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Casa Neon Cunha resiste aos desafios para atender comunidade LGBTQIA+no ABC

Fundada em 2018, Casa Neon Cunha já chegou a atender em média 200 pessoas por mês em 2023

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João Bertolini/Divulgação

Por: Gabriel Negri

Notícia

Publicado em 19.07.2024 | 11:14 | Alterado em 19.07.2024 | 12:23

Tempo de leitura: 4 min(s)

Considerada uma referência no apoio a pessoas LGBTQIA+ que passaram por violências, a Casa Neon Cunha tem enfrentado dificuldades para conseguir manter o trabalho em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. A iniciativa criada em 2018 tem buscado formas de sobreviver.

“No momento, a Casa Neon está apenas realizando o atendimento diurno, de forma reduzida, três vezes por semana, e só continuamos realizando o trabalho por esforço próprio da nossa equipe”, conta Paulo Araújo, 34, criador do local.

Quando estava em pleno funcionamento, eram atendidas até 200 pessoas por mês, o que não tem sido possível com o serviço reduzido. Uma das alternativas foi buscar doações, e o espaço conta com uma página de financiamento coletivo.

Araújo conta que a Casa Neon Cunha aguarda o segundo semestre do ano para ter acesso a um aporte financeiro de uma emenda federal. De acordo com ele, a deputada federal Erika Hilton (PSOL) destinou R$ 1,4 milhão para a continuidade dos atendimentos no município, porém ainda sem uma data definida.

Paulo Araújo, gestor da Casa Neon Cunha e idealizador do projeto @Divulgação

O espaço físico nasceu de fato em 5 de dezembro de 2021, na rua Luiz Ferreira da Silva, no Bairro Anchieta. Entre os serviços realizados pela equipe, estão inclusos acompanhamento psicossocial, orientação jurídica, alimentação, uso do banheiro para higienização e espaço para ficar durante o dia.

Antes de ter uma sede, atividades de entrega de marmitas e cestas básicas para os públicos vulnerabilizados já eram realizadas.

Joyce Bezerra, 49, é uma mulher trans atendida pelo projeto. Vinda da cidade ao lado, Santo André, após ser vítima de violência doméstica pelo ex-companheiro, ela diz que chegar à casa foi como encontrar um “porto seguro”, pois, segundo ela, o ABC, especialmente São Bernardo, é um lugar muito intolerante.

“Cheguei na casa em fevereiro de 2023, e o tratamento foi incrível. Os cursos que foram prestados, a ajuda terapêutica, o serviço de servir o café da manhã, almoço”, diz. Ela já contou com ajuda jurídica do abrigo após ter sofrido transfobia em um posto de gasolina.

A casa atendia o público LBGTQIA+ diariamente, com a falta de recursos reduziu para três vezes por semana no período diurno @ João Bertolini/ Divulgação

Para Joyce, faltam políticas públicas para a comunidade LGBTQIA+. “O que salva são mais as pessoas, né. Porque dependendo da cidade ela esmaga você feito piolho na unha”, comentou, citando que as pessoas trans têm ainda menos acesso.

“Não que eu esteja puxando a sardinha para nós (pessoas trans) mas é por que nós passamos mais desprezo, violência e mais risco de vida. Também não há nenhum tipo de cota específica para trans em cargos públicos e coisas do tipo”, conta.

O início

O projeto foi idealizado há seis anos por Paulo Araújo, 34, natural de São Luís do Maranhão, contador por formação, e atualmente o principal gestor do espaço.

Ao chegar em São Bernardo do Campo, o maranhense percebeu não apenas a escassez de políticas públicas voltadas ao público LGBTQIA+, mas também a grande vulnerabilidade social na qual muitas pessoas acabavam sendo reféns. “Conheci pessoas da cidade que estavam no ativismo LGBTQIA+ a algum tempo e decidimos criar um projeto”, relembra Paulo.

‘Apesar das cidades vizinhas realizarem eventos culturais voltados à população, nós tínhamos outra demanda aqui, que era algo mais social voltado ao acolhimento focado nos direitos’

Paulo Araújo, fundador da Casa Neon Cunha

Antes de ter uma sede, os organizadores entregavam marmitas e cestas básicas às pessoas em situação de vulnerabilidade @João Bertolini/Divulgação

A principal questão era como realizar o atendimento e abrigamento especializado, pois de acordo com Araújo, geralmente quando uma pessoa é obrigada a sair de casa e não tem amigos ou outros parentes que possam amparar, acaba indo para um abrigo público, que pode replicar ou ampliar a violência já sofrida antes.

Com isso, surgiu a ideia da criação de uma casa “que ao mesmo tempo ia promover acolhimento, mas também assessoramento, como acesso a atendimento psicológico, orientação jurídica e tudo mais,” explica Paulo.

O projeto nasceu em 2018, mas só tomou corpo em 2019, quando a organização conseguiu cumprir as exigências legais para prestar atendimento. Por conta da pandemia de Covid-19, o processo para encontrar um espaço físico foi adiado.

Em maio de 2021, a busca por um espaço foi retomada, mas o esforço só teve resultado no fim do ano, em dezembro. “Tivemos praticamente oito meses de não na cara. Para você ter uma ideia, íamos até as pessoas com cerca de 24 meses de aluguel adiantado e recebíamos as mais diversas desculpas”, desabafa o gestor.

O projeto nasceu em 2018 e se firmou como organização no ano seguinte @João Bertolini/Divulgação

Mulheres trans aprendem o curso de corte e costura @Divulgação

Oferece também curso de culinária @Divulgação

A Prefeitura de São Bernardo do Campo foi questionada pela Agência Mural sobre a falta de verba pública para o projeto. Em nota, afirmou, por meio da Secretaria de Assistência Social, que a entidade Casa Neon Cunha está inscrita no Conselho Municipal de Assistência Social para o serviço de assessoramento, defesa e garantia de direitos destinados ao público LGBTQIA+. Informa também que não há parceria formal no momento, porque a Casa não participou de edital de chamamento.

Quanto a isso, a Casa Neon Cunha afirma que não encontrou editais que fossem voltados ao atendimento da população LGBTQIA+. Caso fizesse parte de edital, não há uma tipificação que garanta que o local possa continuar atendendo apenas a comunidade, que é a missão do projeto.

Neon Cunha, a ativista por trás do nome

O nome escolhido para batizar a casa faz jus aos objetivos na defesa da comunidade. Neon Cunha, 54, que cedeu o nome ao local, se declara como uma ativista independente, e é uma das maiores referências nas lutas da comunidade LGBTQIA+.

Em 2016, ela arriscou a vida para que o processo de alteração de nome e gênero para a população trans fosse menos burocrático, entrando com um pedido de morte assistida caso sua identidade e gênero não fosse legalmente reconhecida.

Atualmente, ela não está envolvida diretamente com a administração do abrigo, mas ao ser perguntada como se sente ao ver o próprio nome como sinônimo de esperança ao lugar, Neon diz que não é ela que inspira, mas a nova geração que a inspira.

“O desafio daqui para frente é garantir a ela tudo o que eu não tive. O que me trouxe até aqui é minha utopia, e ela é bem plausível: existir. Não pude mudar meu nome, mas a nova geração decide quem ela é”, completa.

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Gabriel Negri

Jornalista, projeto de aventureiro, aspirante a escritor e aficionado por história. Correspondente de São Bernardo do Campo desde 2023.

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