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Agência de Jornalismo das periferias

Léu Britto/Agência Mural

Por: Karine Ferreira

Notícia

Publicado em 05.12.2023 | 12:01 | Alterado em 05.12.2023 | 12:04

Tempo de leitura: 4 min(s)

Vitor Siqueira, 23, é morador de Mogi das Cruzes e dono da marca Crochê de Vilão. Ele trabalha com a arte do crochê há mais de cinco anos e consegue produzir um boné por dia. Atualmente, com a aprimoração do trabalho, desenvolve peças autorais que levam cinco dias para ficarem prontas.

“Antes de eu pegar a agulha, eu crio a arte gráfica, faço as contas para ter uma noção se o desenho está no tamanho certo do boné, se vai ficar centralizado, o que demanda mais tempo”, revela o artista da cidade da Grande São Paulo.

O dono do Crochê de Vilão ressalta que é uma peça que possui forte identidade. “A partir do momento que me encomendam um boné personalizado, a pessoa quer transmitir algo naquela arte, quer passar as referências dela, mostrar o que ela gosta”.

Vitor produzindo o boné de crochê, peça personalizada que faz sucesso nas quebradas @Léu Britto/Agência Mural

Os bonés carregam história e personalidade, já que na maioria das vezes são peças exclusivas, feitas sob encomenda. Alguns bonés de crochê só existirão na cabeça de uma pessoa.

O crochê é um estilo presente em vários lares das periferias de São Paulo. Trata-se de uma técnica que, na maioria das vezes, é passada de geração em geração dentro das casas.

Quando se fala em moda nas periferias há uma diversidade de estilos, mas há peças que resistem com o passar dos anos. Especialistas apontam que, no momento em que a classe média se apropria desses elementos, é comum utilizarem símbolos da moda periférica para generalizar algo que é, por natureza, diversificado.

“Foi assim com os óculos de sol, tipo a Juliet, e com as camisas de time, que são bem usados para mimetizar um estilo ou comportamento”, explica Renato Simões, 27, multiartista no Acervo de Relíquia e auxiliar administrativo, morador de Sapopemba, zona leste de São Paulo.

Peça produzida por Vitor Siqueira @Léu Britto/Agência Mural

O publicitário e stylist, Hakim Alafia, 21, conta que há algo especial na moda que sai das quebradas.

“Grandes designers fazem uma arte subliminar transparecer algo que só as pessoas do dia a dia vão entender, como se fosse um código de identificação de pessoas do mesmo grupo. Só uma pessoa de quebrada vai entender o que transmite o estilo da outra pessoa de quebrada”, comenta o morador de Lauzane Paulista, na zona norte.

Para o publicitário, assim como a burguesia se apropria de elementos que fazem parte da identidade periférica, a quebrada também deveria se apropriar mais de marcas de grife.

“Os bonés de crochê tem uma forte referência no funk e pode se considerar o estilo como o carro chefe da moda na periferia. Quando os artistas do funk citam marcas que nunca habitaram a quebrada, eles trazem isso para a quebrada, mas quando é a periferia que leva esses elementos, eles são automaticamente apropriados pela burguesia”, explica Hakim.

Vitor produz peças de crochê há mais de cinco anos @Léu Britto/Agência Mural

Vitor produz peças de crochê há mais de cinco anos @Léu Britto/Agência Mural

Vitor produz peças de crochê há mais de cinco anos @Léu Britto/Agência Mural

Vitor produz peças de crochê há mais de cinco anos @Léu Britto/Agência Mural

Vitor produz peças de crochê há mais de cinco anos @Léu Britto/Agência Mural

Renato explica que a moda periférica é muito importante porque é a base, é onde está a maioria dos trabalhadores, dos estudantes e a força de consumo.

“O crochê está nos looks da quebrada não somente nos bonés. Ele está em buckets, chapeuzinhos, bonés em formatos maiores, tem os porta bic, a Shark Crochê faz os cropped, essas peças podem ser o elemento mais importante do look”, conta o multiartista.

Contexto histórico

Por outro lado, o crochê também é uma terapia ocupacional utilizada dentro dos presídios, o que serviu como ponte para que bonés produzidos a mão fossem popularizados na década de 90.

Antigamente, só era possível adquirir os itens a partir do contato com alguém em situação de encarceramento. No início, isso influenciou para que os bonés de crochê fossem estereotipados, mas com o tempo o acessório acabou se tornando conhecido.

“Já passamos discriminação até da polícia. Na hora da abordagem querem rasgar o boné, querem cortar, falam que é apologia. Já outra parte da sociedade não gosta, não vê como arte”, comenta Vitor Siqueira.

“Estamos na missão de tentar ressignificar, levar para as exposições, para os desfiles, mostrar que faz parte da moda, do streetwear, que as peças estão na rua”

Vitor Siqueira, dono da Crochê de Vilão

Na perspectiva de Renato, apesar de no início os bonés de crochê terem sido associados ao sistema carcerário, a peça passou por ressignificações e hoje está mais ligada à cultura do funk e parte no rap.

“Eu vejo que fazer parte do grupo que transmite essa arte do boné de crochê só agrega para o meio da moda”, explica o artista.

Coletivo Artesanato Chave

O coletivo Artesanato Chave surgiu por meio de um grupo sobre bonés de crochê no Facebook. Aos poucos foram chegando novos artistas, até que o coletivo ficou formado por: Crochê de Vilão, de Vitor Siqueira, Arte do Magro, Sem Nome Ateliê, Rafael Crochê e Crochê 777.

Os artistas realizam projetos sociais e trabalham em aulas e oficinas para compartilhar o aprendizado com crianças e pessoas em vulnerabilidade social.

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Karine Ferreira

Jornalista cultural, publicitária e corinthiana. Fiel à fotografia e à música, nunca falta samba, rap ou funk no meu dia-a-dia. Correspondente do Jardim Helena desde 2023.

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