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Para onde vai o dinheiro público gasto na cidade de SP?

Prefeitura não sabe informar onde gastou R$ 48 bilhões entre 2014 e 2017. Falta de transparência contribui para desigualdades sociais e territoriais na capital paulista

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Por: Redação

Publicado em 03.08.2018 | 19:30 | Alterado em 03.08.2018 | 19:30

Tempo de leitura: 5 min(s)
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São Paulo é uma das cidades mais desiguais do mundo. Essas desigualdades se manifestam de diversas formas (Eduardo Silva/32xSP)

A auxiliar de limpeza Joseilma Feitosa, 51, moradora do Jardim Helena, no extremo leste de São Paulo, chega a esperar de dois a três meses para ser atendida na UBS (Unidade Básica de Saúde) mais próxima de sua residência.

De acordo com dados do Mapa da Desigualdade, levantados pela Rede Nossa São Paulo, o tempo médio de espera para consultas de clínico geral no distrito do Jardim Helena é de 40 dias. No Lajeado, também na zona leste, o tempo é ainda maior: 63 dias.

“Quando eu não passo no médico pelo SUS [Sistema Único de Saúde], sou obrigada a pagar uma consulta particular. Às vezes, minha mãe tem que passar numa consulta com um geriatra e o menor valor que a gente encontra é de R$ 200. Mas nós já chegamos a pagar R$ 1.200 no Hospital Albert Einstein e no Sírio-Libanês”, comenta.

Dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais) e do MTPS (Ministério do Trabalho e Previdência Social) apontam que o Jardim Helena e o Lajeado estão entre os cinco distritos com a menor média salarial em São Paulo, junto com Guaianases e Artur Alvim (zona leste), e Marsilac (extremo sul).

No Jardim Helena, a remuneração média mensal de pessoas com emprego formal é de R$ 1.540,72 – seis vezes menos do que a média do Campo Belo e quase três vezes menos do que a média do Itaim Bibi, ambos na zona sul.

O custo de um plano de saúde para Joseilma e sua mãe de 75 anos ocuparia boa parte de sua renda, por isso um serviço público de qualidade é uma de suas necessidades.

“Acho que o investimento deveria ser melhor na questão humana: se houvessem mais médicos e enfermeiros trabalhando, tanto no clínico geral como em outras especialidades (que às vezes nem têm aqui no bairro), com certeza a gente teria um atendimento melhor e menos demora para a consulta”, conta.

Quando perguntada sobre qual é o orçamento da cidade de São Paulo (que também poderia ser direcionado para a zona leste e melhorar a qualidade dos serviços públicos na região), Joseilma chuta: “acho que uns R$ 3 bilhões”. O valor, apesar de alto para ela, está muito aquém do que é orçado pela Câmara Municipal anualmente.

GASTOS PÚBLICOS EM SÃO PAULO

Em 2018, o orçamento da Prefeitura de São Paulo foi calculado em R$ 56,3 bilhões. Desse valor, são direcionados gastos e investimentos em áreas como educação, saúde, previdência, transporte, serviços e encargos.

Cerca de R$ 19,6 bilhões vão para as Secretarias Municipais (veja a proporção no gráfico abaixo), R$ 1,09 bilhão para as Prefeituras Regionais, R$ 13,2 bilhões para os Fundos Municipais e R$ 22,2 bilhões para outros órgãos, como o Tribunal de Contas e o Serviço Funerário do Município.

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R$ 19,6 bilhões foram distribuídos em 22 secretarias municipais para o ano de 2018

Por outro lado, embora exista essa divisão, também falta transparência por parte do poder público quanto aos gastos no município.

De acordo com o estudo “Gasto público no território e o território do gasto na política pública”, a Prefeitura de São Paulo não sabe informar a localização do investimento de 75% dos gastos públicos da cidade entre os anos de 2014 e 2017 – totalizando cerca de R$ 48,6 bilhões.

Ao mesmo tempo, só sabe dizer onde são realizados apenas 3% dessas mesmas despesas.

O estudo foi divulgado pela Fundação Tide Setubal e o geógrafo Tomás Wissenbach, autor do levantamento, na última terça-feira (31), no auditório do MASP (Museu de Arte de São Paulo) durante o debate “Gastos públicos em São Paulo: para onde vai o dinheiro?”.

Além de Wissenbach, também estiveram presentes os convidados Américo Sampaio, da Rede Nossa São Paulo, Lucilene Oshiro, subsecretária municipal de planejamento e orçamento, e a jornalista Gisele Brito.

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A mesa de debate foi composta pelos convidados Lucilene Oshiro, Gisele Brito, Tomás Wissenbach e Américo Sampaio. Paula Miraglia, no centro, foi a mediadora (Jairo Lavia/Fundação Tide Setubal)

“A gente não sabe o quanto o governo se esforçou para investir em áreas com mais desigualdade ou com piores indicadores sociais e territoriais”, comenta Wissenbach.

O relatório destaca, ainda, que os gastos do município atualmente estão divididos em três categorias: suprarregional, regionalizável com localização informada e regionalizável com localização não-informada.

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As informações constam no relatório “Gasto público no território e o território do gasto na política pública”

Para Paula Galeano, 48, superintendente da Fundação Tide Setubal, é necessário reverter o quadro de ausências de informações para os moradores de São Paulo e “traduzi-las” em uma linguagem acessível ao público.

Handemba Mutana, 36, coordenador de ação macropolítica da Fundação, complementou, dizendo que o orçamento público é um assunto muito técnico, por isso as pessoas têm dificuldades em entendê-lo.

“Isso prejudica a participação social e afasta o cidadão da possibilidade de acesso à informação e cobrança”, diz.

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A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) foi o órgão que mais teve gastos regionalizáveis não-localizados; ‘Prefeituras Regionais’ e ‘Cultura’ apresentam menor índice

O PAPEL DO ORÇAMENTO PÚBLICO NA REDUÇÃO (OU NÃO) DAS DESIGUALDADES

A ONU (Organização das Nações Unidas) aponta que São Paulo está entre as 50 cidades mais desiguais do mundo, com maiores diferenças de renda entre ricos e pobres (num ranking com 138 cidades de 63 países).

“As desigualdades se manifestam de diversas formas: na qualidade dos serviços públicos, na ausência de equipamentos e nas diferenças de salários. Nós, enquanto fundação, tivemos a oportunidade de perceber que, em alguns momentos, o orçamento formaliza parte dessas desigualdades”, comenta Mutana.

A falta de recursos ou incentivos em uma determinada região, em detrimento de outra, também traz reflexos para a relação do paulistano com a cidade.

Na zona leste, por exemplo, a maioria da população nunca foi ao teatro ou a um museu; no extremo sul, o distrito do Grajaú tem dez vezes menos equipamentos culturais do que o Butantã, na zona oeste.

Já no Jardim Ângela, também no extremo sul, a expectativa de vida é de 55,7 anos, quase 24 anos a menos do que a expectativa no Jardim Paulista, na zona oeste, que chega aos 79,4 anos.

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Nesse sentido, de acordo com Tomás Wissenbach, o orçamento público tem um impacto enorme no processo de desigualdades sociais e territoriais na cidade de São Paulo.

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Tomás Wissenbach fala sobre seu estudo durante debate promovido pela Fundação Tide Setubal (Jairo Lavia/Fundação Tide Setubal)

“A gente observou isso nas décadas 80 e 90, quando o governo usou o orçamento público para investir em grandes obras viárias nas áreas ricas da cidade. Com isso, além de não resolver os problemas de mobilidade, comprometeu a capacidade de investimento de São Paulo por, pelo menos, 25 anos. Isso tem um impacto que dura gerações”, diz.

DILEMA FISCAL

O estudo “Gasto público no território e o território do gasto na política pública” também aponta que a cidade de São Paulo atualmente tem uma combinação de custeio crescente (salários, contratos de serviços e materiais de consumo) com a arrecadação que não apresenta a mesma trajetória de crescimento dos últimos 15 anos.

Junto a isso, existe o déficit histórico de investimento social, que se mantém.

“Um exemplo é a questão habitacional na cidade. Hoje, um terço dos paulistanos vive em precariedade habitacional. Por outro lado, para resolver esse problema, os recursos foram estimados pelo Plano Municipal de Habitação em R$ 58 bilhões. Com o nível de investimento atual (que está na casa dos R$ 900 milhões por ano), a cidade levaria 80 anos para resolver essa questão”, afirma Wissenbach.

O mesmo acontece em outras áreas. “Agora a gente vê a possibilidade (que já está autorizada do ponto de vista do legislativo) de se desfazer do patrimônio municipal para a realização de obras, por exemplo, de recapeamento de vias. Isso certamente terá uma consequência enorme para a desigualdade em São Paulo nas próximas décadas”, conta.

“A gente precisa acompanhar e monitorar essa combinação (custo + arrecadação no município) porque ela tem um impacto duradouro”, completa.

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