Por: Laiza Lopes
Publicado em 22.11.2018 | 11:59 | Alterado em 22.11.2021 | 16:13
Entenda como a Universidade Federal do ABC foi uma das primeiras no Brasil a adotar a medida que vale para 2019
Tempo de leitura: 4 min(s)Uma funcionária terceirizada da área da limpeza foi impedida de utilizar o banheiro no campus São Bernardo do Campo da Universidade Federal do ABC em 2016. Mulher transgênero, ela recebeu a ordem da empresa em que ela trabalhava.
“Alegavam que ela não podia utilizar nem o banheiro feminino e nem o masculino para não causar constrangimento aos alunos”, conta a estudante transexual de pós-graduação da universidade, Leona Wolf, 36. O caso chegou a público e ela foi demitida.
O episódio deu início a um movimento organizado pelo coletivo LGBT Prisma – Dandara dos Santos que levou a universidade a ser uma das primeiras no país a apoiar cotas para a entrada de pessoas trans na universidade.
À época, secretárias da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), pessoas de diversos coletivos LGBTQI+ e ONGs de apoio a pessoas trans, foram convidadas para levar o tema à instituição e medidas contra transfobia (ações negativas contras transgêneros e travestis).
Reivindicações para regulamentação da utilização do nome social e do banheiro, além de campanhas de conscientização contra a transfobia na universidade foram feitas pelo coletivo.
A primeira conquista desse processo foram vagas para quatro pessoas transgêneros no cursinho pré-vestibular, na Escola Preparatória da UFABC.
No segundo semestre, o processo levou a conquista de vagas para o ensino superior nos campus em Santo André e São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Agora, o desafio é, após a seleção, garantir a permanência desses estudantes.
Pessoas autodeclaradas transgêneras terão 32 vagas para o ingresso nos cursos de graduação interdisciplinar em 2019. Para pleitear a vaga, é necessário que tenham prestado o Enem e se inscrever por meio do Sisu (Sistema de Seleção Unificada).
“Travamos diversas batalhas, pois a todo momento arrumavam pretextos para que a medida não fosse aprovada”, afirma Ettore Fenicchia, 25, membro do Coletivo LGBT Prisma – Dandara dos Santos e do Diretório Central de Estudantes da UFABC.
Segundo ele, o maior desafio para a aprovação foi o diálogo com os representantes dos conselhos universitários, abertamente contrários à medida. A crítica era tirar as vagas da ampla concorrência e a alegação de que “ser a favor dessas cotas é o mesmo que dizer que essas pessoas são sub-humanas por não ter a mesma capacidade cognitiva de uma pessoa normal”.
“Temos uma exclusão de mais de 70% de pessoas trans que não conseguem completar o ensino médio”, defende a professora Leona Wolf, 36, que cursa pós-graduação em direitos humanos e é uma das poucas transexuais na universidade.
Ela diz acreditar que o discurso do senso comum atrapalha a implementação da política afirmativa. “As pessoas desconsideram que é necessário ser aprovado no Enem para preencher essas vagas. Não estamos distribuindo vagas, estamos selecionando um pedaço delas para um grupo que não tem acesso”.
O tema foi aprovado pela Comissão de Políticas Afirmativas da UFABC até a votação final das cotas no ConsUni.
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O preconceito e violências sofridas no ambiente escolar são alguns dos entraves para que transgêneros completem os estudos.
O designer gráfico, Sísifo Gatti, 24, deixou o curso de graduação em artes visuais por conta desse cenário de preconceitos. Homem transgênero, passou pela transição no período da faculdade e enfrentou discriminação. O morador da periferia de Santo André pretende utilizar a nota do ENEM deste ano para entrar na UFABC pelo sistema de cotas.
“Tenho vontade de fazer ciências humanas. Quando a pessoa está na faculdade, é o momento em que ela molda a visão de mundo. As aulas de filosofia estão entre das mais importantes para dar autonomia de pensamento, ainda mais em um momento como o nosso”, conta Gatti.
A UFABC é a terceira instituição do país a aprovar este tipo de cotas, que já são realidade na UEB (Universidade Estadual da Bahia) e na UFSB (Universidade Federal do Sul da Bahia).
“Onde estão as pessoas trans? Você as vê no mercado de trabalho?”, pergunta Renan dos Santos, 27, que defende a necessidade das cotas trans nas universidades. Renan prefere ser tratada pelo gênero feminino, mas diz ser não binária (nem inteiramente masculino, nem feminino).
Renan participou do processo de votação na UFABC, pois tentou levar a modalidade para a Escola Livre de Teatro, centro de pesquisa e formação teatral de Santo André. A instituição implementou um sistema de ação afirmativa. Atualmente, Renan levou o tema adiante e criou o Furta Cor, que começou com um evento e se estabelece como coletivo para a causa.
“O próximo passo é fazer o trabalho de base, pois, nesse momento, vamos atender quem já tem algum acesso. É um privilégio para a universidade poder diversificar o conhecimento. São vivências que estão resistindo a muita repressão”, comenta.
PERMANÊNCIA
“As cotas são importantes, mas não são suficientes. É preciso políticas afirmativas para dar suporte aos alunos e alunas trans”, comenta a professora trans da UFABC, Anna Scott, 47.
A pós-doutoranda menciona que universidades nos Estados Unidos, por exemplo, possuem departamentos para prestar apoio aos alunos transexuais, desde o momento da transição até suporte médico e psicológico.
A UFABC terá Comissão Especial para Pessoas Transgêneras – CEPT, uma das reivindicações do Coletivo LGBT Prisma – Dandara dos Santos (o nome remete a travesti que foi espancada e assassinada em Fortaleza (CE)), que acompanhará estudantes desde o momento da matrícula, auxiliando na adoção do nome social, no pedido de bolsas socioeconômicas e em casos de transfobia.
Em comunicado, o coletivo afirma que as medidas “buscam tornar o ambiente universitário inclusivo, seguro e agradável. Além disso, esta comissão ficará responsável pelo acompanhamento de denúncias de fraude. Nossa próxima luta é estabelecer cotas na pós-graduação e na contratação de funcionários da UFABC e terceirizado”.
Laiza Lopes é correspondente de Mauá
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Jornalista, especializada em direitos humanos. É gateira, tem um relacionamento sério com a comida e ama conhecer novos lugares. Correspondente de Mauá desde 2015.
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