Depois de oito anos, Renata Lima, 29, voltou a fazer cosplay em outubro de 2021. A volta foi uma recomendação da psicóloga dela, para que tivesse uma interação social por semana. Foi quando decidiu ir aos encontros de cosplay na Liberdade, na região central de São Paulo.
Em um dos eventos que aconteciam uma vez por mês, no restaurante Chens, a Shizuko, personagem do anime Hunter x Hunter, se sentiu deslocada, e decidiu criar um grupo no Alto Tietê, com o intuito de incluir as pessoas e fazer ações sociais.
Criada na Cidade Líder, na zona leste de São Paulo, Renata vive em Ferraz de Vasconcelos, na região metropolitana, desde os 18 anos. Os amigos estavam em São Paulo e era inviável visitá-los toda a semana. Como trabalhava de casa com vendas online, teve dificuldade de fazer novas amizades.
“Eu fazia faculdade EAD (Ensino a Distância), e por aqui não tinham muitas opções de lugares para sair”, afirma.
Ela decidiu pesquisar por novos grupos cosplay pelo Facebook e na rede social foi divulgando o recém-criado “Cosplay Alto Tietê”, como se denomina a região formada por Ferraz, Mogi das Cruzes, Poá, Suzano e outras sete cidades na Grande São Paulo.
“Comecei a buscar as pessoas, uns eram de Suzano, outros de Ferraz. Pensei, vou mandar mensagem falando que criei um grupo, para a gente fazer encontros e construir essa cultura aqui na região, sem ter que ir até o centro de São Paulo”, diz Renata.
Na primeira pesquisa de integrantes, Renata conheceu a social media Vitória Ricarte, 23, que na época começava a conhecer o cosplay. Vitória passou a ajudar na administração do grupo nas redes sociais. “A gente procura lugares cobertos para os encontros”, diz.
O grupo quer fazer um encontro no ginásio municípal Marcílio Guerra, em Ferraz de Vasconcelos, onde volta e meia é usado para receber eventos e campeonatos.
O primeiro encontro do Cosalto (Cosplay do Alto Tietê), como é conhecido, foi em dezembro de 2021, quando pouco mais de dez membros se reuniram na loja geek Bianca Lazuk em Suzano. Hoje o grupo tem mais de 270 participantes.
A maioria dos integrantes nunca tinha participado de um evento só de cosplay. A dificuldade de frequentar a Liberdade fez com que os cosplayers tirassem as fotos em casa e publicassem nas redes sociais.
Como foi o caso do vendedor Danilo Lima, 27, que recebeu uma mensagem da Renata pensando que fosse algum esquema de pirâmide. “Ela vai no privado das pessoas para saber como elas estão, e se elas vão ao encontro, esse cuidado faz uma grande diferença.”
Depois de aceitar o convite, o mogiano foi ao segundo encontro realizado no parque Max Feffer em Suzano.
“Houve um tempo que eu nem saia de casa. Ir ao encontro foi um grande desafio, fiquei o caminho todo pensando no que ia acontecer. No final, foi bom para a minha autoestima”, Danilo.
O cosplay é um momento em que você se veste como seu personagem favorito e interpreta ele. Nos encontros ele não é o Danilo, mas sim o Demolidor.
A fantasia não precisa ser feita pelo participante, e muitos são cosplay de armário. “O cosplay de armário, é com as roupas que já temos na nossa casa, aí você só incrementa com algum acessório”, explica Vitória.
O segundo encontro superou as expectativas. Havia 40 confirmados, mas 150 pessoas marcaram presença. Quem passava pelo parque, queria tirar uma foto com os vários personagens reunidos perto das árvores.
Dali em diante o multiverso dos personagens se abriu. O grupo se tornou uma forma de publicidade para lojas e eventos, começaram a frequentar o Shopping de Suzano, o Centro de Convenções em Ferraz, Poá Geek Festival, e o festival Akimatsuri em Mogi das Cruzes.
Também queriam fazer ações sociais. “A primeira ideia de trazer essa cultura para a região já aconteceu, agora, a gente quer focar em encontros que tenham ações sociais. Já fizemos doação de sangue, arrecadação de agasalhos, de brinquedos, e queremos mais”, diz Renata.
Cosmaker de Itaquá
O cosplay chegou ao Brasil em 1996, quando houve o primeiro concurso na Mangácon, evento de Mangá e Anime promovido pela Abrademi (Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e Ilustrações).
Foi na segunda edição, em 1997, que Onçana Khymato, 44, conheceu o cosplay. A paixão pela cultura geek veio desde pequena – a mãe dela era fã de quadrinhos da Mulher Gato, e assistia anime com a filha.
O nome artístico é uma homenagem aos Thundercats, desenho de meta humanos misturados com gatos. Não havia nenhuma onça na série, e Onçana seria a primeira. “Meu nome civil não me representa”, diz Onçana. Já Khymato, “é uma palavra grega de uma enciclopédia que tínhamos aqui, era relacionado com tempestade”, explica ela, que sempre gostou de observar os trovões.
Aos 19 anos, Onçana estava fazendo um curso de desenho, quando foi ao Workshop da Abrademi, em Mogi. Ali conheceu Cristiane Sato, organizadora da Mangacon e referência entre os cosplays. Cristiane convidou a desenhista para o evento.
“Não tinha muito o que fazer, peguei um vestido de formatura parado em casa, e nada que uma tesoura e boa vontade não pudessem resolver não é mesmo?”
Uma vizinha levou Onçana, junto com a mãe, de Itaquaquecetuba para o salão social da Associação Shizukoa do Brasil, na Liberdade. Dali, ela passou a frequentar eventos geeks.
Onçana é cosmaker: faz fantasias para as pessoas. Desde 2003 recebe encomendas como segunda fonte de renda, depois que passou a alugar a parte da frente de casa.
Hoje ela lê os quadrinhos sozinha, perdeu a mãe, Ana Banaitis, em 2016. Mas, isso não a desmotivou, na BatExpo em 2019 ela foi vestida de Mulher Gato, gibi que lia na infância.
Vários integrantes do Cosalto fazem pedidos para Onçana no Instagram. Ela conta que o grupo foi responsável por trazer a cultura do cosplay para a região.
Hoje o Cosplay Alto Tietê conta com crianças, que vão fantasiadas junto com os pais. “Os membros vão desde os dez anos até mais de 50”, afirma Renata.
O grupo não tem apelo financeiro e quando uma empresa quer um personagem para fazer algum trabalho, eles indicam um dos membros.
Existe uma carteirinha de identificação, feita depois de uma vaquinha com vilões, anti-heróis e mais de dez homens-aranhas. “Serve para nos reconhecermos nos grandes eventos, o grupo hoje é bem grande”, diz Vitória.
Aqueles que quiserem fazer parte, devem chamar o Cosalto em uma de suas redes sociais.
Renata completou a meta de uma interação social por semana, ajudando a sair de uma depressão. Conheceu Danilo no segundo encontro de cosplayers, e hoje moram juntos. Os dois querem que o Cosplay Alto Tietê continue sendo um grupo acolhedor.