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Rolê

Artista boliviana transforma vivências periféricas em canções sobre ancestralidade e fronteiras

Em meio a desafios e descobertas, Anva Gil lança músicas que celebram as raízes bolivianas e a experiência de viver em um país estrangeiro

 Anva Gil se apresentando na Biblioteca Viriato Corrêa, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo

Divulgação/@capitanaliara

Por: Karine Gomes

Notícia

Publicado em 27.05.2025 | 16:46 | Alterado em 10.06.2025 | 11:00

Tempo de leitura: 3 min(s)

Quando chegou ao Brasil em 2016, a imigrante boliviana Anva Gil, 28, trazia na bagagem um sonho: construir uma carreira na música. Dez anos depois, esse objetivo começa a ganhar forma com o lançamento do primeiro álbum, Florescer, uma obra que celebra as raízes bolivianas e dá voz às vivências e desafios enfrentados nas periferias da zona sul de São Paulo.

“Se eu pudesse resumir, diria: mesmo em um lugar diferente e sentindo-se deslocado, é possível se conectar consigo mesma, suas raízes e ancestralidade, encontrar afetos e florescer”, afirma.

Anva Gil usa ancestralidade para compor suas músicas @Divulgação/@mavi.audiovisual

Nascida em Santa Cruz de La Sierra, Anva Gil cresceu em Roboré, uma cidade do interior boliviano, onde os laços com as raízes ancestrais são profundos e vivos. A região é marcada pela presença da Floresta Seca Chiquitana, território da cultura chiquitana, um grupo de povos indígenas bolivianos e brasileiros que preservam práticas tradicionais, como medicina ancestral, dança, música e a conexão com a
natureza.

Essa conexão com a ancestralidade foi também alimentada dentro de casa, pelas cordas do violão do avô materno, Andrés Gil, músico regional independente que cantava sobre as tradições do povo.

“As memórias com meu avô materno são a minha grande inspiração e por isso está sempre presente nas minhas falas”, relembra Anva.

Anva Gil se apresentando na Biblioteca Municipal Paulo Duarte @Divulgação/@fotografia_suuhsilva

Da tríplice fronteira à capital paulistana

Anva chegou ao Brasil em 2016, após conquistar uma bolsa de estudos em música na Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), em Foz do Iguaçu, no Paraná, na tríplice fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai. A universidade tem como proposta fortalecer os laços entre os povos latino-americanos e criar oportunidades de trabalho em áreas estratégicas para o desenvolvimento humano.

Durante os estudos, ela descobriu que a cultura chiquitana foi apagada pela colonização, mas que rituais ancestrais resistem nas tradições católicas. A descoberta inspirou composições autorais, que conectam memórias do passado a temas como identidade, pertencimento e fronteiras, mesclando ritmos latino-americanos com influências contemporâneas.

Anva Gil e Elias Andrade, do Coletivo iOye! @Divulgação/@capitanaliara

Encontros nas periferias

Após concluir a graduação em 2020, Anva retornou a Roboré devido ao isolamento provocado pela pandemia de Covid-19. No ano seguinte, conheceu uma rede de artistas brasileiros e latino-americanos — Eriklys Domiciano, Erika Cassanti, Elias Andrade, Dayana Araújo, Jatobá e Steven Gaete — com quem se conectou.

O encontro resultou na criação do movimento cultural ¡Oye! Latinoamérica. A iniciativa motivou o retorno de Anva ao Brasil, desta vez a São Paulo, em busca de novos caminhos na cena musical.

Nas periferias da capital, a artista despertou uma compreensão mais profunda das desigualdades urbanas, como as diferenças de classe, as formas de perceber o mundo, a relação com o dinheiro e o acesso a oportunidades.

‘Aqui em São Paulo, as minhas relações estão ligadas às periferias do Grajaú, M’Boi Mirim e Capão Redondo’

Anva Gil, cantora

“São nesses territórios que meus amigos artistas moram, onde o coletivo ¡Oye! tem atuado, é onde tenho me movimentado”, diz.

Essas vivências despertaram nela um novo propósito: expandir o movimento cultural ¡Oye! Latinoamérica como uma forma de gerar oportunidades reais de trabalho para pessoas que, como ela — e como aquelas que a acolheram — vivem à margem do mercado cultural.

“Foi uma família periférica negra que me ajudou a reconstruir meu caminho no Brasil. Eles me deram lar, parcerias e afeto, e me ensinaram outra forma de ver o mundo. Quero que a Oye seja um espaço para que mais pessoas como nós floresçam e vivam da arte”, afirma.

Segundo dados da Prefeitura de São Paulo, a capital abriga hoje a maior comunidade boliviana fora da Bolívia, com estimativas que variam entre 250 mil e 350 mil imigrantes — grande parte residente nas zonas sul e central

Apesar dos desafios de viver como artista independente e imigrante, Anva vê no Brasil um território fértil para seu desenvolvimento profissional.

“Escolhi estar aqui porque tenho mais oportunidades do que no meu país. Apesar dos obstáculos, entendo que a vida é difícil para todos que não tem grandes recursos, e há quem enfrente realidades bem mais duras. Tento manter essa consciência.”

Bastidores do curta Florescer, protagonizado por Anva @Divulgação/@raices.curta

Florescendo com o cinema e a música

Anva segue explorando novos rumos a partir da própria história. Recentemente, protagonizou o curta-metragem Raíces, inspirado na trajetória dela como artista, mulher, imigrante e latino-americana no Brasil. Dirigido e roteirizado pela amiga Lune Pilipczuk, o filme é um projeto de TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) de estudantes de Cinema da FAAP.

Trechos do curta serão utilizados no videoclipe de Florescer, a primeira música autoral de Anva, composta em um momento de transição emocional. A faixa integra o primeiro EP de Anva, produzido por Elias Andrade, artista e cofundador do coletivo ¡Oye! Latinoamérica, parceiro na jornada criativa.

A canção marca o início de uma nova fase, guiada por temas como transformação, afeto e espiritualidade. O lançamento completo do projeto está previsto para 2026.

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Karine Gomes

Jornalista graduada pela Universidade Cruzeiro do Sul. Interessada na causa social e animal. Desde a infância esteve voltada para questões sociais, antes como beneficiária, hoje no campo de fala. Correspondente do Grajaú desde 2022.

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ERRAMOS

09.06.2025A reportagem sobre a artista boliviana Anva Gil passou por ajustes para refletir informações mais precisas. O lide foi alterado para destacar suas raízes bolivianas, e não indígenas, conforme a própria artista preferiu se identificar. A descrição da cultura chiquitana também foi corrigida, substituindo menções à caça, pesca e coleta por práticas como medicina ancestral, dança e conexão com a natureza. O ano de chegada de Anva ao Brasil foi atualizado de 2015 para 2016. Também foram corrigidos o crédito e a legenda da segunda foto no texto, agora atribuída a @fotografia_suuhsilva, com apresentação registrada na Biblioteca Municipal Paulo Duarte. Por fim, a imagem usada como bastidores do curta Raíces foi substituída, pois retratava o coletivo ¡Oye! e não os bastidores do filme, como está agora.

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