Humberto do Lago Muller/Agência Mural
Por: Humberto do Lago Müller
Notícia
Publicado em 19.07.2023 | 9:56 | Alterado em 19.07.2023 | 11:42
Há oito anos, a professora de dança Fabiana Alter, 44, começava um brechó beneficente em Mairiporã, cidade da Grande São Paulo. Desde então o local se expandiu, ganhou um varal solidário, virou bloco de carnaval e enfrentou perseguição política.
Apesar das reviravoltas, para quem anda pela cidade, ela é a ‘Frozen’, personagem com a qual ela se fantasia que ela usa durante a entrega de doações ou em eventos da comunidade.
A história do local começou em meio às mudanças vividas na região. Localizada nos altos da Serra da Cantareira, o município é uma das cidades mais frias da Grande São Paulo, com boa parte da área coberta por matas e águas.
A cidade ainda mantém um caráter de cidade dormitório, com muitos moradores para poucos empregos. Com a pandemia de Covid-19 também cresceu o número de moradores de rua, famílias em situação financeira complicada.
Foi nesse contexto que Fabiana chegou em Mairiporã vinda de Guarulhos, em busca de um local tranquilo para cuidar dos filhos e dar aulas – o plano era abrir uma academia de dança, mas tudo mudou.
“Tudo está ligado ao Natal”, diz sobre um período mais difícil na infância, quando conta ter passado fome. “Não tinha brinquedo, aquilo sempre mexeu comigo.”
Ela decidiu se fantasiar de Mamãe Noel, quando atendia cartinhas no Correio e ia entregar o presente pedido. “Aí depois que os vizinhos começaram a saber, eles diziam: olha, tem uma roupinha sobrando. E começaram a me doar de tudo.”
“Foi em uma dessas ocasiões que eu me tornei a ‘Frozen’, a ‘Elsa’”, conta, em referência a personagem de uma das animações mais famosas da Disney.
“Uma amiga disse que eu parecia com ela, de início eu não sabia nem que personagem era. Improvisei uma roupa azul e fui com a cara e a coragem. O sucesso foi tanto que nunca mais saí da personagem, e hoje quando as crianças me reconhecem no supermercado é sempre a maior gritaria”.
Tudo começou a crescer mesmo por meio das redes sociais. As doações aumentaram, com roupas de marca, jaqueta de couro, sapatos de grife e até mesmo a chave de um apartamento para doar tudo o que estava dentro.
“Mas faltava o mais básico que era o alimento. Eu chegava para atender uma família e ela precisava de uma cesta básica, mas eu só tinha roupas. Após uma sugestão eu comecei a trocar as roupas por alimentos.”
O volume era tanto que ela decidiu abrir um brechó. O que era temporário passou a ser a principal atuação dela.
Por um ano e quatro meses o então “Brechó do Bem” funcionou em um pequeno espaço no Jardim Fernão Dias, na periferia de Mairiporã. Depois desse tempo de experiência surgiu a oportunidade de mudança para um local mais central onde pudesse chegar a mais pessoas. Após de muita procura Fabiana encontrou um prédio em frente a praça da igreja matriz.
“Sabe quando você olha pela vitrine e fala: “ah fofinha, dá um tempo, menos, é muito grande para você”. Mas eu insisti, aluguei, peguei pallets de uma obra, pintei tudo, comecei a ocupar. Foi então que começou o ‘Alter Nativa Bazar’.”
De um único salão, o bazar ocupa atualmente todo o prédio, são seis aluguéis, seis contas de luz, seis de água, além dos impostos e licenças. Hoje o bazar já se sustenta financeiramente, gera empregos, tem funcionários, estagiários e voluntários, até mesmo um caminhão foi comprado para receber doações maiores.
Além da doação de roupas, móveis e objetos variados, o local tem estrutura para receber alimentos, congelados e cestas básicas, que segundo ela são sempre os mais urgentes. Há ainda um centro de cursos e formações ministrados por voluntários e um bazar infantil.
O sucesso da personagem e do bazar também chegaram ao carnaval de rua da cidade.
Em 2023, Fabiana organizou pela primeira vez um bloco voltado ao público infantil, onde parte das fantasias também era fruto de doações.
Inspirada por uma iniciativa estrangeira que colocava doações para o acesso livre em praças públicas, Fabiana decidiu criar o próprio espaço. Nasceu assim o varal solidário, que seria abastecido diariamente com roupas na praça da matriz. Com apoio de comerciantes e o grande fluxo de pessoas, o local conseguiu atrair muitas doações.
“Foi então que em 2019 um fiscal da prefeitura pediu a retirada do varal, pois segundo o mesmo havia uma denúncia”, lamenta.
Devido a repercussão negativa na cidade, o varal logo voltou, mas continuou a perseguição e a ameaça de retirada.“Falavam que que era feio, que parecia uma favela na praça. Outros diziam que eu seria candidata e estava querendo me mostrar, mas não sou candidata. Nunca fui.”
Surgiu então a ideia de fazer um projeto de lei. Através da união entre advogados e apoiadores surgiu o projeto de lei 3.951/2020 (Lei Fabiana Alter), de autoria do vereador Dori (Rede).
Nele não constava apenas a garantia de legalidade ao varal, mas também a regulamentação para a doação de livros, animais, realização de eventos e shows beneficentes em praças e espaços públicos da cidade.
Prestes a ser votada na Câmara, o então vereador Marcinho da Serra (PSD) colocou uma emenda no projeto que proibia esticar fios em praças públicas, um ataque direto ao varal.
Há ainda um segundo varal, localizado no bairro Vila Popular, que também corria o risco de ser retirado pela emenda.
Com o crescimento da pressão popular a emenda foi derrubada e a lei aprovada.
No entanto, ainda em 2020, a nova lei foi vetada pelo então prefeito Antonio Aiacyda (PSD) com a alegação de ser inconstitucional.
Com as eleições no mesmo ano e o falecimento de Aiacyda devido a complicações da Covid-19 o varal acabou permanecendo. Com o início de uma nova gestão a praça entrou em obras.
“Pensei que seria o fim, mas o varal não só ficou como ganhou um novo espaço, mas até hoje nós não temos essa lei aprovada”, conta a moradora, temendo o que pode ocorrer no futuro. “O atual prefeito não teve problema com o varal, mas talvez chegue o momento em que precisaremos lutar novamente.”
Endereço: Rua Pio XII, 67, Mairiporã
Contato: 4604-6470
Endereço: , Tv. Antonieta Cirillo Spada, 21a, Mairiporã
Endereço: Rua Dom José Maurício da Rocha, 53 (11) 93045-5835
Apaixonado por animais, desenho, fotografia, natureza. Praticante de turismo sem roteiros, conhecedor de escadões e mirantes. É logo ali! Correspondente de Mairiporã desde 2013.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
Se você quer saber como republicar nosso conteúdo, seja ele texto, foto, arte, vídeo, áudio, no seu meio, escreva pra gente.
Envie uma mensagem para [email protected]