“Eu sou um instrumento do hip-hop.” É assim que Maria Preta, 27, se define. Cria de Poá, na Grande São Paulo, Victoria Maria é cantora, compositora, dançarina e mãe. Hoje ela soma mais de 9 mil ouvintes mensais no Spotify e chegou ao Netflix em 2024, quando foi uma das protagonistas do reality Nova Cena e ganhou projeção nacional.
Apresentado por Tasha e Tracie, Djonga e Filipe Ret, o programa buscava por talentos para representar uma nova geração de rappers no Brasil.
A participação dela como a única pessoa indígena no reality teve uma representatividade forte. “Estou digerindo o que significa tudo isso.” Nos últimos anos, Maria tem aprofundado o processo de retomada da ancestralidade, “Cresci ouvindo histórias, mas só agora estou entendendo o quanto isso moldou minha trajetória.”
Show da Maria Preta em Juiz de Fora neste ano @Arquivo pessoal/Divulgação
No começo da carreira, Victoria se apresentava como “Morena”, já que “Vic” era muito comum. Mas trocou o nome artístico ao se reconhecer enquanto mulher preta, passando a usar Maria Preta, que também remete a uma planta resistente, comum em áreas urbanas.
Antes de alcançar o streaming, ela já estava no corre do rap há pelo menos 12 anos. Rimando entre amigos, começou a desenvolver seu freestyle (rima improvisada) até vencer a primeira disputa: a Batalha do Grau, em Poá, da qual foi uma das fundadoras. “Foi meu pontapé inicial como MC de batalha”, relembra.
Maria até tentou ter uma vida convencional. Trabalhou como atendente de telemarketing em uma empresa no Brás, na região central de São Paulo. Em paralelo, começou a produzir os primeiros fanzines (folheto de poesias). “Tenho mais de 50 edições espalhadas pelo mundo”, celebra.
Apresentação de Maria Preta e Mc Luanna para o reality Nova Cena @Netflix/Divulgação
No caminho até o trabalho, pela linha Coral da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), ela começou a ver a arte como uma possibilidade. “Comecei a compor no trajeto e ter sede de trabalhar no vagão, eu tinha alguns amigos que já recitavam poesias para as pessoas no trem, aí pensei ‘por que não?’”
Após ser demitida, passou a viver como aprendiz de artistas de rua, vendendo fanzines, fazendo freestyle e apresentações.
‘Rimei no vagão, rimei em ônibus. Foi nessa que eu fiz mochilão, rimei em rua, em praça, na praia e comecei a ganhar minha grana’
Maria Preta, cantora
Maria Preta durante seu mochilão @Arquivo pessoal/Divulgação
Caminhando na estrada durante seu mochilão @Arquivo pessoal/Divulgação
Fanzines produzidos pela a artista @Arquivo pessoal/Divulgação
Durante um mochilão de quase três anos, a vida dela começou a tomar um novo rumo. Passou por diversas cidades do interior e do litoral paulista até o Rio de Janeiro. “Troquei minha mala por uma mochila e fui indo.”
Em 2017, Maria participou de um projeto da ONG Gerando Falcões em parceria com a Motorola, que convidou artistas das quebradas para gravar um CD. Assim ela conseguiu lançar o primeiro EP.
Após a participação no Nova Cena, a artista precisou deixar as batalhas para dar um passo adiante na carreira. “O freestyle de batalha tem uma adrenalina muito única, que eu sinto saudade, mas não é o plano que tenho para minha carreira.”
Hoje, seu processo de composição acontece dentro do estúdio, mas o freestyle continua fazendo parte do seu trabalho. “Escrevo literalmente em qualquer momento”, explica.
A maioria das faixas são produzidas no estúdio Forte Abraço, no Itaim Paulista, na zona leste de São Paulo. Entre elas, uma se destaca: Armadilha. “É o primeiro som da minha vida que consegui ouvir sem me julgar. Amo muito essa música.”
Ver o trabalho ultrapassar as fronteiras das quebradas e alcançar novas audiências foi um dos marcos dessa nova fase. “Cheguei na Netflix e, por causa disso, cheguei na Globo. Minhas referências me seguem. O Sombra do SNJ me segue, o Mano Brown me segue.”
Ela relata que pessoas fora da sua bolha, inclusive um público mais velho, começaram a acompanhá-la.
Maria Preta no evento da Netflix @Arquivo pessoal/Divulgação
Sobre o futuro, Maria é misteriosa: “Um bom jogador nunca revela seus próximos passos”. Mas, apesar disso, ela diz que vem muita coisa por aí, “teremos clipes, singles, feats e um novo álbum em breve.”
Jornada tripla
“Quando a gente é mãe solo e artista independente sempre é uma jornada dupla.” Apesar de ter conquistado uma projeção nacional, Maria define a rotina como de “dona de casa”, dividindo o tempo entre os compromissos profissionais e os cuidados com a filha, Solara.
Ela mora perto da família em Poá, “Conto com a ajuda deles e dos meus amigos como rede de apoio pra minha filha.” Mesmo com essa assistência, ela conta que Solara a acompanha em alguns trabalhos. “É importante dizer enquanto artista e mãe solo, que é uma jornada independente da rede de apoio.”
Maria Preta canta com a filha Solara em um evento @Arquivo pessoal/Divulgação
Além do desafio de conciliar carreira e maternidade, a artista ainda cria conteúdos para internet. “Comecei a compartilhar as minhas vivências na época do mochilão, foi quando comecei a atingir mais pessoas.” Nas redes, Maria mostra a rotina, faz desafios de rima, interage com seguidores e conta sobre a correria da vida de artista.
Artista independente
“O lance de ser uma artista independente é que ninguém fala o que a gente tem que fazer. Não tem um curso que te ensine como gerir sua carreira”, conta. Ela cuida de tudo: “Eu não trabalho só quando estou no palco ou nas telas. Tenho que conseguir os acessos para estar nesses lugares.”
“A maior dificuldade é ser respeitada nesses ambientes, dentro de todos os meus recortes é difícil trabalhar no meio da música. É você ser mulher, periférica, negra ou indígena, sempre vai representar alguma minoria e na música isso não é diferente”, desabafa.
Além dos palcos, a cantora administra a própria carreira @Arquivo pessoal/Divulgação
“Na arte, também existe racismo, machismo. A partir daí, como em várias áreas de trabalho, as mulheres ganham menos e são menos ouvidas.”
Mesmo com todas as dificuldades, Maria Preta segue firme no propósito de viver da arte. “Eu não nasci para outra coisa”, afirma. E completa: “Eu sou uma mulher lutando contra o mundo pra poder fazer música e viver dignamente da minha arte.”

