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Notícias

Conheça três mulheres do Tremembé que se formaram na faculdade após os 50 anos

Moradoras da periferia contam como foi voltar para a escolar e entrar na universidade após anos de casamento e cuidado dos filhos

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Arquivo pessoal

Por: Priscila Gomes

Notícia

Publicado em 30.08.2019 | 17:15 | Alterado em 30.08.2019 | 17:15

Tempo de leitura: 4 min(s)

Realidades parecidas e sonhos iguais motivaram três mulheres do distrito Tremembé, na zona norte de São Paulo, a voltarem aos estudos e concluírem o ensino superior. Disciplina e força de vontade não faltaram para que as moradoras, depois de anos cuidando dos filhos, pudessem conquistar o diploma e o mercado de trabalho. 

A moradora do bairro Parque Ramos Freitas, Adelaide Souza Lima, 59, nascida na Bahia, conta que no início da década de 1980 os tempos eram bem difíceis para a mulher trabalhar fora. Ela se casou aos 23 anos e só tinha estudado até o ensino fundamental. 

Adelaide teve quatro filhos e virou dona de casa para cuidar das crianças e do lar“Em poucos meses que estava casada, já tive meu primeiro filho. Só meu marido trabalhava. Em seguida tive a segunda gravidez. Eu não tinha tempo para fazer nada, nem trabalhar nem estudar. Após três anos, tive a terceira filha e depois a quarta”, conta.

Ao ver os filhos crescendo e entrando no mercado de trabalho, a baiana começou a tirar o sonho do papel. “Quando eles já estavam na escola, pensei que já era hora de retomar meus estudos, voltar a trabalhar, pois eles já estavam grandes e procurando trabalho, entrando na faculdade. Então era hora de eu retomar minha vida”. 

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Adelaide durante a formatura do curso de serviço social @Arquivo pessoal

Adelaide nasceu em 1958 e veio para São Paulo na década de 1960, pois os pais não tinham emprego e queriam tentar melhorar de vida na capital paulista. O casal tinha 13 filhos. Segundo Adelaide, a história da família influenciou na escolha do curso. “Escolhi o serviço social por conta do cotidiano dos meus familiares. Quando a gente chegava aos 14 anos já tinha que parar de estudar para trabalhar”.  

Ela decidiu fazer supletivo aos 38 anos de idade e recomeçou a partir da 5ª série. Formou-se aos 55 anos de idade, em 2014. Na sala onde estudava havia outros colegas da mesma faixa etária.

Adelaide, depois que alcançou o tão sonhado curso superior,  se emociona ao falar o que mudou na vida e sobre os planos. “Até o momento só estagiei, mas já aprendi muito. Pretendo fazer pós-graduação e especialização também. Eu me senti muito importante, quero fazer mais cursos se Deus quiser”. 

Os filhos de Adelaide também concluíram cursos profissionalizantes e ensino superior. Maria Aparecida de Lima, 34, é formada em pedagogia, Ariana de Lima, 33, em educação artística, Eduardo Antonio Lima, 36, é florista e paisagista e Juliana de souza Lima, 30, estudou secretariado.  

Do outro lado do bairro, no Jardim Felicidade: “Escolhi a gestão pública porque sempre acreditei em mudanças”

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Silvana Evangelista na colação de grau com os filhos @Arquivo pessoal

Em 1983, Silvana Evangelista, hoje com 55 anos, estava terminando o ensino médio quando casou-se. Teve três filhos. Com a nova rotina, parou de estudar, mas a vontade de retomar sempre esteve como uma meta a ser alcançada. Mas isso só aconteceu quando ela estava com 40 anos. 

Silvana separou do marido em 2003 e assim retomou os estudos com o apoio dos filhos. Cursou a faculdade de gestão pública e se formou aos 54 anos, em 2018. “Escolhi essa carreira, pois sempre acreditei que é possível fazer mudanças, implementação e efetivação de políticas públicas nas áreas da educação, saúde e assistência social”. 

Atualmente, trabalha como  instrutora do programa de aprendizagem Jovem Aprendiz desde agosto de 2018 onde ministra disciplinas como diversidade cultural brasileira relacionada ao mundo do trabalho;  (PVMA) preservação do equilíbrio do meio ambiente; (RAC) raciocínio lógico matemático; interpretação e análise de dados estatísticos; (SEGP) segurança pública, entre outras –  e como orientadora sócio ambiental na Associação Mutirão. 

Duas filhas de Silvana seguiram os mesmos passos em relação ao ensino superior. Ingrid Evangelista Bispo, 26, é formada em cinema e recursos humanos, Iarly Evangelista Bispo, 22, é técnica química e estuda processos químicos. Irving Evangelista Bispo, 28, é o único que ainda não foi para a universidade. “[Ele] tem habilidade de pizzaiolo e não quis fazer nenhuma graduação, mas ainda tem chão para decidir”, comenta Silvana. 

No Jardim Paulistano: “Não mexe com ela porque é advogada”

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Marlene Garcia não teve o apoio do marido para voltar a estudar @Arquivo pessoal

Aos 16 anos, Raimunda Marlene Garcia do Nascimento, 62,  já era casada. Veio de Minas Gerais para São Paulo no mesmo dia em que casou e o marido não permitia que ela estudasse. “Ele dizia que não precisava estudar, então eu ficava em casa cuidando dos filhos. Mas eu estudava escondida”, conta. 

Somente depois dos 40 anos que Marlene teve coragem para voltar para a escola. “Eu tive três filhos. Quando fiquei mais velha fui me empoderando e correndo atrás do que eu realmente queria. Fui terminar o colegial junto com meu filho em uma escola estadual próxima ao bairro. Ficamos na mesma sala e ele me apoiando em tudo”, relembra. 

Em contrapartida, o marido não a incentivava. “Ele dizia que cavalo velho não pega cabresto, mas não me importei e comecei a fazer cursinho em seguida. Estudei por dois anos para tirar uma nota alta para conquistar uma bolsa de estudos. Enfim minha nota foi 94 – para ter direito ao desconto a nota precisava ser acima de 90”, conta emocionada. 

O marido de Marlene ficou doente e morreu  um ano depois de ela ter entrado no curso de direito pela Universidade São Francisco (USF), concluído em 2012, quando ela tinha 51 anos.  Marlene conta que escolheu seguir a carreira de advogada porque diversas vezes precisou recorrer às leis, quando ainda não tinha conhecimento, para conseguir aposentar seu marido. 

Após formada, ela conta o que mudou. “Moro na periferia e uma vez eu estava passando na rua e um homem em um bar disse: não mexe com ela porque ela é advogada, hein. Algumas amizades se afastaram de mim porque me formei – não sei o real motivo, mas muitas permaneceram”. 

Marlene é advogada na área cível, previdenciário e direito penal, mas os filhos preferem que ela trabalhe apenas na área cível.  “Hoje pego menos processos para trabalhar porque pretendo me divertir mais, passear, viajar. Já estou com 62”.   

Marlene teve três filhos. Um faleceu e os outros dois terminaram a graduação. Lucas Leandro, 34, estudou medicina em Cuba e espera para fazer uma prova de revalidação do diploma, exigência do governo para quem estudou medicina em outro país. Já o Anderson Leandro, 41, se formou em teologia, é pastor e também trabalha no setor de raio-x em um hospital militar e em outro particular.


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Priscila Gomes

Jornalista e assessora de imprensa. Traz notícias da Vila Zilda, zona norte e regiões próximas. Ama dançar e sempre quer aprender um ritmo diferente. Ama filmes e livros baseados em histórias reais. Correspondente da Vila Zilda desde 2011.

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