Mulheres questionam a efetividade das políticas de enfrentamento à violência na cidade; Prefeitura diz que proteção das vítimas é uma prioridade
Por: Redação
Publicado em 30.04.2020 | 23:15 | Alterado em 30.04.2020 | 23:15
O estado de São Paulo adotou medidas de restrições de circulação por conta do novo coronavírus (covid-19) desde o dia 24 de março. O período de quarentena durante a pandemia, no entanto, trouxe outro problema: o aumento nos registros de violência doméstica contra as mulheres.
Entre os dias 20 de março e 13 de abril deste ano houve um aumento de quase 20% de pedidos de socorro à Polícia Militar (PM) em relação ao mesmo período em 2019. Foram 7.933 ocorrências em 2020, contra 6.624 no ano passado. As informações foram divulgadas pelo jornal Folha de S.Paulo com dados obtidos pela Secretaria da Segurança Pública (SSP).
Keli Oliveira, 39, é coordenadora em um centro que atende mulheres em situação de violência na zona leste da capital paulista. Ela relata que os movimentos feministas já vinham anunciando, antes da quarentena, que o isolamento social poderia impactar negativamente a vida das mulheres.
“Dado os altos números de feminicídio que a gente tem no Brasil, e com a configuração de isolamento social, essa seria uma realidade, sobretudo num país onde a violência doméstica e tantas outras fazem parte do cotidiano das mulheres”, diz.
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Em 2019, foram contabilizados 182 casos de feminicídio no estado de São Paulo; 68% deles ocorreram em casa e 79% têm autoria conhecida (a maioria por companheiros ou ex-companheiros das vítimas).
“Sempre foi muito dito que a casa é um espaço perigoso para as mulheres viverem”
Keli Oliveira, coordenadora
A psicóloga Danielle Braga, 30, atua em coletivos de proteção às mulheres em distritos da zona sul de São Paulo, como Capão Redondo, Campo Limpo e Jardim São Luís. Ela considera que o aumento de 20% nas chamadas telefônicas para a PM é um número abaixo da realidade.
“Há os registros pelo número 190, mas, e as mulheres que não chamam ou não confiam na polícia? Os conflitos são bem maiores. Muitas mulheres ficam literalmente no silêncio”, questiona.
Daniele também diz que, com o enfraquecimento da rede de proteção de mulheres por parte de políticas públicas, o trabalho de orientação e proteção das mulheres mais pobres fica muito a cargo dos coletivos feministas que atuam nas periferias.
“Uma das fragilidades nas periferias é que, muitas vezes, as mulheres não têm informações de como combater a violência e de como rompê-la”, diz Danielle. “A violência continua acontecendo, mas não é dada nenhuma solução prática para isso”.
Em relação às políticas públicas, Keli desaprova a forma como os serviços de denúncias existentes são disponibilizados para a população feminina: “Não existe uma política de enfrentamento à violência, nem no estado, muito menos na cidade de São Paulo”.
“Quando a gente fala deste tipo de política, a gente está falando de uma série de coisas. Apenas a construção e a abertura de serviços e equipamentos não significam uma rede de enfrentamento”, explica.
QUESTÕES ECONÔMICAS
A ONU (Organização das Nações Unidas) publicou, em março, um documento em que avalia as implicações da covid-19 nas mulheres da América Latina e do Caribe. No texto, é dito que “o impacto econômico da pandemia pode criar barreiras adicionais para deixar um parceiro violento”.
Para Keli, a questão econômica também contribui para a falta de segurança das mulheres, uma vez que surge em situações onde a violência doméstica já está instalada. Mas não se resume a isso.
“Não dá para desassociar a questão da violência doméstica com a violência econômica promovida pelo Estado. Mas toda crise econômica, política ou social agrava as situações de violência”, conta.
Danielle responde que a situação atual tornou mais evidente os problemas sociais e econômicos enfrentados pelas mulheres.
“O isolamento social e a pandemia revelaram e deixaram muito escancarados os problemas sociais que a gente já vinha enfrentando, falando e sentindo na pele há muito tempo”
Danielle Braga, psicóloga
Uma pesquisa recente feita pelo Data Favela e pelo Instituto Locomotiva em 260 comunidades de todos os estados do país mostra que 8 em cada 10 mulheres tiveram diminuição na renda mensal desde o início da pandemia do coronavírus. Do total, 47% são autônomas ou trabalham sem carteira assinada.
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Além disso, de acordo com o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), no último trimestre de 2019, as mulheres receberam, em média, 22% a menos do que os homens. Elas também são as mais afetadas pelo desemprego: 13,1% das brasileiras têm taxa de desocupação (em 2019) contra 9,2% entre os homens.
POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA
Ao 32xSP, a Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) e de sua Coordenação de Políticas para Mulheres, esclarece que continua dando prioridade às questões relacionadas à proteção das vítimas de violência doméstica durante a pandemia.
Para isso, informa que os Centros de Referência à Mulher em Situação de Violência (CRMs) e os Centros de Cidadania da Mulher (CCMs) estão de portas abertas, atendendo em horário reduzido, das 10h às 16h, em função das medidas de emergência decretadas pela Prefeitura.
A Casa da Mulher Brasileira, que reúne diferentes serviços, como a Delegacia da Mulher, está em atividade durante 24 horas. Mulheres surdas também podem ser atendidas pela Central de Intermediação em Libras disponível no local, que fica na rua Vieira Ravasco, 26, no Cambuci (região central).
“Todas as orientações de saúde foram repassadas às servidoras e a higiene reforçada com procedimentos como o uso do álcool em gel na recepção do público e de equipamentos de proteção individual”, explica a SMDHC.
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Em meio à pandemia de covid-19, a Prefeitura diz que tem tomado cuidados de prevenção, adotados na chegada de vítimas às casas de acolhimento, para assegurar que elas não estejam com o novo coronavírus e possam infectar outras mulheres que já estão no local.
“Até o presente momento, não registramos casos de mulheres e crianças acolhidas pelas Casas de Abrigo e de Acolhimento com sintomas de covid-19. Entretanto, a SMDHC está atenta para observar os sintomas característicos da doença desde a abordagem inicial e encaminhar, caso necessário, as pessoas aos serviços de saúde da região”, explica.
A Prefeitura também diz que, com a necessidade de confinamento para a prevenção da covid-19, houve uma redução de cerca de 80% na procura por atendimento e, consequentemente, um aumento no número de chamadas telefônicas de orientações. Contudo, não informou o número de ligações realizadas desde o início da quarentena.
COMO DENUNCIAR?
O Governo do Estado de São Paulo recebe notificações de crimes de violência doméstica pela internet, através da Delegacia Eletrônica da Polícia Civil de São Paulo. A denúncia também pode ser feita pelo telefone 190, da Polícia Militar.
Para denúncias ou orientações por telefone, a Prefeitura de São Paulo e o governo federal divulgam três canais de atendimento:
1 – Casa da Mulher Brasileira: (11) 3275 8000
2 – Rede Nacional de Proteção à Mulher: Ligue 180
3 – Coordenação de Políticas para as Mulheres: (11) 2833 4252
Além disso, as ocorrências de agressão podem ser registradas nas Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs), da Secretaria da Segurança Pública. A cidade de São Paulo tem nove delegacias: sete funcionam durante 24 horas por dia e duas ficam abertas de segunda a sexta-feira, das 9h às 19h. Veja os endereços abaixo:
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