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Agência de Jornalismo das periferias

Por: Mariana Lima

Notícia

Publicado em 08.11.2023 | 11:44 | Alterado em 08.11.2023 | 11:44

Tempo de leitura: 3 min(s)

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Fabíola (Fabí) Andrade, 34, nunca esqueceu a sensação de andar de bicicleta pela Avenida Noel Nutels, no bairro Vargem Grande, em Parelheiros, extremo sul da capital paulista. A avenida que leva até a penitenciária Joaquim Fonseca Lopes foi por muito tempo a única rua asfaltada da região.

“Isso criou uma contradição na minha cabeça: a rua onde eu sentia liberdade, era a rua que encarcera corpos periféricos como o meu”, explica Fabí.

A contradição se transformou no curta-metragem “25 anos sem asfalto”, de 2021, dirigido e roteirizado pela cineasta e produtora da Fuê Filmes, que morou por 14 anos em Vargem Grande.

“Eu saí para estudar, mas ainda sou desse território. Vê o asfalto se transformando em barro quando ia visitar meus pais me fez querer contar essa história”, relembra a cineasta, que hoje vive no bairro Ipiranga, na zona sul de São Paulo.

Imagem captada por drone mostrando a visão aérea das ruas do bairro Vargem Grande, em Parelheiros @Roberta Perônico / Fuê Filmes

O curta-metragem foca na relação de Rose com seu filho Pedro. Após um acontecimento inesperado, ela acaba se aproximando do cotidiano de aventuras do filho nas ruas de terra do bairro Vargem Grande.

“Eu queria fazer um filme sobre e para a minha comunidade, que se identificassem com ela”, disse Fabí.

Mas antes, era necessário fazer uma imersão. Ela havia deixado o Vargem Grande, mas muitas mulheres, como sua mãe e irmã, ficaram. Entrevistas com as moradoras ajudaram a compor a narrativa das personagens do curta. Das entrevistadas, quatro atuaram no filme nos papéis principais.

“O ‘25’ nunca foi um filme só meu. Ele não existiria sem a comunidade. Quando a gente exibe o filme e as pessoas se reconhecem ali, naquela história, isso tem um significado. É do território”, pontua.

Para Fabí, incluir a comunidade na produção é essencial para que a história não reproduza estereótipos e que a diversidade local seja contemplada.

Fabí Andrade (dir) durante as gravações do “25 anos sem Asfalto” @Roberta Perônico / Fuê Filmes

“Quando a periferia é resumida pela violência, se esvazia toda a vida dela. Quem vive ali consegue ver coisas que quem é de fora nunca vai conseguir ver”, defende.

O que começou com um projeto de TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) da Academia Internacional de Cinema só se concretizou devido a verba do edital Histórias de Bairros de São Paulo, da Spcine – empresa de cinema e audiovisual de São Paulo -, em 2018.

“Brinco que fizemos um curta de R$200 mil com R$50 mil. Quando você recebe parece muito, mas é quase nada para cumprir todas as etapas de produção, execução, pós-produção e lançamento”, esclarece.

Para ela, o cinema independente e periférico é feito hoje no modo “guerrilha”, uma vez que os cineastas das bordas precisam manter outros trabalhos ou arcar com algumas despesas para conseguir dar conta de todo o processo.

Bastidores da gravação do curta “25 anos sem Asfalto” @Roberta Perônico / Fuê Filmes

“A gente não consegue parar outros trabalhos para ficar fazendo um filme. Ser artista não é uma condição para a classe trabalhadora”, reforça.

Enxergando o cinema como uma ferramenta democrática, Fabí considera suas produções como meios de militância política e de reflexão sobre o direito à cidade.

“Não deveria ser necessário sair de Parelheiros para ter acesso a uma sala de cinema. Deveríamos ter aqui, espaços de estudo e produção acessíveis para a comunidade”

Para ela, além de produzir, é importante que os artistas locais deem retornos para a própria comunidade. Fabí chegou a ministrar uma oficina de roteiro para adolescentes participantes de um coletivo na região.

“Eu nunca tinha visto um filme sobre meu bairro até fazer. Tem uma galera chegando, querendo produzir, e eles só precisam que a porta esteja aberta”, aponta.

O “25 anos sem Asfalto” foi premiado no Festival de Cinema de Caruaru e no Kinolab Tela Digital. Além disso, Fabí recebeu o Prêmio da Doc Society, do Reino Unido, de reconhecimento como Documentarista de Impacto e a produção foi contemplada com o Prêmio Aldir Blanc para curta-metragem.

Todo o reconhecimento acompanhou a chegada do asfalto nas vias públicas do bairro a partir de 2020, após a finalização das gravações do curta.

“O ‘25’ levantou a questão com força na comunidade. Começou um processo de reflexão mesmo, de perceberem e reivindicarem esse direito”, pondera.

Atualmente, Fabí está produzindo um curta e um longa-metragem relacionados ao bairro Vargem Grande que estão em processo de captação de recursos. De forma colaborativa, ela vem desenvolvendo outros projetos, como uma série, junto ao coletivo periférico Sala de Roteiro Marginal.

“Não podemos nos contentar com o pouco que nos é oferecido. Por isso sigo escrevendo história sobre e para Parelheiros e acho que nunca vou parar”, revela.

É possível assistir ao curta-metragem gratuitamente no perfil da Fuê Filmes na plataforma Vimeo.

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Mariana Lima

Jornalista e roteirista. Coautora do livro-reportagem "A Voz Delas: a literatura periférica paulistana". Pode ser vista com frequência em bibliotecas públicas. Correspondente de Parelheiros desde 2021.

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