Divulgação/Governo do Estado de São Paulo
Por: Cleberson Santos | Patrícia Vilas Boas
Notícia
Publicado em 26.09.2022 | 15:49 | Alterado em 27.09.2022 | 13:43
Quem vive nas periferias sabe como o período eleitoral tem como tradição as famosas “visitas” de políticos que raramente vão a essas regiões durante o mandato, além do uso de símbolos regionais para apresentar como “do povo”. Nas aldeias indígenas da Grande São Paulo, que também estão situadas em regiões periféricas, a situação não é diferente.
“Esse período é muito cansativo, muito chato. Nas campanhas para prefeito foi uma chatice muito grande”, relata a enfermeira e assistente social Vanuza Kaimbé, 52. “Candidatos que são inimigos dos povos indígenas, contra o nosso território, fingindo ser amiguinhos. Quando ganham, nos desprezam e não levam políticas públicas para dentro das aldeias.”
Esse assédio “chato”, somado à falta de atenção da classe política, tem servido de motivação para a candidatura de moradores dos próprios bairros já há algumas eleições. Em 2022, percebe-se movimentação semelhante também entre os povos originários.
Vanuza, que foi a primeira brasileira indígena a ser vacinada contra a Covid-19 no Brasil, está disputando uma vaga na Câmara Federal por meio da candidatura Coletiva Povos Indígenas (PSB), formada por nove candidatos.
“Os políticos estão sabendo que temos vários candidatos indígenas. Não pode uma pessoa chegar aqui na minha aldeia, pedir voto do meu parente, sabendo que tem eu como candidata”, afirma Vanuza.
Ela atualmente mora no Itaim Paulista, zona leste da capital, mas até pouco tempo vivia na Aldeia Multiétnica Filhos da Terra, em Guarulhos, na Grande São Paulo.
A falta de representatividade não foi o único motivo para Vanuza e os demais candidatos da coletiva buscarem a política institucional. Os últimos quatro anos sob o governo de Jair Bolsonaro (PL) na presidência têm sido de constante ataque aos povos indígenas e à biodiversidade brasileira.
Para Vanuza, esse cenário despertou o sentimento de que somente as manifestações em Brasília eram “insuficientes” para que os indígenas se fizessem ouvidos.
“Ninguém vai defender o que não conhece. Nós sabemos o que queremos, sabemos o que é melhor para a gente e sabemos o que é melhor para a humanidade”
Vanuza Kaimbé, 52, co-candidata a deputada federal
A percepção de que as aldeias indígenas são “deixadas de lado” pela classe política, tal como as periferias, é reforçada por Mateus Wera, 26. Ele é uma liderança guarani na região do Jaraguá, zona norte de São Paulo, e trabalha como comunicador e educador.
“Por muito tempo lutamos para que seja mudada essa visão [de abandono das aldeias e periferias]. O que trazemos são propostas de como trabalhar a sustentabilidade nesses espaços, para que volte a ser como era antes, meio ambiente e sociedade juntos”, conta Mateus.
Para ele, os diversos problemas ambientais enfrentados pelas periferias, como córregos ao ar livre e descarte irregular do lixo, têm relação direta com o descaso histórico do Brasil sobre a população indígena.
“A sociedade tem que entender que esses problemas que vêm acontecendo não são só problemas dos povos indígenas, mas sim de todo mundo, porque o tempo está passando rápido demais. Se não fizermos algo para mudar isso, será tarde demais.”
De acordo com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), 180 candidatos autodeclarados indígenas estão disputando esta eleição em todos os estados brasileiros. Com exceção da presidência, todos os cargos contam com pelo menos um candidato indígena. Na última eleição geral, em 2018, o número foi menor, de 124.
Destes 180, 13 participam do pleito pelo estado de São Paulo, sete candidatos a deputado federal e seis a deputado estadual.
Para Mateus, os eleitores precisam ver essas candidaturas como o “último recurso” para uma melhora na luta contra a crise climática. “A sociedade tem que procurar enxergar que esses protetores da natureza podem fazer a diferença”, afirma.
“Procure conhecer, saber das histórias e entender quais meios os candidatos trazem para a sustentabilidade e a luta contra a crise climática no país e no mundo”
Mateus Werá, morador do Jaraguá
A Coletiva Povos Indígenas, que conta com a participação da Vanuza Kaimbé, não entrou na contagem das candidaturas indígenas. A co-deputada que aparecerá na urna, a professora Iracilda Lopes, autodeclarou-se branca ao TSE.
“[A Iracilda foi a escolhida como o ‘rosto na urna’] porque era ela a pessoa que estava filiada ao PSB, porque muitos de nós co-deputados nem somos filiados a nenhum partido, vamos nos filiar depois das eleições”, aponta Vanuza. Ela e Alex representam a etnia Kaimbé, enquanto Nilson, Paulo, Suelen, Ivan, Sérgio e Aldina são da etnia Guarani e também fazem parte da coletiva.
“As lideranças nas aldeias estão vendo que não adianta só ficar na mão dos políticos que vão lá de quatro em quatro anos para dizer que é amigo do indígena, colocar cocar na cabeça, mas que vota tudo contra a gente. É por isso que eles, nas aldeias, aceitaram participar dessa coletiva”, conta Vanuza.
“A gente não queria precisar entrar, ser candidato. A gente queria continuar sendo os guardiões da terra. Só que não dá mais para confiar nessas pessoas que só pensam na ganância, que só pensam no dinheiro e não pensam na vida”.
Correspondente do Capão Redondo desde 2019. Do jornalismo esportivo, apesar de não saber chutar uma bola. Ama playlists aleatórias e tenta ser nerd, apesar das visitas aos streamings e livros estarem cada vez mais raras.
Jornalista em formação. Curiosa, gosta de sol, praia e um bom livro nas horas vagas. Correspondente da Vila Curuçá desde 2019.
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