Por: Paulo Talarico
Publicado em 26.03.2019 | 10:37 | Alterado em 26.03.2019 | 11:30
Como duas cidades vizinhas, que fazem aniversário nesta terça-feira (26), se tornaram os municípios com maior desigualdade em orçamentos da Grande São Paulo
Tempo de leitura: 4 min(s)Nos anos 1990, era comum para quem andava de carro pela região oeste da Grande São Paulo fazer uma comparação das ruas quando trocava de cidade. “Só chegar em Barueri, melhora”, dizia o motorista, quando acabavam os buracos assim que deixava Carapicuíba.
Passadas algumas décadas, a situação é semelhante, fruto do processo histórico de formação de cada um desses municípios que fazem aniversário nesta terça-feira (26).
Vizinhas e interligadas por avenidas e rodovias, pela linha 8-diamante da CPTM e pelo rio Tietê, Barueri e Carapicuíba têm origens próximas e já foram o mesmo município. As semelhanças, contudo, esbarram num ponto chave: a desigualdade no dinheiro que cada uma tem disponível para garantir os serviços públicos.
Barueri é a cidade que tem mais recursos para investir por habitante em toda a Grande São Paulo. Em 2017, arrecadou o equivalente a R$ 9 mil para cada um dos 265 mil habitantes, o que se repetiu em 2018. Ao todo, foram R$ 2,5 bilhões disponíveis para manter os serviços, pagar funcionários e investir em obras.
Para se ter ideia, a capital paulista teve o equivalente a R$ 4 mil por morador. Na região metropolitana, São Caetano do Sul foi a que chegou mais perto dos baruerienses – R$ 7 mil.
Os dados são do Tribunal de Contas do Estado e foram levantados pela Agência Mural. A última posição das 39 cidades da Grande São Paulo é justamente de Carapicuíba. Com quase 400 mil moradores, o município arrecada R$ 1,1 mil para cada um dos carapicuibanos (foram R$ 444 mil ano passado).
O cenário faz a prefeitura ser mais dependente do apoio dos governos federal e estadual para os avanços do município, enquanto Barueri tem mais autonomia, até por ter menos habitantes e mais território. Atualmente, Carapicuíba tem densidade demográfica de 11 habitantes por km², enquanto Barueri possui 4 para cada quilômetro.
As diferenças, contudo, podem estar relacionadas a formação destes dois municípios da ponta oeste da Grande São Paulo.
HISTÓRIA
Ambas com origem desde os primeiros anos do período colonial, Barueri e Carapicuíba se tornaram municípios apenas no século 20, quando a região metropolitana se fragmentou em 39 cidades.
Os primeiros registros sobre Barueri datam de 1560, quando José de Anchieta, fundador de São Paulo, criou um aldeamento perto do rio Tietê na confluência com o rio Barueri. Foi por ali também que o padre fundou a aldeia de Carapicuíba. Esses tipos de aldeamento eram utilizados pelos jesuítas na tentativa de catequizar e controlar os indígenas que viviam nas matas da região.
No século 19, a chegada da linha do trem sorocabana que ia até Itu – construída para ajudar nos escoamento do café do oeste paulista – aumentou o movimento dessa rota. Até ali, Barueri pertencia a Santana de Parnaíba, fundada em 1625 e a primeira a ser elevada a vila – local onde os bandeirantes faziam parada antes de partirem para o interior.
Mais próximos da linha do trem e com estação própria, os baruerienses se emanciparam em 1948.
Já os carapicuibanos tiveram uma história mais complexa. A região pertenceu a Cotia até 1948, quando Carapicuíba se tornou um distrito e foi incorporado a Barueri. Ainda assim manteve terrenos que pertenciam a capital paulista, onde foi implantada a Cohab (Conjunto Habitacional).
Em 1964, eles decidiram se emancipar de Barueri. A ruptura fazia sentido. A região de Carapicuíba tinha mais habitantes e já emplacava os prefeitos da época, além da maioria da câmara de vereadores. Acreditavam que a autonomia ajudaria no desenvolvimento da região.
A década de 1970 foi decisiva para as duas novas cidades. De um lado, Carapicuíba teve a construção de diversas unidades de moradia popular via a Cohab. Foram 13,5 mil apartamentos em uma área de 2,5 milhões de metros quadrados. Outros serviços não acompanharam essa alta populacional.
“Os técnicos tinham plena clareza do papel ocupado pelo conjunto na região: funcionar como cidade dormitório, sendo que sua população deveria suprir a demanda de mão-de-obra dos municípios de São Paulo e, sobretudo, Osasco, cuja industrialização ocorre a partir dos anos 50 e atinge o ápice nos anos 70 e 80”, afirma Leandro Antonio de Almeida no estudo “A Cohab de Carapicuíba, sua implantação e mudanças”.
Do outro lado, Barueri viveu um direcionamento diferente para as áreas que tinha. Começava na mesma década o surgimento de Alphaville, na região onde havia a fazenda Tamboré. A ideia era criar um centro industrial que viria a ser também conhecido pelos residenciais fechados. A região também teve a construção da rodovia Castello Branco que cortou a cidade.
Da arrecadação do imposto dessas empresas que chegaram é que a prefeitura de Barueri consegue a grande vantagem – em 2017, o município arrecadou R$ 1 bilhão apenas com ISS (Imposto Sobre Serviços). Só essa taxa é mais que o dobro do recebido por Carapicuíba em todas suas fontes.
Apesar da clara diferença, é comum reclamações vindas dos gestores baruerienses sobre o fato de que moradores de toda a região buscarem os serviços locais. No ano passado, o prefeito Rubens Furlan (PSDB) criticou as cidades vizinhas após a saída dos médicos cubanos, motivada pelo fim do programa Mais Médicos. Ameaçou fechar as portas da saúde, porque não daria conta da demanda. Posteriormente, ele negou a iniciativa.
Quando se dividiram, Barueri e Carapicuíba tinham quase a mesma população, com leve vantagem para Caracas, como também é chamada carinhosamente. Nos últimos 50 anos, a população da primeira subiu 18 vezes, enquanto na segunda há 26 vezes mais habitantes.
Essa realidade cria um sentimento de coletividade em Carapicuíba. “A melhor parte [de viver aqui] são as pessoas e a sensação que eu tenho de nunca estar sozinha por lá. Parece que todo mundo entende? Eu posso nunca ter falado com meus vizinhos direito, mas quando eu me mudei, eles ajudaram sem eu ter que pedir”, relembra a jornalista Ana Beatriz Felicio, moradora da Cohab 5.
“Meio que a gente tem que se ajudar mesmo”. Ao mesmo tempo compartilha do sentimento de descaso. “Eu brinco com a minha mãe que Carapicuiba parece Macondo, de “Cem Anos de Solidão” [de Gabriel Garcia Marques]. Parece que ao mesmo tempo foi muito normatizado que as coisas são ruins e vai ser assim pra sempre, tanto pelo poder público quanto pelos próprios moradores. A gente cresceu com isso”.
Paulo Talarico é correspondente de Osasco
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Diretor de Treinamento e Dados e cofundador, faz parte da Agência Mural desde 2011. É também formado em História pela USP, tem pós-graduação em jornalismo esportivo e curso técnico em locução para rádio e TV.
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