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Agência de Jornalismo das periferias

Wellington Nascimento/Agência Mural

Por: Wellington Nascimento

Notícia

Publicado em 20.08.2024 | 14:28 | Alterado em 22.08.2024 | 12:38

Tempo de leitura: 4 min(s)

Jorge Martins, 71, conhecido como ‘Seu Jorge’, é vendedor de livros há 37 anos no distrito da Cidade Ademar, na zona sul de São Paulo. Todo dia pela manhã, o livreiro expõe os exemplares na praça Professora Lygia Maria Salgado Nóbrega, na Avenida Cupecê, local onde trabalhou por quase toda vida.

Mas em julho deste ano, um acidente mudou a rotina: um incêndio na madrugada do dia 17 destruiu todos os livros, que estavam guardados embaixo de uma lona, próximo ao local da venda.

O que parecia o fim de um trabalho de décadas se mostrou uma lição de solidariedade: imediatamente a comunidade da região começou a se mobilizar para ajudar Jorge.

Postagens em redes sociais viralizaram e amigos, vizinhos, clientes e pessoas que conheciam o trabalho dele se sensibilizaram e se uniram para doar novos livros. Em poucos dias, Jorge já tinha mais que o dobro do que possuía antes do incêndio.

“Eu tinha uns 5 mil livros, mas agora acho que já passou dos 10 mil. O povo brasileiro é muito caridoso, só tenho a agradecer”, diz.

‘Seu Jorge’ pegando livros de doações que vem recebendo após mobilização das pessoas nas redes sociais @Wellington Nascimento/Agência Mural

Além dos exemplares, o livreiro recebeu doações de brinquedos, CD’s e DVD’s, roupas e até lonas para cobrir os livros. “Não ligo para o prejuízo financeiro que tive com o incêndio, o que mais me lamentei foi a perda dos livros”, conta.

Leitura desde cedo

A paixão de Jorge pela leitura começou desde pequeno quando ainda era morador da cidade de Estiva, em Minas Gerais. Ele relembra que na época as pessoas paravam de estudar cedo para poder trabalhar e ajudar a família.

“Se você tivesse um pouquinho de cultura, ensinava os mais velhos a ler. Como eu gostava de ler, eu era um dos que ajudava”, conta.

Jorge começou a vender livros em Barra Mansa, no Rio de Janeiro. Depois, veio para São Paulo continuar o trabalho. Ele é pai de dois filhos, de 45 e 48 anos, e atualmente mora sozinho no bairro Vila Império, na Cidade Ademar. Orgulhoso, afirma que até hoje tudo o que conquistou na vida deve aos livros.

‘Quero morrer vendendo livros. Nunca trabalhei com outra coisa na vida. Paguei meu INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] com isso. É a adoração pelos livros que me faz continuar, depois de tudo o que aconteceu’

Seu Jorge, vendedor de livros

‘Seu Jorge’ trabalha por conta própria, mas em alguns dias, ao final do expediente, conta com a ajuda de amigos para cobrir os livros e protegê-los da chuva. Ele também pega materiais recicláveis do lixo e faz placas com mensagens motivacionais para pessoas que passam pela praça.

Muitas doações

Para continuar seguindo o seu sonho, Jorge teve a ajuda de moradores da Cidade Ademar e de pessoas de outras regiões da capital paulista e até de outras cidades, que se sensibilizaram com a história.

Gean Carlos, 48, conhece Jorge há mais de 30 anos e divide com ele a profissão de livreiro, mas em um sebo da zona sul de São Paulo. Quando soube do incêndio, não pensou duas vezes: “reuni meus amigos que também têm sebo e todos nós doamos parte do que tínhamos. Nesse momento qualquer ajuda é bem-vinda”, comentou.

O público que passa em frente a praça Professora Lygia Maria Salgado Nóbrega fica olhando o acervo na calçada @Wellington Nascimento/Agência Mural

Algumas pessoas que doaram já eram clientes de Jorge. Um deles é o bombeiro civil Matheus Meira, 25, que no início deste ano já havia feito doações de livros escolares para ele, por reconhecer a importância do trabalho na região.

“São raros esses pontos de venda de livros na Cidade Ademar. Moro aqui e não conheço nenhum. O mais próximo já é chegando em Diadema. Esse local é legal porque fica em uma parte do distrito que tem bastante movimento de pessoas”, conta.

A postagem que mostra Jorge pedindo doações de livros para que ele pudesse “começar de novo” viralizou nas redes sociais e, entre milhares de pessoas, alcançou Bianca Alves, 36, no Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo. De férias do trabalho, ela foi para a Cidade Ademar pela primeira vez só para conhecer a livraria a céu aberto de Jorge.

“Eu já tinha feito uma doação de livros para uma outra pessoa e estava sem exemplares, mas queria ajudar de algum jeito. Então vim para cá comprar alguns livros e dar essa força para ele”, diz.

Outras paixões

Jorge divide a paixão por livros com o time do coração, o Palmeiras. Torcedores de várias partes do estado de São Paulo se uniram em uma força-tarefa e conseguiram arrecadar centenas de livros para o vendedor. A iniciativa partiu de Renato Porto, 23, morador da Cidade Ademar e uma das lideranças do coletivo ‘Zumbi dos Palmeiras’.

Matheus Meira, morador da região fez doações de livros para colaborar com o trabalho do Seu Jorge @Wellington Nascimento/Agência Mural

Ao saber do episódio, comunicou os demais integrantes do grupo que se reuniram para iniciar a arrecadação. O ponto de coleta foi na rua Caraíbas, em frente ao estádio do clube, na zona oeste da capital.

‘Foi um sucesso, muito maior do que eu esperava. Só mostramos que quando a comunidade se une, somos mais fortes’

Renato Porto, liderança do coletivo Zumbi dos Palmeiras

Em agosto de 2024, Cidade Ademar é ainda um dos distritos da zona sul da capital que não possui nenhum equipamento cultural, seja centros e casas de cultura, bibliotecas comunitárias ou espaços de cinemas.

A prefeitura está construindo a primeira Casa de Cultura da Cidade Ademar, com pelo menos 80% das obras concluídas, segundo o órgão. A inauguração, no entanto, estava prevista para junho. O espaço ficará localizado na Avenida Durval Pinto Ferreira, no Jardim Itacolomi.

Até por essa carência, a barraca de livros da Avenida Cupecê vira um importante e raro ponto de acesso à leitura no distrito, principalmente para as crianças que não têm condições de pagar pelos livros. “O ‘Seu Jorge’ é uma pessoa muito humilde. Eu nasci e fui criado aqui na região e posso dizer que ele mais entrega livros do que vende”, afirma Porto.

O livreiro conta que as crianças “pedem livro o dia inteiro”. “Entreguei gibis para seis crianças que queriam pagar, mas não deixei. Depois os pais delas vieram e me deram um chapéu de presente, para eu não ficar tomando sol.”

Jorge também doa livros para creches da região, seguindo seu propósito de espalhar conhecimento. “Quem tem dinheiro leva e quem não tem leva do mesmo jeito”, brinca.

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Wellington Nascimento

Formado em Jornalismo e pós-graduado em dar boas risadas. Apaixonado por esportes, ex-atleta em atividade e toca violão nas horas vagas. Sonha em viajar o Brasil e o mundo para encontrar e contar histórias. Correspondente da Cidade Ademar desde 2022.

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