Léu Britto/Agência Mural
Por: Matheus Oliveira
Notícia
Publicado em 07.07.2023 | 15:35 | Alterado em 07.07.2023 | 15:37
O estudante Cristian Suarez Temo, 12, gosta de falar sobre a história da Bolívia, país onde nasceu. “Já contei da história boliviana, que antes nós tínhamos o mar, mas o Chile pegou de nós”, conta o aluno que tem amigos brasileiros, peruanos e colombianos. “Antes o Acre era da Bolívia”, acrescenta sobre o estado do norte do Brasil.
Cristian é um dos 54 alunos de diversas nacionalidades que estuda o ensino fundamental na escola estadual Antonieta de Souza Alcântara, na zona leste de São Paulo.
Localizada entre as avenidas Bento Guelfi e Jacu Pêssego, no Jardim das Laranjeiras, no distrito Iguatemi, a unidade concentra bolivianos, haitianos, nigerianos, entre outras nacionalidades.
A Agência Mural esteve na unidade e traz os relatos dos alunos de como é estudar e viver no Brasil.
Cristian nasceu na Bolívia, veio para o Brasil com nove anos de idade e está há cinco meses no colégio. Uma realidade que é vista em várias unidades. Mais de 8.000 alunos de outros países estão matriculados por todo o estado de São Paulo.
A estudante haitiana Berlanda Delango, 14, por exemplo, está no Iguatemi há um ano e confessa que gosta de fofocar com os amigos e conversar sobre o futuro.
“Tenho amigos brasileiros e bolivianos, os mais próximos são os haitianos. Os brasileiros sempre perguntam ‘como fala isso em criolo’. Eu gosto de ensinar, só que eles ficam pedindo para falar palavrão. Aí eu mudo de ideia”, conta Berlanda.
Boa parte dos imigrantes da escola vivem na Ocupação Nova Laranjeiras, que fica perto da unidade, uma característica do distrito do Iguatemi. A 21 quilômetros do marco zero da Praça da Sé, o distrito faz divisa com bairros de Cidade Tiradentes e a cidade de Mauá, e novos moradores em busca de regiões com alugueis mais baixos ou áreas livres se deslocaram para o bairro.
Por virem de outros países, as crianças tiveram contato com sistemas de ensino diferentes ao brasileiro. Berlanda afirma que os alunos que conversam demais são agredidos pelos professores no Haiti.
“A diferença da escola no Haiti é que se você não faz uma coisa, você já apanha”, compara a estudante. No Brasil, diz que é possível conversar mais com os colegas pela diferença na rigidez.
A aluna Berlineda Joseph, 12, nasceu em Porto Príncipe, capital do Haiti, e conta que lá os alunos também são punidos caso não façam as tarefas corretamente. “A diferença é que lá [Haiti] eles batem, aqui não. Batem muito se você não sabe fazer a lição na aula. Bate se você não faz tem lição de casa.”
No caso dos estudantes bolivianos os relatos são como o estudo é mais profundo nos anos iniciais. Cristian recorda sobre o ensino boliviano. “O estudo é mais forte, por exemplo, a divisão se ensina no segundo e no terceiro ano. E a história da Bolívia se ensinava no segundo ano do ensino fundamental”, relata.
Yenifer Flores Mita, nasceu em La Paz, capital da Bolívia, e veio para o Brasil com cinco anos de idade. Mesmo tendo estudado pequena, se lembra da educação no país natal.
“Antes da entrada canta o Hino Nacional. Todo mundo faz fila e canta. Depois do Hino Nacional a gente entra para escola”, relembra.
“Tinha o professor normal, professor educação física, arte, professor de música. Na aula de música a gente senta numa rodinha e ele toca e a gente vê”, completa Yenifer.
A diversidade de culturas faz com que os alunos aprendam a conviver com as diferenças, afirmam os alunos.
“O especial é que aqui cada um tem a sua história. Você pode falar o que quiser da sua cultura e eles ouvem e você ouve a deles também”
Berlanda, aluna nascida no Haiti
Além de lidar com o outro, a presença dos estudantes imigrantes possibilita o reconhecimento do próprio aluno como indivíduo.
A aluna boliviana Jussara Elayna Hurnarh, 13, nasceu em La Paz e está em São Paulo desde os dois meses de vida. Por ter chegado tão nova ao país foi o convívio com alunos de outras nacionalidades que permitiu a ela se aceitar como uma pessoa vinda de outro lugar.
“Sou boliviana e tenho consciência disso. Começam a te julgar por sua própria aparência. Isso intimida, te deixa mais desconfortável e mais inseguro”, justifica Jussara.
“Quando alguém fala ‘você é boliviana’ falo ‘eu sou mesmo’. Eu estou aqui para ser alguém, quero dar orgulho para a minha terra natal”
Jussara, estudante vinda da Bolívia
Jornalista, educomunicador e correspondente de São Mateus desde 2017. Amante de histórias e de gente. Olhar sempre voltado para o horizonte, afinal, o sol nasce à leste.
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