Era outubro de 2021, Amaro*, então com 11 anos, e suas irmãs Olívia*, 11, e Nina*, 12, foram levados para um abrigo conveniado à prefeitura de Diadema, na Grande São Paulo. A ação foi resultado de uma intervenção do Conselho Tutelar e do CREAS (Centro de Referência de Assistência Social), que alegou negligência familiar.
No abrigo, ligado ao Saica (Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes), as crianças começaram a apresentar comportamentos descritos por profissionais como “agressivos” e “sem limites”. Diante dessa situação, foram encaminhadas para tratamento no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) Infantojuvenil.
Mesmo após acompanhamento médico, fontes relataram à Agência Mural que Amaro não apresentou melhorias significativas. O abrigo então solicitou a internação psiquiátrica integral do menino.
Os abrigos são locais que acolhem e garantem proteção para crianças e adolescentes em situação de risco ou abandono.
Para evitar que ele fosse enviado para um hospital psiquiátrico fora de Diadema, já que outro município não possui esse serviço, profissionais do CAPS Infantojuvenil improvisaram um leito, mesmo sem a pretensão de internação noturna.
A ideia era mantê-lo perto da família e da escola. Amaro, porém, permaneceu um ano e quatro meses internado nesse leito improvisado, sem um diagnóstico fechado
Em setembro de 2022, dois meses depois da sua internação, o Ministério Público autorizou a internação de Olívia, irmã gêmea do menino, a pedido do abrigo onde ela vivia. Em agosto de 2023, Nina, a irmã mais velha, também foi internada após decisão judicia. lAmbas apresentavam os mesmos comportamentos agressivos do irmão.
Segundo o Censo 2022, cerca de 40% da população de Diadema é composta por crianças e adolescentes entre 0 e 19 anos. No entanto, o município conta apenas com um CAPS II Infantojuvenil 24 horas e não possui CAPS III nessa modalidade.
A Agência Mural teve acesso a um dos pedidos de internação, com descrição do quadro clínico, assinado por psicólogos, assistentes sociais e coordenadoras do Saica. Os sintomas não serão descritos para evitar estigmatização das crianças.
Quem são as crianças
Linha do tempo
A rotina da internação
Café, almoço e jantar distribuídos para os hospitais públicos de Diadema eram os mesmos entregues para Amaro e suas irmãs, sem qualquer autonomia ou adaptação do cardápio. O banho era no banheiro comum dos pacientes do CAPs, sempre antes de iniciarem os atendimentos, como levantou a Mural.
Ida a escola e eventuais brincadeiras eram acompanhadas de profissionais do CAPS, revezando uma escala de plantões especiais para que sempre houvesse um responsável técnico na função de zelar pelas crianças.
Fontes ouvidas pela Mural, que não foram identificadas por motivos de segurança, afirmaram que para além das consultas com horário marcado, as crianças realizavam atividades que não configuram um tratamento de saúde mental infantil. Em geral, ficavam na garagem dos fundos da casa onde funciona o CAPS, sem possibilidade de circular pelo espaço com liberdade e sempre acompanhado de um profissional.
Confira o especial completo:
O CAPS virou casa
O que a história de crianças internadas por meses conta sobre saúde mental nas periferias?
No final de 2023, a Secretaria de Saúde chegou a determinar o retorno das crianças ao abrigo. Porém, em março de 2024, um novo pedido de internação para Amaro foi feito pela instituição.
Desta vez, o CAPS Infantojuvenil se negou a receber o menino para internação. Assim, ele foi encaminhado para o CAPS Adulto III de Diadema e passou a dormir em um quarto separado dos demais pacientes e sob supervisão de técnicos escalados do CAPS Infantojuvenil para plantão noturno.
Profissionais de saúde mental ouvidos pela Mural julgaram a situação inadequada e reforçaram que a criança pode ficar sujeita a diversos tipos de violência.
Pressão da imprensa
Após três meses de contatos da Agência Mural e dos muitos contatos realizados com os órgãos envolvidos, Amaro foi internado em um leito psiquiátrico do Hospital Municipal Geral de Diadema, e permaneceu nele por cerca de um mês, aguardando avaliação.
Em agosto de 2024, após intensos questionamentos da equipe de reportagem, ele foi reconduzido ao abrigo, e retomou as aulas.
Uma audiência entre a família dos irmãos e a Vara da Infância de Diadema, com assunto sigiloso, foi adiantada de outubro para agosto. O processo corre em segredo de justiça, seguindo o previsto no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).
As secretarias da Saúde e Assistência Social de Diadema foram procuradas, mas não se pronunciaram sobre o caso, assim como o Saica e o Ministério Público. A família optou por não falar.