‘Gostaria que enxergassem o conselho como um parceiro, não como um inimigo’: membros do CPM compartilham experiências do mandato e o que esperam de 2021
Por: Redação
Notícia
Publicado em 10.12.2020 | 18:47 | Alterado em 23.02.2023 | 15:00
Em São Paulo, membros do Conselho Participativo Municipal (CPM) finalizam o primeiro ano de mandato no biênio 2020-2021 marcado pela pandemia da Covid-19 e o período de eleições. O 32xSP conversou com conselheiros de quatro subprefeituras da cidade sobre a experiência com a atual gestão do prefeito Bruno Covas (PSDB) e o que eles esperam para o próximo ano.
A falta de comunicação com o poder local e a impossibilidade de fiscalização das demandas enviadas à subprefeitura foram mencionadas em três das quatro entrevistas. Como ponto positivo, os entrevistados destacam a participação social no PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) 2021 e a eleição de propostas enviadas por munícipes.
LEIA MAIS:
– Quem são os conselheiros participativos eleitos?
– Em Parelheiros, conselheiros relatam dificuldades para exercer mandato
INATIVOS NO PRIMEIRO SEMESTRE
O conselheiro João Moreirão, 63, é morador do distrito da Casa Verde, na zona norte, e coordenador do CPM na Subprefeitura de Casa Verde/Cachoeirinha. Ele conta que 2020 foi um ano de muitas dificuldades para o trabalho do conselho.
“A pandemia nos fez ficar praticamente inativos no primeiro semestre. Passamos o tempo todo cobrando da Prefeitura o reconhecimento da validade de reuniões online. Só no segundo semestre a Prefeitura regulamentou a realização das reuniões por videoconferência”, diz Moreirão, que está em seu primeiro mandato.
Faz parte do trabalho dos conselheiros a participação em reuniões mensais, que são abertas ao público e costumam ser realizadas na sede da subprefeitura local. Devido à pandemia da Covid-19, esses encontros migraram para uma plataforma virtual, mas somente em junho.
“A população tinha demandas, mas a impossibilidade de deslocamento, tanto dos conselheiros, como das equipes da Subprefeitura, criou obstáculos, principalmente, para a fiscalização pelo CPM do atendimento dessas demandas”, segue o coordenador.
Situação semelhante ocorreu na Subprefeitura do Butantã, na zona oeste da cidade. Segundo a conselheira Maria Angélica Oliveira, 50, moradora do distrito de Raposo Tavares, não houve abertura para diálogo entre a subprefeitura e os membros do conselho.
“Tivemos ‘n’ dificuldades, mas dentre elas eu destacaria a falta de interlocução com a subprefeitura, a falta de diálogo com o subprefeito e a falta do entendimento desse espaço enquanto fomentador de políticas públicas da região”, relata.
VEJA TAMBÉM:
– Subprefeitura do Butantã é marcada por desigualdades sociais
– Moradores de Cidade Ademar e Pedreira dizem que a região é ‘escondida do mundo’
Para garantir que as demandas da população cheguem ao subprefeito, os conselhos participativos municipais contam com o auxílio de um interlocutor – que é o representante da subprefeitura presente nas reuniões. Além disso, ao fim de cada encontro, uma ata com os assuntos abordados deve ser disponibilizada no site da Prefeitura para consulta dos munícipes.
Na zona sul da capital, a conselheira Mayara Torres, 25, representa a Subprefeitura de Cidade Ademar. Moradora do distrito de Pedreira, ela sente que o trabalho dos conselheiros não recebeu a devida importância durante os 12 meses de 2020.
“A impressão que eu tive algumas vezes, impressão essa compartilhada por alguns dos meus colegas, é que as ações de governo aberto promovidas pela Prefeitura pareciam ‘de mentirinha’, ‘faz de conta’, como se fosse algo realizado só para cumprir protocolo, mas desenhado, na verdade, de forma deliberada para não dar certo”, comenta Mayara.
“Pareceu, durante todo esse ano, que não fomos ouvidos de verdade. O nosso trabalho não recebeu a devida importância”
Mayara Torres, conselheira participativa na Subprefeitura de Cidade Ademar
Ela cita como exemplo as audiências públicas promovidas no mês de fevereiro para falar sobre os Planos de Ação das subprefeituras.
“A nossa aqui da Cidade Ademar foi promovida por uma representante da Prefeitura que não conhecia a realidade e os projetos da nossa região e que, portanto, não tinha condições de responder às nossas perguntas”, conta.
Outro caso ocorreu em outubro, durante a audiência pública devolutiva do Plano de Ação, promovida pela equipe de governo aberto. A proposta foi tratar de dúvidas e sugestões dos conselheiros, e críticas endereçadas pelos munícipes.
Entretanto, a na plataforma e-Democracia apresentou problemas técnicos alguns dias antes da reunião – que, segundo Mayara, foram comunicados aos responsáveis, mas não foram resolvidos.
“A audiência, reitere-se, pública, foi também transmitida em tempo real pelo YouTube, porém em modo ‘não listado’. Ou seja: só quem tinha o link poderia saber do que estava acontecendo. Ao final, com a efetiva publicação do vídeo na plataforma, todos os comentários de insatisfação registrados pelos conselheiros sumiram, como se a audiência tivesse sido um sucesso”, complementa a conselheira.
Para Maria Angélica, a Subprefeitura do Butantã tem uma forte mobilização social, o que possibilitou uma maior articulação dos munícipes durante a participação no PLOA 2021 a partir do mês de maio.
“Felizmente nós tivemos um grupo de pessoas muito afinadas com a questão orçamentária da cidade e a representação dos territórios. Esse espaço trouxe um número de 350 propostas para o orçamento da região.”
O Projeto de Lei Orçamentária Anual contou com a participação dos moradores na sugestão de propostas a serem incluídas no orçamento de São Paulo para o próximo ano. No Butantã, foram eleitas por votação popularcinco propostas finais, das quais todas foram consideradas viáveis pelo corpo técnico da Prefeitura.
Quem também mencionou a participação no orçamento da cidade como um ponto positivo em 2020 foi o conselheiro participativo José Tadeu, 45, mais conhecido como Zum, morador do Jardim Santo Eduardo, na zona leste de São Paulo.
“Foram 3.596 votos nas cinco propostas eleitas pela população. Destaco o grande esforço na divulgação e na eleição das propostas enviadas pelos munícipes”, comenta Tadeu, que está em seu primeiro mandato na Subprefeitura de Aricanduva/Formosa/Carrão.
Na região, todas as cinco propostas finais foram consideradas inviáveis, contudo. Duas delas por falta de análise das secretarias responsáveis.
LEIA TAMBÉM:
Moradores da Subprefeitura de Aricanduva aguardam novo hospital desde 2014
Segundo Tadeu, neste ano foi criado o programa “A hora do Conselho Participativo”, transmitido pela Rádio Acaapesp, que é apresentado pelos membros do CPM. Outra indicação do morador é o projeto “Meu bairro é minha casa”, que também se tornou um programa na Rádio e recebeu a subprefeita do Aricanduva, Fernanda Galdino, no último dia 4.
Em Cidade Ademar, os conselheiros participativos conseguiram implementar na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias Anual) 2021 a construção do CEU (Centro Educacional Unificado) Cidade Ademar – que é um pedido da população há mais de uma década.
Na Casa Verde/Cachoeirinha, o conselheiro João destaca as campanhas organizadas pelo CPM pela urbanização e regularização de comunidades presentes na subprefeitura. Para isso, houve também a participação de ONGs e entidades que atuam nesses territórios.
“Nossa expectativa é que, a partir de janeiro, esse trabalho dê um salto de qualidade. Neste ano, além das dificuldades decorrentes da pandemia, foi um ano marcado pelo envolvimento das lideranças dos bairros nas campanhas eleitorais, o que dificultou a aproximação e participação isenta”, explica.
CONFIRA:
Pesquisa mostra porque conselheiros participativos abandonam o cargo
CONSELHOS PARTICIPATIVOS COMO ALIADOS
O 32xSP também perguntou aos membros do CPM o que eles esperam do próximo ano em relação à participação social. Segundo Maria Angélica, a expectativa é que o conselho participativo tenha uma forma mais alinhada de encaminhamentos e discussões junto à subprefeitura.
“Nós não somos contra o governo, pelo contrário, a gente se soma neste espaço. Gostaria que o poder local enxergasse o conselho como um parceiro, não como um inimigo”
Maria Angélica Oliveira, conselheira participativa na Subprefeitura do Butantã
A opinião é compartilhada por João Moreirão: “em 2021, espero que a Prefeitura e suas subprefeituras respeitem os artigos 54 e 55 da Lei Orgânica do Município, agora de constitucionalidade reconhecida pelo STF”.
“Espero que o conselho participativo deixe ser encarado como ‘um incômodo que tem que ser aturado’ e passe a ser reconhecido como um órgão representativo a ser respeitado”, finaliza o conselheiro da Casa Verde/Cachoeirinha.
O QUE O PLANO DE GOVERNO DE BRUNO COVAS DIZ SOBRE PARTICIPAÇÃO SOCIAL?
Utilizando os termos “participação cidadã” e “participação da sociedade”, o tema é citado quatro vezes no programa de governo do prefeito eleito Bruno Covas para os próximos quatro anos de mandato.
Em relação às propostas, o documento diz que o objetivo da gestão é “inovar para ampliar os espaços de cooperação com a sociedade”. Para isso, será adotada uma linha de atuação que vise estimular a participação da sociedade em decisões e projetos realizados pelo governo.
O plano também cita criar um laboratório de inovação social para desenvolver iniciativas com a participação da sociedade.
Em relação ao fortalecimento de conselhos ou fóruns municipais, o plano de governo de Covas não cita tais órgãos. A “agenda de governo aberto” também não é mencionada.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
Se você quer saber como republicar nosso conteúdo, seja ele texto, foto, arte, vídeo, áudio, no seu meio, escreva pra gente.
Envie uma mensagem para [email protected]