Renan Omura/Agência Mural
Por: Renan Omura
Notícia
Publicado em 29.11.2024 | 9:06 | Alterado em 29.11.2024 | 10:16
Ao lado de uma encruzilhada, em uma casa histórica com mais de 200 anos — que um dia também foi posto de gasolina — o artesão Leandro da Silva Pereira, vulgo Leandro Legalizado, 37, ergueu o Ateliê Casa das Mandalas. É ali, em meio à Mata Atlântica, no distrito de Quatinga, a 40 km do centro de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, que ele mora desde 2017.
Leandro confecciona filtros dos sonhos, pulseiras, colares e brincos de pedras exóticas e vende para os visitantes do local. Em cada peça, o artesão revela histórias de resistência e arte, transformando o ateliê em um ponto de encontro entre o antigo e o novo, o tradicional e o místico.
“É nessa casa com mais de dois séculos de história que eu moro e tiro meu sustento”, conta Leandro, que vê o espaço como um “refúgio místico”.
‘A matéria-prima para criar meus artesanatos vem daqui também. Eu mesmo colho o bambu e o sisal’
O Ateliê Casa das Mandalas está situado na rota turística Caminho do Sal, que liga Mogi das Cruzes ao distrito de Paranapiacaba, em Santo André. Para se deslocar até os centros comerciais, Leandro utiliza uma moto, com a qual enfrenta as estradas de terra que cortam a densa mata.
“Não me sinto isolado. Pelo contrário, essa distância é um convite para as pessoas virem até aqui e conhecerem meu trabalho. Cada pessoa que chega aqui traz consigo uma nova história, uma nova perspectiva, e isso enriquece ainda mais o meu trabalho”, explica.
Além de vender artesanatos, Leandro também oferece o espaço da Casa das Mandalas para camping, atraindo visitantes em busca de uma experiência única em meio à natureza. O local, cercado pela exuberância da floresta, proporciona momentos de tranquilidade e conexão com o meio ambiente.
Leandro conta que a casa onde mora atualmente foi um dos primeiros postos de gasolina de estrada do Brasil. A construção exibe elementos arquitetônicos característicos do início do século 20, como pilares largos e altos.
Apesar do passar dos anos, o artesão tem se dedicado a preservar a autenticidade do imóvel, incorporando toques de arte para realçar o charme histórico do local.
“Meu quarto, antigamente, era um galpão onde se guardavam óleos e ferramentas”, conta Leandro, enquanto aponta para o teto de madeira peroba, uma das espécies nativas da região e símbolo da construção original.
Com o passar dos anos o antigo posto perdeu a função original. Estradas mais rápidas e eficientes desviaram o fluxo de viajantes, deixando o imóvel, aos poucos, esquecido pelo tempo.
Além disso, no século 17, durante a colonização pela coroa portuguesa, a rota conhecida como Caminho do Sal, era utilizada por tropeiros que transportavam sal para abastecer a região.
A rota também era usada para o tráfico clandestino de pedras preciosas, o que resultou em um bloqueio pelo rei na época.
“A casa passou por várias fases, até ficar praticamente abandonada. Quando eu a encontrei, sabia que precisava trazer de volta sua essência”, conta Leandro.
Hoje, a rota Caminho do Sal atrai uma variedade de visitantes, incluindo praticantes de mountain bike, motocross, trail runners e amantes da natureza em geral.
Antes de morar no ateliê, Leandro vivia na periferia de Interlagos, em São Paulo. Contudo, após um desentendimento com a mãe e movido pela vontade de conquistar a independência, decidiu sair de casa e encontrar um novo lar.
Com a cara e a coragem, Leandro arrumou uma pequena mochila, levando apenas o essencial, e partiu sem um destino certo. Naquele dia, ele seguiu até um camping no Caminho do Sal, mas acabou optando por dormir em uma casa que, até então, estava abandonada.
A conexão foi instantânea. Apesar do estado de abandono em que o imóvel se encontrava, Leandro enxergou potencial.
“As paredes descascadas e o teto desgastado não me assustaram. Sabia que podia encontrar o meu lar naquele lugar. Senti algo me puxar para essa casa”, conta.
Sem eletricidade e sem um fogão, Leandro improvisava as refeições na fogueira. “Trouxe alguns mantimentos e toda manhã acendia um fogo para fazer meu café”.
Para garantir o sustento, ele começou a cultivar legumes no terreno ao redor da casa. Paralelamente, ele também trabalhou por um período em um camping próximo ao ateliê, o que ajudou a custear outras necessidades básicas enquanto estruturava sua nova vida.
Preocupada com o filho, logo que Leandro saiu de casa, a diarista e copeira Mesileni da Silva, 54, foi à procura dele, porém apenas uma amiga do artesão conhecia o paradeiro. Assim que soube, a mãe foi até a casa onde ele estava abrigado.
“Peguei um ônibus às 4 horas da manhã até Paranapiacaba e caminhei todo o trajeto. Cheguei aqui por volta das 11 horas, trazendo alguns mantimentos para ele”, afirma Mesileni.
Ao chegar no local, Mesileni relata que se deparou com uma casa sem portas e uma barraca onde Leandro estava dormindo.
Apesar de terem feito as pazes imediatamente, Leandro optou por continuar no local. “Eu como mãe, respeitei a decisão dele. Voltei para casa e chorei, mas acatei a decisão do meu filho”, relata;
Uma semana depois, Mesileni retornou com os familiares, tentando convencer Leandro a voltar para casa. No entanto, sem sucesso, ela respeitou a decisão do filho e passou a visitá-lo com frequência, levando mantimentos até o local.
Com o tempo, Leandro se adaptou à nova rotina, dedicando-se à produção de artesanatos que vendia aos turistas da região. Hoje, ele afirma estar realizado com sua escolha e não pensa em deixar o local. “Me encontrei nesse lugar”, relata.
Mesileni passou a apreciar a tranquilidade da região e, junto com Leandro, decidiu adquirir a propriedade. Agora, ela aguarda a aposentadoria para se mudar em definitivo para o ateliê Casa das Mandalas.
“Essa paz que encontramos aqui é algo que não tem preço! Aqui, desfrutamos de uma qualidade de vida que é difícil encontrar em outros lugares”, afirma Mesileni.
Jornalista. É fotógrafo por hobby (as vezes por trabalho), é amante dos dias frios e nunca dispensa um café. Correspondente de Suzano desde 2019.
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