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Arquivo Pessoal

Por: Gabrielly Souza

Notícia

Publicado em 23.05.2025 | 11:32 | Alterado em 23.05.2025 | 11:32

Tempo de leitura: 4 min(s)

No coração da Rua Jacutinga, um campo conhecido como Arena Jurema carrega uma trajetória de memórias e transformação em Guarulhos, na Grande São Paulo.

Foi nesse espaço que, por 30 anos, a bola rolou em campo de terra batida, enquanto as crianças empinavam pipas aos fins de semana. O local passou recentemente por uma revitalização que trouxe grama sintética e nova estrutura, entregue em março deste ano.

O primeiro registro oficial da arena na Prefeitura de Guarulhos data de 6 de agosto de 1992, com o decreto nº 17.296, que autorizava o uso do campo, pela Sociedade Amigos de Bairro do Parque Estela, Parque Jurema e Jardim Angélica.


Campo foi inaugurado nos anos 1990, quando Manoel começou. Hoje local tem grama sintética
@Arquivo Pessoal e Prefeitura de Guarulhos

Um dos que acompanhou de perto o surgimento do campo foi o tapeceiro Manoel Bomfim, 54 – que está na foto que abre esta reportagem. Ele veio da Bahia diretamente para Rua Jacutinga no início dos anos 1990, e lembra com saudade do tempo em que jogar futebol na terra era sinônimo de diversão — e de chuteiras cheias de barro em dias de chuva.

“Era divertido, a gente se jogava no chão, saía arranhado. Esses dias mesmo, em uma reunião com os amigos, rimos lembrando como era diferente naquela época”, conta. Hoje, ele ainda não voltou a jogar após a reforma, devido a problemas na coluna.

Com a nova estrutura, a arena passou a sediar a Copa Luis da Sede, torneio criado em homenagem a um vereador eleito da região. Realizado entre abril e junho, o campeonato reúne 38 times locais, divididos em grupos de A a I, com jogos todos os domingos a partir das 9h.

Jogador do Chuteira Preta @Fabrício Lemes/ Divulgação

Entre os destaques da competição está o time Chuteira Preta, fundado em 2019 por Kaio Henrique, 29, comerciante da região. A equipe surgiu de uma roda de amigos que queria manter o futebol como parte do cotidiano, mesmo sem grandes ambições.

Com o tempo, o projeto ganhou forma, estrutura e hoje conta com cerca de 4 mil seguidores nas redes sociais.

“Sempre sonhei em ser jogador, como todo menino. Mas, por falta de grana e oportunidade, o sonho ficou para trás. Em 2019, começamos com um rachão só pra não ficar parado, e acabou virando o Chuteira”, relembra Kaio.

Chuteira Preta é um dos times que manda jogos na Arena Jurema. Com inspiração em Romário, time defende ‘futebol raiz’ @Arquivo Pessoal

O nome do time é uma homenagem ao “futebol raiz”, marcado por craques que usavam chuteiras pretas, antes de virar moda o uso de adereços coloridos. “Era símbolo de jogo sério, sem firula. Às vezes, até um protesto contra a modernização exagerada do futebol”, explica.

Mesmo com duas pausas durante a pandemia de Covid-19 e um período de seis meses sem campo fixo, o Chuteira Preta resistiu.

Kaio Henrique, fundador do Chuteira Preta em campo @Fabrício Lemes/Divulgação

Hoje, além dos bons resultados em campo, a equipe se destaca pelo impacto na comunidade. Os patrocinadores não apenas colocam as marcas nas camisas, mas participam de ações sociais. “Apoiar o Chuteira é mais do que estampar o nome. Fizemos campanha de Páscoa, ajudamos o Jardim Helena nas enchentes. E o melhor: quase todos os parceiros são da quebrada”, destaca Kaio.

Durante as obras na Arena Jurema, o time dividiu os jogos entre o Parque Alvorada, em Guarulhos, e o Jardim Helena, na zona leste de São Paulo. Com a reinauguração do campo, retornaram ao lar e disputam agora a Copa Luis da Sede pela terceira vez.

A estrutura do clube também foi reforçada com a chegada de Carlos Henrique, o “Gordão”, 28, amigo de infância de Kaio e também comerciante local. Em 2024, ele passou a integrar a diretoria do time. “Sempre acompanhei o Chuteira. Quando o Kaio me chamou, entrei com tudo. É um projeto sério, com futuro”, afirma.

Dentro de campo, o volante Wesley Gomes, 29, eleva o nível técnico da equipe. Pastor e ex-jogador profissional, ele tem passagens por clubes como Matonense, Audax, Atlético de Mogi, Jacareí, Corinthians e Santos. Hoje, vê na várzea uma forma de manter viva sua relação com o esporte.

Wesley, no vestuário do Corinthians, quando era jogador do time @Arquivo pessoal/Divulgação

Da ribanceira à arquibancada

Para muitos, a Arena Jurema é símbolo de identidade local. Bruno Rodrigues, 35, cresceu jogando no antigo campo de terra. Ele se recorda das tardes chuvosas em que ninguém cogitava desistir, mesmo com o campo alagado. “Era só lama. Mas a gente jogava do mesmo jeito”, lembra com orgulho.

Atualmente afastado por lesão, acompanha os jogos ao lado dos filhos, Phelipe Gabriel, 11, e Davi Lucca, 8. “Venho com eles pelo menos três vezes por semana. É o nosso momento juntos. O Phelipe sonha em jogar no Corinthians e quer uma copinha só pras crianças aqui também”.

Bruno Henrique com os filhos à esquerda e à direita, e o sobrinho ao lado na entrada do campo @Arquivo pessoal/Divulgação

Outro frequentador assíduo é o pequeno Thiago Mascarenhas, 10, que vai ao campo com os primos. Ele se recorda do tempo em que as bolas caíam no córrego ao lado e todos corriam para resgatá-las. “A gente assistia aos jogos numa ribanceira de terra”, compara, agora diante de uma Arena com arquibancadas e alambrado.

Mesmo após a reforma, os jogadores ainda enfrentam desafios quando a garoa e a chuva aparecem. A grama escorrega, assim como o barro — e os tombos são inevitáveis. Ainda assim, ninguém larga a bola. A galera segue firme, driblando e mantendo o jogo vivo até o apito final.

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Gabrielly Souza

Jornalista. Com um pé imerso na cana-de-açúcar do Pernambuco. Defensora da arte e cultura nas periferias.

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