Daniel Santana/Agência Mural
Por: Daniel Santana
Notícia
Publicado em 30.01.2025 | 11:51 | Alterado em 30.01.2025 | 11:51
A concepção de um desfile de Carnaval é uma tarefa desafiadora, independentemente da divisão. Para as escolas dos grupos inferiores dos festejos de São Paulo, as dificuldades são ainda maiores. Sobreviver e lidar com a incerteza de continuar ou não é uma constante no dia a dia das agremiações.
Para José Antônio Junqueira, conhecido como Tonhão, 58, o que mobiliza a luta é o amor pelo samba. O popular Tonhão é um dos fundadores do Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Cacique do Parque, na zona sul de São Paulo, razão pela qual vem dedicando os últimos 13 anos.
“Sentir que o trabalho de uma escola de samba de bairro, como a nossa, dá certo e coloca um sorriso no rosto de um vizinho, um amigo, é o que nos move.”
Em 2024, com o enredo “O que que a Bahia tem? Vem, o Cacique vai te mostrar”, a Tribo do Samba conquistou o primeiro título da história, após somar 179,7 pontos na classificação e vencer o Grupo de Acesso 3 de Bairros da UESP (União das Escolas de Samba Paulistanas), assim subindo para a divisão 2.
Apesar da conquista recente, a paixão de Tonhão pelo Carnaval nasceu nos anos 1980 ao conhecer escolas e participar de blocos da região da zona sul. Segundo ele, mesmo com todas as dificuldades dos bairros, a batucada reunia os moradores para festejar.
Mais tarde, por meio do time de futebol União Favela Irmãos Madrugada, fundado em 2008, ele e outros integrantes criaram uma bateria de jovens que marcava presença em diversas escolas e blocos. Após uma apresentação do grupo no Bloco Boêmios da Vila, um garoto sugeriu a Tonhão que ele criasse uma escola de samba voltada para a população do bairro.
“A gente sai pra ajudar tantas pessoas, por que não construímos a nossa escola de samba?”. questionou o garoto. “Até que um dia, numa festa, anunciei a criação do Cacique do Parque.”
A agremiação fica localizada entre o Parque Santo Antônio e o Jardim São Luís, e em 13 anos acumula histórias para contar. A escola já desfilou na Estação da Luz, no Butantã, na Vila Esperança e já levou para a avenida grandes histórias, como a vida do poeta Sérgio Vaz.
Um dos autores do enredo campeão foi o carnavalesco Gerard Paes, 48, que também assina o Carnaval deste ano. Com o tema “Mata Minha Sede?”, a escola irá apresentar tudo o que move a humanidade na busca por realizar desejos.
O tema, segundo o idealizador, aborda sonhos e objetivos da vida: “No enredo, a gente vai explorar as coisas mais buscadas pelas pessoas: a fé, o conhecimento, o amor, o dinheiro. São elementos do cotidiano, mas sempre com uma perspectiva positiva.”
Com o samba enredo da Bahia, a agremiação se sagrou campeão do Grupo de Acesso III de Bairros em 2024 @UESP/Divulgação
Bateria Swing Diferente se apresentou na festa do Cacique com a madrinha e rainha da escola @Daniel Santana/Agência Mural
Adereços de cabeça de algumas alas já finalizados para o desfile @Daniel Santana/Agência Mural
Para o desfile deste ano, a escola contará com 12 alas, cada uma representando diferentes desejos, e aproximadamente 350 componentes. Todas as fantasias são gratuitas para os brincantes e, grande parte dos materiais usados na produção, são reutilizados de carnavais anteriores, como plumas, pedras, costeiros e outros adereços.
O Cacique do Parque será a 5ª agremiação a se apresentar na noite de sábado, dia 1° de março, na Rua Alvinópolis, bairro de Vila Esperança.
CARNAVAL DE BAIRROS
Atualmente há quatro divisões do Carnaval de Bairro, organizado pela UESP (União das Escolas de Sambas Paulista).
Há alguns anos, a escola sofreu um duro revés com a perda do Sacolão das Artes, espaço no Parque Santo Antônio onde eram feitas as fantasias e realizados os ensaios, que passou a ser administrado por uma nova gestora. Com união e ajuda de amigos e componentes, a escola conseguiu se reorganizar.
Atualmente, o Cacique conta com um espaço cedido pela Fábrica de Cultura do Jardim São Luís, que fica a cerca de dois minutos da antiga sede da escola.
“Nós achamos que a escola não iria conseguir desfilar mais. Mas não desistimos, pois sempre lembramos das pessoas do passado que nos ajudaram. Alguns amigos guardaram fantasias e esculturas em suas casas. E dentro das dificuldades, aprendemos a crescer”, destaca Tonhão.
Aline Perla, 35, também faz parte da concepção do desfile e da história do Cacique. Já fez de tudo na escola: chefe de barracão, aderecista, rainha da bateria, passista. Só não tocou na bateria, como ela mesma ressalta. “Gosto demais do Cacique. Tenho amor pela escola, pelo pavilhão. Diria que é um dos grandes prazeres da minha vida.”
Ela encara de peito aberto qualquer desafio pela agremiação: “Sempre que o pessoal precisa de alguma coisa, estou presente. ‘Perla, vai na 25 buscar um galão’, eu vou. ‘Precisamos alugar uma casa, vai atrás’, eu vou.”
Os guardiões do pavilhão, Arthur Martins, 15, e Naiomy Pires, 29, casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira da escola, entendem desde pequenos o que é o carnaval em suas vidas.
‘É uma responsabilidade muito grande. Mas a gente também faz pelo bel prazer. Somos crias do samba, a gente tem paixão por isso. E aqui conseguimos unir as duas coisas: O amor pela dança e pelo samba’
Naiomy, Porta- Bandeira
Ela é cria do Camisa Verde e Branco e participa do carnaval desde os quatro anos de idade. Já ele, também é do samba desde os quatro anos e saiu da comunidade da Imperador do Ipiranga.
Ambos são crias de comunidades engajadas no samba e já participaram de projetos conhecidos no mundo do Carnaval, como o Cisne do Amanhã e as atividades da AMESPBEESP (Associação de Mestres-Sala, Porta-Bandeiras e Porta-Estandarte de São Paulo), onde aprimoraram ainda mais o bailado.
Por conviverem desde sempre com essa realidade, eles ficam felizes em ver a evolução do Cacique, mas também lamentam que atualmente diversas escolas estejam tão distantes dos próprios territórios. Segundo Arthur, essa falta de alcance do povo prejudica a continuidade e sobrevivência das escolas de bairros.
“É doloroso saber que comunidades não estão tão envolvidas com as escolas de sambas. O Carnaval não é tão valorizado como antigamente. Muitas Escolas de samba acabam até perdendo as suas quadras”, comenta o jovem.
Para Naiomy, é necessário exaltar o esforço do Cacique, que consegue levar pessoas ao espaço, trazendo a comunidade para os eventos. Mesmo que aos poucos, já é algo fundamental.
Ela destaca que a valorização da escola de samba é importante, pois enxerga as instituições um instrumento de crescimento social, no qual diversos aprendizados e talentos saem das periferias para o Carnaval e para o mundo.
“A gente não aprende só samba. Tem a parte de alegoria, que gera empregos. A parte de harmonia com palestras para aprender sobre o quesito, tem o Departamento Jovem, tem muita coisa”.
Para o Cacique, unir a população periférica da região em prol do Carnaval motiva a escola a alçar voos ainda maiores. Afinal, ser escola de samba é estar em comunidade e coletividade.
“Você vê o seu vizinho sorrindo na avenida, vestindo a fantasia e falando: ‘Hoje, eu sou o rei, eu sou a folia’. É um grande prazer para todos nós da escola”, reflete Tonhão.
Rua Antônio Ramos Rosa, 651, Jardim São Luís:
Ensaios: aos sábados a tarde na Fábrica de Cultura – Jardim São Luís:
Desfile: 5ª Escola a desfilar no dia 1º de março na Rua Alvinópolis, Vila Esperança (Próximo a Estação Vila Matilde):
Jornalista, apaixonado por livros, samba e carnaval. Corintiano, vivo o futebol de domingo a domingo. Adoro contar histórias através do jornalismo.
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