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Sem atendimento presencial, mães de autistas citam dificuldades de ensinar os filhos em casa

Com a pandemia do novo coronavírus, famílias enfrentam desafio para manter a rotina de crianças nas periferias

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Magno Borges/Agência Mural

Por: Katia Flora | Lucas Veloso

Notícia

Publicado em 27.08.2020 | 19:36 | Alterado em 27.08.2020 | 19:36

RESUMO

Com a pandemia do coronavírus famílias enfrentam desafio para manter a rotina de crianças autistas

Tempo de leitura: 4 min(s)

A autônoma Erida Manoelina Ruiz, 33, é mãe de Samuel, 5, e relata que fazer o filho escovar os dentes, lavar as mãos, colocar uma camiseta ou tênis são tarefas que exigem dela técnicas de convencimento.

Ela diz que o isolamento social, necessário por causa novo coronavírus, interrompeu a rotina de atividades e terapia do filho, que é autista. “Ele associava a escola como lugar para estudar e a casa para descansar, mas agora está confuso”, relata. 

Erida lembra que o menino tinha uma programação diária de várias atividades que o mantinham ocupado. Ia para a escola de manhã, depois ia para a AMA (Associação de Amigos dos Autistas). “Por lá recebia o atendimento do profissional. Chegávamos em casa por volta das 19h30. A gente tinha uma rotina cheia”.

Nas periferias de São Paulo, tarefas como caminhada, ir à escola, pegar ônibus, se tornaram um desafio para as famílias de crianças autistas nessa quarentena

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AMA na cidade de São Paulo oferece atendimento no Cambuci @Divulgação

O autismo é conhecido cientificamente como TEA (Transtorno do Espectro do Autismo). É uma condição de saúde caracterizada por deficiência na comunicação social verbal e não verbal, também no comportamento, como interesse restrito e movimentos repetitivos, além da pouca capacidade de interagir.

Com o isolamento e a pandemia, as mães dizem que ter um filho autista requer muito cuidado e atenção.

Erida mora com os pais idosos num apartamento de quatro cômodos na Fazenda do Carmo, distrito de José Bonifácio, na zona leste de São Paulo. Por receber pensão de um salário mínimo do ex-marido, falecido, ela não teve direito ao auxílio emergencial e precisou de doações. 

Para dar conta das funções em casa, algumas alternativas foram pensadas, como ‘dar prêmios’ quando o filho faz uma tarefa, como pegar algum brinquedo. Um profissional da AMA também encaminha via internet vídeos diários de como ensiná-los em casa, mas nem sempre funciona. “Ele fica ansioso, irritado e não quer fazer”, pontua Erida. 

Situação parecida vive a cunhada da Erida, a dona de casa Luciene da Silva Ruiz, 40. Mãe de de Pietro, 12, ela chegou a adotar um cachorro para prender a atenção do adolescente. “Vi uma senhora perto de casa doando os cachorros. Estava com meu marido de carro e pedi pra parar, levei um para o meu filho. Coloquei o nome de ‘Badi’, comenta.

Luciene também relata desafios de ensinar em casa. “Precisa ter paciência, como ele não tem autonomia. Muitas vezes desiste de fazer um dever, como amarrar o tênis, colocar a camiseta, ajudar lavar a louça”, cita. 

Moradora de Guaianases, também na zona leste, se diz preocupada com o garoto. “Sinto que meu filho está regredindo, às vezes esquece de me chamar de mãe”. 

Semanalmente, o adolescente têm atendimento semanal, à distância, com um terapeuta da AMA, mas, segundo a mãe, isso não é o suficiente nessa quarentena, tendo em vista que ele tem sofrido com ansiedade e irritabilidade.

O marido dela trabalha como técnico de elétrica e faz ‘bicos’ para complementar a renda. Ela recebeu também cesta básica de doação da AMA para famílias atendidas.

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Aparecida Constantino e o filho Gabriel em São Paulo

A dona de casa Aparecida Constantino da Silva Barros, 62, mora em Ermelino Matarazzo com o marido autônomo e o filho Gabriel Luiz Barros, 33. “É muito complicado instruir meu filho em casa. Tenho a falta de estrutura financeira também”, observa. O filho é atendido pela AMA de Parelheiros, na zona sul da capital

Aparecida comenta que a rotina do rapaz era agitada. “Levantava às 5h da manhã, tomava banho, ia na AMA e ficava na oficina de artes. Depois voltava e ficava com a gente aqui”. 

“Tenho que vestir a roupa, ajudá-lo arrumar a cama, levar ao banheiro, sem a orientação de um profissional presencial, tudo fica mais complicado”.

Para a psicóloga e especializada em neuropsicologia Kamilla Pereira de Souza Gama, 26, a pandemia causada pelo novo coronavírus trouxe mudanças significativas na vida cotidiana das crianças autistas. 

“O distanciamento social e a abrupta interrupção dos hábitos têm intensificado os impactos na saúde, desde a desorganização sensorial e psicológica, até perdas motoras”, afirma.

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A psicóloga diz que reações emocionais e alterações comportamentais frequentes como a dificuldade de concentração, irritabilidade, medo, inquietação, tédio, sensação de solidão, alterações no padrão de sono e alimentação são algumas delas. 

Ela também diz que é essencial que profissionais da saúde atendam as famílias em situação extrema de vulnerabilidade. “A realização de encontros online com mediação de profissionais de referência, pela internet, telefone, aplicativos de mensagens, redes sociais, é desejável, constitui uma estratégia importante de promoção de saúde mental”, afirma. 

Kamilla acrescenta que a reinvenção na prática de algumas atividades lúdicas realizadas pelos pais, criar rotina proporcionando previsibilidade para criança, podem amenizar o estresse e trazer benefícios para as crianças autistas neste período de isolamento. 

A psicóloga alerta que o combate à Covid-19 não pode esquecer das peculiaridades dos autistas e as famílias em situação de vulnerabilidade precisam de acompanhamento. “Cabe ao poder público executar medidas para facilitar a sua inclusão social nesse momento e garantir os seus direitos”, cita. 

De acordo com a especialista, ações para flexibilizar o uso de máscara no isolamento social, a readaptação das atividades escolares, compreensão da cultura familiar e campanhas de conscientização no combate a discriminação são fundamentais. 

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Crianças têm tido dificuldade em se adaptar à nova rotina @Magno Borges/Agência Mural

OUTRO LADO

Procurada, a Prefeitura de São Paulo afirma que desde o começo da pandemia aumentou a interlocução com mais de 300 entidades que atuam em prol da pessoa com deficiência.

“Cerca de 100 dessas instituições de atenção à pessoa com transtorno do espectro autista, vêm recebendo doações de cestas básicas, kits de higiene, EPIs (Equipamento de Proteção Individual) e outros recursos específicos para cada local”, diz.

São atendidas diretamente e indiretamente mais de 23 mil famílias com entes com deficiência. Segundo a prefeitura, não foi destinada verba específica para cuidar dos munícipes com autismo, que foram atendidos com a dotação de recursos para as pessoas com deficiência em geral.

A prefeitura disse ainda que não foi destinada verba específica para cuidar dos munícipes com autismo, que foram atendidos com a dotação de recursos para as pessoas com deficiência em geral.

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Katia Flora

Jornalista com experiência em jornalismo online e impresso, tem publicações em diversos veículos, como Uol, The Intercept e é ex-trainee da Folha de S. Paulo no programa para jornalistas negros. Correspondente de São Bernardo do Campo desde 2014.

Lucas Veloso

Jornalista, cofundador e correspondente de Guaianases desde 2014.

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