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De ruas numeradas a rapper de sucesso, Cohab 1 celebra 42 anos com livro histórico

A obra “40 Anos de Janela - Livro Comemorativo dos Quarenta Anos da Cohab I”, foi editado pelo Movimento Cultural Penha

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Matheus Alves

Por: Lucas Veloso

Notícia

Publicado em 09.03.2020 | 11:28 | Alterado em 09.03.2020 | 11:28

RESUMO

A obra “40 Anos de Janela - Livro Comemorativo dos Quarenta Anos da Cohab I”, foi editado pelo Movimento Cultural Penha

Tempo de leitura: 5 min(s)

Na década de 1970, a Prefeitura de São Paulo construiu milhares de casas na zona leste. Sem nome nas ruas e com prédios parecidos, era comum ver pessoas perdidas para achar endereços. A confusão era comum entre os próprios moradores da região. A solução encontrada foi numerar as ruas.

A dona de casa Marli Estevam, 52, mora na Cohab 1 desde a década de 1980. Ela lembra que o comércio local era feito em peruas, com produtos que lembravam um mercado, como arroz, feijão e itens de limpeza. “Foi depois de alguns anos só que surgiu o ‘Takara’, um mercado que tinha um ônibus de ida e volta para os clientes”, diz. “Ele fazia um verdadeiro tour pelo conjunto habitacional, e acho que é por isso que eu conheço bem cada palmo desse chão”.

Essas são algumas memórias coletivas de quem mora no Padre Manuel da Nóbrega e no Padre José de Anchieta, dois conjuntos habitacionais no bairro de Artur Alvim, distrito da Subprefeitura da Penha, conhecidos como Cohab 1.

As histórias da região ganharam as páginas do livro “40 Anos de Janela – Livro Comemorativo dos Quarenta Anos da Cohab I”, editado pelo Movimento Cultural Penha, e lançado na última quinta-feira (4).

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Um dos prédios da Cohab 1, na zona leste @Matheus Alves/Divulgação

A obra contém pesquisa do professor Anderson Kazuo Nakano sobre o atual perfil dos moradores e uma análise do professor Tiaraju Pablo D’Andrea sobre a geografia e a relação do bairro com o entorno, além de artigos sobre alguns aspectos da região, escritos pelos historiadores Mauricio Dias Duarte, Lucas Florêncio Costa e a fotógrafa Merylin Nunes.

As páginas ainda trazem entrevistas com lideranças do bairro e de entidades envolvidas nas demandas sociais da população. Outra parte do livro é um ensaio fotográfico feito por fotógrafas, moradores da zona leste.

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A diretora pedagógica Vanessa André, 45, lembra da infância na Cohab, quando se reunia com amigos para se divertir. “Lembro de quando andava de patins, pegando ‘rabeira’ nos ônibus e ia até a Praça do Morcegão, e depois pegava um carrinho de rolimã”, conta. “Nos anos de Copa do Mundo, todos passávamos arrecadando dinheiro nos apartamentos para pintarmos a rua”, completa. 

Outra memória marcante para Marli são os bailes de formatura, ‘todos animados e tinham curtição garantida’, garantiu.

“Ser cohabense é ter praticado desde sempre o espírito da diversidade, pois fiz muitos amigos de crenças, valores e segmentos variados durante a minha trajetória na querida e amada Cohab”, define Marli Estevam, moradora do bairro.

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Julio Cesar Marcelino é membro do Movimento Cultural Penha e um dos organizadores do livro @Divulgação

Segundo informações da Prefeitura, o distrito de Artur Alvim conta com mais de 100 mil pessoas, entre eles, o fotógrafo Matheus Alves, 24, nascido e crescido na Cohab 1.  Ele lembra que o local tinha poucas oportunidades e chances de ‘uma vida melhor’. 

Alves começou a trabalhar na região, em frente da ‘famosa rua da feira de sábado’, como diz. Aos 8 anos já vendia cebola e alho. Com 14 anos, vendeu produtos mineiros, como queijo e iogurte. Dois anos depois, atuou como cobrador de ônibus na linha entre o Shopping Aricanduva e o terminal de Itaquera. 

Foi como cobrador que Matheus descobriu sua profissão. “Comprei um celular com câmera de um amigo que era fiscal da linha e comecei a fazer fotos do bairro. Desde então, juntei R$ 10 em moedas todos os dias. Em sete meses consegui comprar uma câmera digital”, lembrou.

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“Eram muitas fotos da natureza, da lua, das antenas parabólicas em cima dos prédios, todas elas pelo bairro. Tem muita beleza aqui”, afirmou à Agência Mural em matéria de abril do ano passado

Além de garantir o dinheiro para comprar os equipamentos, conhecer o bairro e as pessoas dali foram duas contribuições do trabalho no transporte público. “Hoje eu vejo o bairro como se fosse uma cidade, são muitas pessoas morando aqui”, comenta. 

Como fotógrafo, Alves se dedica a registrar o dia a dia da Cohab 1, por meio de drones e seus equipamentos. Entre as produções, estão fotos panorâmicas , todas publicadas na página Imagens Suburbanas

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Fotógrafo, Matheus retrata cenas do bairro da zona leste @Giácomo Vicenzo/Agência Mural

Para ele, a periferia é sempre vista de forma negativa. “Muitas pessoas, acham que é inaceitável um jovem como eu, sair da zona leste e conquistar o mundo com a fotografia”, diz. “Procuro mostrar a Cohab 1 através da fotografia de uma forma diferente da qual enxergamos no dia a dia, dando vida ao bairro e valorizando  o local através do por do sol, um amanhecer, ou até mesmo com o contraste dos prédios”, completa.

COHABS DA ZONA LESTE

Ainda na década de 1970, foram construídos os conjuntos José Bonifácio (Itaquera II), o Teotônio Vilela (Sapopemba), Cidade Tiradentes (Guaianases), Parada de Taipas (Brasilândia) e Adventista (Campo Limpo). A arquitetura é comum nos apartamentos da Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo).

De acordo com o livro ‘São Paulo: 450 bairros, 450 anos’, escrito pelo jornalista Levino Ponciano e publicado pela editora Senac São Paulo, na década de 1970, a cidade de São Paulo enfrentou ocupações de áreas urbanas. 

Com isso, os governos foram obrigados a buscar soluções rápidas para evitar ‘perdas políticas e gente aparecendo na mídia com cartazes xingando os políticos’. Por conta das mobilizações populares, nasceram as moradias na região. 

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Nascido e crescido na Cohab 1, Rincon Sapiência diz não esquecer suas origens @Divulgação

RINCON SAPIÊNCIA

No ano em que a Cohab 1 tinha sete anos, em 1985, nascia Danilo Albert Ambrósio, mais conhecido como Rincon Sapiência ou Manicongo. O rapper é, hoje, o morador mais famoso que nasceu na região. 

Em suas produções, Sapiência não deixou de lado suas origens. Um exemplo é o clipe “Primeiro Volante (Verso Livre)”, música que encerra o álbum “Mundo Manicongo: Dramas, Danças e Afroreps”. 

A Cohab 1, onde ele nasceu e cresceu, foi cenário escolhido para retratar a atmosfera pensada na faixa. 

Na época do lançamento, o rapper ressaltou a ligação pessoal e geográfica com o espaço onde viveu. “Eu acho que é de extrema importância registrar os lugares do bairro e o que eles representam, como os campos e os times de futebol. Mesmo em clipes com outras linguagens, que não pedem minha quebrada como locação, eu sempre procuro uma forma de voltar pra ela”, explicou Rincon.

Outras personalidades brasileiras já moraram na região, garantem os moradores. Entre elas, a cantora e apresentadora Simony Galasso, famosa por ter integrado a Turma do Balão Mágico, nas manhãs da TV Globo entre os anos de 1983 e 1986.

Outros exemplos são a atriz Jennifer Nascimento e o ex-zagueiro do Corinthians, Marcos Baricala, o Baré, revelado no início dos anos 1990 pelo clube. Ao lado do volante Embu, formou uma dupla apelidada de “Bambu” no Campeonato Brasileiro de 1993.

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Lucas Veloso

Jornalista, cofundador e correspondente de Guaianases desde 2014.

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