Camila Lopes transforma memória e vivência afro em roupas que comunicam ancestralidade, orgulho e liberdade
Arquivo pessoal
Por: Jessica Silva
Notícia
Publicado em 08.05.2025 | 17:14 | Alterado em 08.05.2025 | 10:42
Ponto a ponto, a trajetória de Camila Lopes, 35, na moda, é costurada desde a infância com afeto, identidade e resistência. Moradora de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, ela é criadora da Criôla, marca de roupas afro carregada de ancestralidade.
“Sempre me vesti com roupas feitas pela minha avó materna e pela minha mãe. Sou neta de costureira, e esse universo da moda sempre esteve presente na minha vida.”
Mesmo com esse histórico na família e formada em moda, Camila conta que nunca se imaginava uma “artista têxtil” e chegou a ter outras pretensões profissionais. “Iniciei minha trajetória profissional em hotelaria e comecei a cursar turismo no terceiro ano do ensino médio”, relembra.
Camila Lopes expondo na feira do coletivo Ciranda em frente ao Centro Cultural, em Mogi das Cruzes @Jessica Silva/Agência Mural
Após três meses, começou a trabalhar em uma loja “fast fashion” no centro de Mogi, onde permaneceu por três anos e sentiu despertar o interesse em estudar moda. Durante um trabalho na rua Oscar Freire, na zona oeste da capital paulista, Camila percebeu que o modo como se vestia chamava a atenção das pessoas.
Decidiu investir em conhecimentos manuais e começou um curso de corte e costura. Aos poucos, passou a desenvolver modelagens próprias e encontrou na afrobrasilidade um caminho para expressar sua história. Ali surgia a semente da marca.
“Fiz alguns cursos livres e, em seguida, me mudei para São Paulo, onde trabalhei por anos com vendas em shoppings de artigos de luxo”, relata. Ela lista que atuou com visual, merchandising, consultora de moda, stylist e produtora de moda no espaço.
Peças produzidas exclusivamente pela Criôla @Divulgação/Brigida Martins
Peças são feitas sob medida para os clientes @Divulgação/Danilo Duvilierz
Modelo com casaco oversized Senegal da Criôla @Divulgação/Brigida Martins
Versatilidade das roupas é uma das marcas registradas da Criôla @Divulgação/Danilo Duvilierz
Apesar de contar com uma rede de apoio local, Camila explica que a Criôla não foi pensada para a cidade. “Sou residente de Mogi, todo meu suporte e rede de apoio se encontram aqui. Mas não foi um trabalho pensado especificamente para Mogi das Cruzes”.
Para ela, a valorização da moda afro no município ainda é limitada. “Quem me acessa para consumir está fora de Mogi. Aqui, a consciência sobre o trabalho negro ainda é precária”, reflete.
A identidade da Criôla tem como propósito exibir a diversidade da beleza negra em todas as dimensões.
‘Minhas referências culturais são o resgate da minha ancestralidade, a cultura africana, indígena e brasileira’
Camila Lopes
A pedagoga Marina Helena do Santos Vieira, 28, moradora do bairro Vila Cintra, em Mogi, aponta entraves em relação à diversidade na região. Ela afirma que em Mogi, onde 41% da população se declara parda ou preta, a questão da identidade negra ainda caminha em ritmo lento.
Ela afirma que há grupos e locais específicos destinados ao fortalecimento e resgate da comunidade negra na cidade em que são valorizadas e enriquecidas as raízes da cultura. “Mas todas dentro de nichos, ou bolhas isoladas, e não, como um movimento ou um compromisso social que alcance o município como um todo”, explica.
Embalagem da marca Criôla @Arquivo pessoal
Para Marina, embora as discussões tenham sido ampliadas em relação ao lugar das pessoas pretas e sua representatividade na estrutura social, a distância entre o discurso e as práticas ainda é grande.
A pedagogia diz que é necessária uma certa organização coletiva em prol do fortalecimento desses grupos, para que gerações futuras possam crescer com mais referências e pertencimento.
“Acredito que aí está a grande importância de favorecer e fomentar políticas e iniciativas voltadas à identidade negra, o resgate e a representatividade”, observa.
Ser uma artista independente preta e não ter recursos financeiros para grandes investimentos estão entre os desafios enfrentados por Camila no ramo da moda afro.
“Tive a utopia de achar que com um diploma eu teria acessos, e hoje entendo que trabalhar com a marca Criôla é contradizer tudo que esperam da mulher negra, a Criôla é meu protesto pacífico a todo e qualquer segmentação da mulher preta”, conclui.
Peças podem ser encomendadas pelo Whatsapp ou Instagram da marca @usecriola @Divulgação/Danilo Duvilierz
Com grande parte das modelagens da marca sendo autoral, Camila explica que as roupas foram estudadas e elaboradas para valorizar a diversidade das silhuetas. Ela busca a diversidade de estilos e a cultura aparece representada nos tecidos, cores e estampas.
“Além de serem peças únicas em sua maioria, não produzimos séries ou grades de tamanho do mesmo modelo”, conclui.
A venda é direta com o cliente, por encomenda, via WhatsApp e Instagram (@usecriola), que conta já reúne mais de 3 mil seguidores.
Além da marca, Camila também coordena um coletivo chamado “Ciranda”, que promove eventos culturais e oficinas manuais.
“Mais uma vez investi em conhecimentos e atualmente presto outros serviços relacionados a moda e que complementam os benefícios para a marca, como: consultoria de imagem, coloração pessoal, sou arte educadora, e ministro oficinas de corte costura, bordado manual”, finaliza.
Camila segue firme na missão de expandir a identidade negra através da moda. “Cada desafio é uma oportunidade. Sei onde quero chegar e continuarei fortalecendo a Criôla com meus valores e propósitos”.
Para outras mulheres negras que desejam empreender na moda, ela aconselha: “Persista e tenha um propósito. Fortaleça a comunidade negra e resgate nossa ancestralidade. O caminho não é fácil, mas é necessário.”
Jornalista formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, Pedagogia e Mestra em Educação pela PUC-SP. Ama fotografias, séries, filmes e não vive sem Netflix. Correspondente de Mogi das Cruzes desde 2013.
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