Por: Jacqueline Maria da Silva | Katia Flora
Notícia
Publicado em 05.01.2022 | 18:32 | Alterado em 10.01.2022 | 15:57
O aposentado José Roque Carminatti, 60, lembra bem da crise hídrica de 2013, quando o estado de São Paulo teve de viver um racionamento. “Eram dois dias com água e dois sem por ausência de chuva. Quando tem escassez, a água fica mais cara”.
Preocupado, o aposentado aproveitou a reforma da casa, na Vila Castelo, em Cidade Ademar, na zona sul de São Paulo, e implantou um sistema de captação da chuva com canos de PVC e uma caixa d’água – a chamada cisterna. Também passou a reaproveitar o conteúdo da lavagem das roupas.
“Eu gastava 23m³ por mês, hoje varia de 11 a 14. São quase 12 metros de água que deixei de pagar por mês”, acrescenta.
A redução do consumo e dos gastos tem ajudado no contexto atual, quando a falta de água volta a preocupar.
Em novembro de 2013, na véspera da crise de 2014, a média de volume dos mananciais em São Paulo era de 46,52%. Já no mesmo período de 2021 a média registrada foi de 37,88%, quase 10 pontos percentuais a menos.
No Sistema Cantareira, o ano começou com 25% da capacidade, mostram dados da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), que abastece a região metropolitana.
A situação mostra os efeitos causados pelas mudanças no clima e o receio de impactos maiores nas periferias da capital, que já começaram a relatar problemas no ano passado.
A ideia de captar água da chuva ganhou força na última crise, mas ainda é uma realidade mais rara no ambiente urbano.
As cisternas são tipos de reservatórios inspirados em piscinas de concreto e pensados para o contexto do semiárido, explica Beatriz Duarte Dunder, cientista ambiental. “Ela recolhe a água da chuva para ser usada no período de seca ou é abastecida por caminhão pipa”, diz.
A finalidade do volume armazenado é variada, geralmente para usos que não envolvam o consumo ou o contato direto com a água.
Em 2015, o gestor de projetos socioambientais Sandro Nicodemo, 41, queria transferir o sistema de captura da chuva de seu antigo apartamento para a nova moradia na periferia de Santo André, na Grande São Paulo.
Como precisava construir um muro, ele e um amigo permacultor projetaram uma parede funcional e a construíram durante uma oficina aberta no quintal. “Além de dividir o ambiente, com o passar do tempo cresceram plantas ao lado, cobrindo um pouco os tubos de PVC”.
Ele e José, que abre esta reportagem, destinam a água para lavagem de quintal, roupas e regar as plantas. Eles utilizam diariamente por meio da torneira acoplada ao sistema.
Os dois tomam alguns cuidados. Quando há grandes intervalos sem chuva, José Roque lava a calha e em períodos de maior precipitação despeja cloro na água que fica armazenada nos reservatórios.
No caso da cisterna de Sandro, uma tela no dispositivo evita o entupimento da encanação. Por fim, ambos deixam os reservatórios vedados pelo risco da dengue.
Beatriz explica que esses cuidados ajudam a manter a segurança microbiológica da água e previnem a entrada de animais, folhas e sujeira, mas reforça que é preciso ter atenção ao manipular produtos químicos.
A ingestão e uso da água para banho não são recomendados, principalmente no contexto urbano, por conter material particulado.
A especialista pede atenção também para o caso de reaproveitamento de caixas d’água. “Optar pelas que não possuam amianto em sua composição, substância que oferece risco a saúde”, conclui.
Sandro, que presta orientação para pessoas que desejam implementar o reservatório, revela que as pessoas não aderem por parecer complexo. “Qualquer pessoa consegue desde que tenha orientação e compre o material: caixa d’água, bombona, tubos de PVC.No youtube tem vídeos”.
O preço pode ser uma questão. Sandro gastou cerca de R$ 1.200 para um sistema com capacidade de 220 litros, e José Roque desembolsou R$ 400 por um de 700.
Porém, Beatriz afirma que há modelos mais simples, como galões, caixa d’água e a clássica feita de cimento – todos são considerados cisternas.
Segundo a especialista, pelos benefícios econômico e ambiental, a alternativa poderia ser explorada nas periferias onde há insegurança hídrica, locais com intermitência e má qualidade da água.
Contudo, ela acrescenta que o maior incentivo a esse tipo de medida ocorre no meio rural e que até o momento não evidenciou estudos que abordem esses sistemas em áreas urbanas.
Para a questão do espaço e do custo, cisternas comunitárias podem ser uma solução para estes locais. “Uma grande em espaço comum que atenda a mais de um núcleo familiar, você consegue dividir esses custos entre mais pessoas que vão se beneficiar”.
Porém, ela alerta que não cabe aos moradores resolverem a falta de serviços de saneamento e abastecimento, pois há necessidade de políticas públicas.
“É necessário pensar nessas práticas inseridas em políticas públicas direcionadas à população marginalizada para que não sejam penalizadas duas vezes, pela falta do recurso e por ter que construir suas próprias soluções. Água é um direito humano”
Beatriz Duarte
Sandro diz acreditar que a opção também é uma forma de protesto e uma medida que impede as famílias de tirarem o dinheiro da alimentação para pagar a conta. “Tem um rio passando por um local que não tem água na casa. Com a cisterna você usa e não paga por ela”.
Ele também enxerga a possibilidade como uma potência nas periferias e aponta que é necessário uma mobilização de associações e grupos comunitários.
Repórter da Agência Mural desde 2023 e da rede Report For The World, programa desenvolvido pela The GroundTruth Project. Vencedora de prêmios de jornalismo como MOL, SEBRAE, SIP. Gosta de falar sobre temas diversos e acredita do jornalismo como ferramenta para tornar o planeta melhor.
Jornalista com experiência em jornalismo online e impresso, tem publicações em diversos veículos, como Uol, The Intercept e é ex-trainee da Folha de S. Paulo no programa para jornalistas negros. Correspondente de São Bernardo do Campo desde 2014.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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