Acordar e sentir como se um caminhão tivesse te atropelado. O corpo não obedece a mente. O cansaço perdura por dias, semanas e até meses – não há remédio ou noite de sono que consiga desfazê-lo. Se faz frio, as sensações pioram. A fadiga vence até o desejo de ter uma vida social. É um ciclo vicioso: quanto mais dor, mais tristeza; quanto mais tristeza, mais dor.
A condição tem nome: fibromialgia, uma doença invisível aos olhos de outros e que invisibiliza quem é acometido por ela, sobretudo se o paciente vive nas periferias.
Remédios para controlar a dor nem sempre estão disponíveis no SUS @Bianca Sales/ Agência Mural
Além das queixas físicas, que limitam a rotina diária, é preciso lidar com os desafios típicos de quem vive nas quebradas – e que recaem principalmente sobre as mulheres, as mais acometidas pela doença. Dupla jornada de trabalho, ônibus cheio e longos trajetos tendem a ser situações ainda mais desgastantes para quem tem fibromialgia.
Trata-se de uma doença reumatológica, caracterizada como “síndrome”, por reunir um conjunto de sintomas, como dor generalizada, às vezes intensa; e sensibilidade muscular e ao redor das articulações. Ela afeta cerca de 3% dos brasileiros, sendo que a cada 10 pessoas com fibromialgia, sete são mulheres.
Fonte: Vida Saudável- Blog Einstein, Manual de Saúde MSD, Biblioteca Virtual em Saúde, Sociedade Brasileira de Reumatologia
A auxiliar de saúde bucal Cristiane Silveira de Oliveira, 49, precisou ser afastada por 14 dias do trabalho e adiantar as férias para dar uma pausa e tratar a doença. Moradora de São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo, ela se emociona ao falar sobre os efeitos da doença no seu cotidiano e sobre o preconceito que a acompanha.
“Você acaba sendo apelidada de Maria da Dores. As outras pessoas falam: ‘Nossa, mas faltou de novo no trabalho?’ Parece preguiça, mas [com o trajeto de] ida eu já chegava lá detonada”.
A primeira suspeita de um diagnóstico de fibromialgia foi aos 30 anos, em uma consulta médica. Por falta de informação, Cristiane seguiu a vida com dores, até que aos 39 anos teve uma crise forte que a levou ao pronto socorro. “Cheguei lá chorando muito e falei: ‘doutora, preciso que a senhora tire essa dor de mim’. A ortopedista começou a apertar em alguns pontos e doía mais. Ela falou: ‘você tem fibromialgia”.
Fique atento aos sintomas como dor no corpo que persiste por mais de três meses, fadiga constante, falta de disposição e energia, sono superficial, alteração no funcionamento do intestino, sensibilidade a estímulos, dor de cabeça e sintomas emocionais, como ansiedade e tristeza
A causa da doença é desconhecida, mas sabe-se que estresse, má qualidade do sono e depressão podem contribuir para seu aparecimento, assim como na intensidade das crises. Pesquisas mostram que as áreas do cérebro da pessoa com a doença processam e interpretam as sensações dolorosas com maior intensidade.
É importante ir até a UBS de sua referência e relatar os sintomas e a frequência que aparecem. Se necessário, haverá encaminhamento para um reumatologista. O diagnóstico é feito à partir de análise clínica, descartando doenças com sinais semelhantes, e por meio da avaliação de pontos dolorosos na musculatura.
A fibromialgia não é perigosa nem representa risco à vida. No entanto, os sintomas persistentes podem ser limitantes. Infelizmente a doença não tem cura, mas pode ser controlada com alguns cuidados, como: acompanhamento médico e medicações específicas (antiinflamatórios, antidepressivos e analgésicos, sempre com prescrição médica); alongamentos e exercícios físicos contínuos; e hábitos de vida saudáveis, como higiene do sono e boa alimentação.
Fonte: Vida Saudável- Blog Einstein, Manual de Saúde MSD, Biblioteca Virtual em Saúde, Sociedade Brasileira de Reumatologia
Uma vida com dor
Os 20 anos de sofrimento intenso começaram a ser amenizados depois que Cristiane conseguiu uma consulta com um reumatologista pelo seu convênio, fornecido pela empresa onde trabalha. Ela recebeu tratamento adequado, passou a tomar antidepressivos e a ter mais qualidade de vida.
“Hoje eu tenho a facilidade do convênio, mas falta informação sobre a doença. Não se sabe o que é ou como tratar, especificamente nas periferias”.
A espera pelo diagnóstico se estendeu por três anos para a costureira aposentada Maria Eliete Silva Sales, 67, moradora do Parque Bristol, na zona sul de São Paulo. Na fila do SUS desde 2005 e com crises intensas de dor, ela só conseguiu passar na consulta com especialista e ter tratamento adequado em 2008.
Maria Eliete se adaptou apenas a uma medicação, que atualmente está em falta no posto de saúde de seu bairro @Bianca Sales
Atualmente, exercícios físicos gratuitos em espaços públicos e uso contínuo do medicamento Arpadol contém as crises. Porém, o remédio, que é natural e com menos efeitos colaterais, não está disponível nos postos de saúde do bairro há seis meses. “Custa mais de R$300, fica caro porque eu tomo três durante o dia”.
Governo sanciona Lei que equipara fibromialgia a PCD
Os primeiros sintomas começaram há 30 anos, quando Maria Eliete ainda estava no mercado de trabalho. Na época, se aposentar não era uma opção. Após o marido ter um Acidentes Vascular Cerebral, exatamente na época do diagnóstico, ela se tornou a principal provedora da casa e do sustento dos quatro filhos.
Para sobreviver, batia ponto no trabalho durante o dia e à noite em hospitais públicos. Assim, forçava o corpo para conseguir trabalhar com receio de que os patrões não compreendessem a condição. A inclusão da fibromialgia na Classificação Internacional das Doenças (CID), em 2004, possibilitou a aposentadoria precoce.
“Eu fiz várias perícias, levava exames, diagnóstico e eles sempre negavam e alegavam que a fibromialgia não era doença para pessoa se aposentar. Eu corri atrás, eu trabalhei me arrastando” comenta.
Em julho de 2025, o governo federal sancionou a Lei 15.176, que cria um programa nacional para orientar o Sistema Único de Saúde (SUS) no atendimento de pessoas com fibromialgia. A legislação admite a possibilidade de equiparar a pessoa acometida por fibromialgia à pessoa com deficiência, condicionado à realização de uma avaliação por equipe multiprofissional e interdisciplinar.
Na prática, a nova lei mantém os direitos de acesso à saúde e agrega critérios previstos no Estatuto da Pessoa com Deficiência, ampliando possibilidades de seguridade social. Ela passa a valer em janeiro de 2026.
Fonte: Lei 15.176, Senado Notícias e Estatuto da Pessoa com Deficiência
“A importância dessa lei para pessoas mais vulneráveis, das periferias, é a garantia de se ter um salário mínimo e participar de outros programas, como isenções, cotas para PCD, compra de veículo adaptado e bilhete único especial”, diz a assistente social Ellen Manoel de Oliveira, 29.
Ellen atua em um posto de saúde da Vila Clara, favela da zona sul da capital, e recebe pacientes que sofrem da doença em busca de orientação. Em geral são mulheres, com queixas de dificuldade para trabalhar ou afastamentos constantes por conta das dores.
Por anos, Maria Eliete precisou trabalhar mesmo com dor intensa @Bianca Sales
“Muitas vezes, nós que somos da periferia moramos em espaços precários, com falta de saneamento, dificuldade de acesso a alimentos saudáveis e sem condições de dormir bem. São fatores que podem impactar a saúde. Pensando na fibromialgia, isso pode ser ruim não só para físico, mas para o emocional”, pontua.
A profissional lembra que é preciso capacitar as equipes profissionais para que estejam informados e possam fazer uma avaliação criteriosa dos pacientes com fibromialgia, ajudando a aumentar a qualidade de vida.
Como ter acesso aos benefícios previstos em lei?
Primeiro passo é ser diagnosticado e ter o laudo médico com CID atestando a Síndrome da Fibromialgia ou outras condições descritas na Lei 15.176.
Com o laudo, a depender do tipo de benefício, você pode procurar pelo serviço específico do seu município, como bilhete único especial ou pedido de aposentadoria.
Verifique quais documentos são necessários além do laudo médico. Podem ser requeridos exames e formulários assinados por profissionais de saúde.
No caso de pedido do Benefício de Prestação Continuada (BPC), é preciso também estar cadastrado no CadÚnico.
Atenção: apesar da lei, os pedidos podem ser aceitos ou recusados, pois dependem de avaliação ou perícia, em especial a aposentadoria.

