz Isaque.

“A gente vê já o exemplo hoje da Supercopa Pioneer, que pela organização e pelo investimento conseguiu atrair grandes marcas. Isso pode acontecer com outras copas também”.

Como as apostas funcionam na várzea?

Nos jogos de várzea, a presença das casas de apostas ainda se concentra principalmente nos patrocínios de competições, times e uniformes, mas há indícios de que as apostas em partidas específicas estão começando a ganhar espaço, embora de forma mais limitada em comparação ao futebol profissional.

Em alguns torneios, como as finais de copas importantes, já surgem apostas informais realizadas por torcedores locais.

Diego Oliveira, 37, responsável pela página Varzianos, que acompanha de perto o futebol de várzea, vê a presença das casas de apostas como uma grande oportunidade. “Devemos utilizar esse apoio financeiro como ferramenta para nos estruturar e expandir o esporte amador.”

Ele também enfatiza a necessidade de uma abordagem responsável.

‘Casa de aposta não é brincadeira, tem que ser sempre lembrado que é um jogo de azar e a comunidade tem que entender que a chance de acertar um placar ou acontecimento em jogos não é 100%’

Diego Oliveira, da página Varzianos

“Para quem se associar a casas de apostas, que tenha a responsabilidade de deixar isso claro: o usuário comum não fica rico com casas de apostas”

Mas a chegada das bets também tem causado questionamentos. Amaral, 50, presidente do time Jardim São Pedro, em Guaianases, expressa uma visão crítica sobre a atual distribuição dos recursos das casas de apostas.

“Até agora, não estou vendo benefícios para times como o São Pedro, que são menos favorecidos financeiramente. Vejo as casas de apostas expandindo seus nomes, mas não vejo vantagens concretas para clubes que estão em situações financeiras mais precárias”, afirma.

Os benefícios parecem estar mais direcionados para os times que já têm recursos e apoio’

Amaral, presidente do São Pedro

Essa avaliação é compartilhada por Nego Edson, 63, diretor do Botafogo de Guaianases, na zona leste de São Paulo. Ele defende que os patrocínios sejam individualizados e cheguem diretamente às equipes para ajudar com despesas de inscrição e participação em projetos sociais, em vez de focar apenas em patrocínios de copas.

“Com as mudanças nas leis no Brasil, pode haver uma reconfiguração na atuação dessas empresas, e não vejo isso com tanta seriedade para o futuro do futebol de várzea”, avalia o diretor.

De boné preto Kalil, diretor finaceiro do Jardim São Pedro aponta a integridade do esporte nas competições @Carlos Pires/Agência Mural

Kalil, 35, diretor financeiro do Jardim São Pedro, também faz um alerta: “Com o aditivo financeiro, trouxeram qualidade e melhoraram a organização e premiação das copas. Porém, em contrapartida, inflacionaram o investimento das equipes.”

Além disso, ele reflete sobre o impacto potencial na integridade do esporte e no comportamento dos jogadores. “Não podemos cravar algo que não tem provas, mas pode abrir espaço para [problemas], como já aconteceu recentemente no profissional. Os jogadores podem exigir dos times bonificações por performance caso as apostas na várzea sigam crescendo.”

‘A presença das casas de apostas pode aumentar ainda mais a pressão financeira, pois os jogadores vão exigir mais pagamento. Eles sabem que há uma casa de apostas envolvidas e isso complica a situação’

Edson, diretor do Botafogo de Guaianases

Zé Roberto, 63, dirigente do time Negritude da Cohab 1 e organizador da Copa Negritude, uma das maiores competições da várzea, vê as casas de apostas como uma ferramenta para melhorar as condições dos clubes.

Por outro lado, ele observa que, apesar de a presença das apostas já ser uma realidade, a integridade do esporte ainda é uma preocupação. “Se tiver certeza de que um jogador fez por má índole, a várzea vai banir ele de todos os jogos, pode ter certeza.”

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