Como leis que garantem o desembarque entre 22h e 5h têm ajudado a evitar violência contra as mulheres e o que falta avançar na legislação para ampliar essa segurança
Ira Romão/Agência Mural
Por: Eduardo Silva | Ira Romão
Notícia
Publicado em 03.09.2021 | 15:51 | Alterado em 13.06.2022 | 13:11
Moradora de Carapicuíba, na Grande São Paulo, a fotógrafa e atendente de SAC Rafaela Mourão, 25, volta do trabalho após as 22h. Pelo horário, ela pode desembarcar no local mais seguro e próximo de casa.
“Pegava uma linha chamada Vila Cretti que passa na rua de casa. Alguns motoristas já me conhecem e paravam o ônibus exatamente na porta da minha casa. Eles esperavam que eu abrisse o portão e entrasse para poder sair novamente com o ônibus”, diz.
O direito é garantido pela lei nº 16.490 na capital paulista, desde 2016, e pela lei estadual nº 17.173 nas linhas intermunicipais que circulam pela região metropolitana, desde 2019. Além disso, cidades como Carapicuíba e Osasco, na Grande São Paulo, também criaram legislações municipais sobre o serviço.
Apesar do apoio, algumas passageiras ainda enfrentam dificuldades, mesmo com essa legislação.
Na quarta reportagem da série sobre mobilidade nas periferias, a Agência Mural aborda o uso do transporte público por mulheres. Na última reportagem, mostramos como as corridas de carros por aplicativo se tornaram uma opção para as usuárias e quais são os mecanismos para garantir segurança nesse tipo de transporte.
Desta vez, ouvimos passageiras dos ônibus sobre as condições de uso e como uma lei ajudou a tornar o desembarque mais seguro para elas.
Entre 22h e 5h, mulheres que utilizam os ônibus da SPTrans e da EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos), além de idosos e pessoas com deficiência, podem descer fora dos pontos regulares, desde que o desembarque obedeça ao trajeto regular da linha e não ocorra em locais onde seja proibida a parada de veículos, como corredores exclusivos.
Para isso, é necessário avisar ao motorista com antecedência onde se pretende desembarcar. Ele, por sua vez, deve avaliar se a parada é adequada ou propor uma alternativa, caso a solicitação não possa ser atendida. O direito também é garantido a travestis e mulheres transexuais.
“Tem motoristas que são super solícitos, mas tem alguns que não atendem à solicitação. Eles falam que não, porque tem outras pessoas que vão descer no ponto”, desabafa Rafaela. “É muito bom esse benefício, mas infelizmente não são todos os motoristas de Carapicuíba que seguem a lei.”
Moradora da cidade vizinha, Osasco, a estudante de economia Tayná Wíne, 24, conheceu a legislação por meio das redes sociais, quando ainda morava na zona leste da capital – época em que começou a utilizá-la. Ela avalia positivamente o direito, principalmente em termos de segurança e pela falta de iluminação em alguns locais.
“O ponto de ônibus até minha casa dá por volta de sete minutos andando. Depois das 22h, por ser um lugar escuro, fica mais perigoso e a gente se sente menos segura. Então essa lei facilita bastante no caso das mulheres, que são frequentemente vítimas de violência e outras questões”, conta.
Tayná também aponta dificuldades em relação ao conhecimento ou cumprimento da legislação por parte de motoristas e cobradores.
Quem também fazia uso do direito ao voltar da faculdade após as 22h é Carmen Guilherme, 50, moradora do Jardim Elizabeth, em São Rafael, na zona leste de São Paulo. Ela solicitava a parada no local mais próximo de casa, já que a distância entre o ponto era grande.
“No começo, foi ruim porque faltou divulgação e conhecimento, então alguns motoristas ‘torciam o nariz’. Mas depois a São Paulo Transportes colocou aquelas placas de aviso acima da porta de desembarque, então eu só apontava para elas”, conta.
O aviso citado é um adesivo, colado dentro dos coletivos desde 2018, informando sobre o direito ao desembarque em horários específicos. “O adesivo complementa a divulgação do direito já publicado no site, nas redes sociais e Jornal do Ônibus”, diz a SPTrans em nota.
Nas linhas municipais de São Paulo, caso o motorista não atenda à solicitação de parada da mulher, a empresa responsável pelo veículo fica sujeita a multa. Passageiras podem abrir uma reclamação no portal SP156 da Prefeitura ou pelo telefone 156.
Segundo a EMTU, as empresas que não cumprirem a lei estão sujeitas a autuação e multa no valor de R$ 670 (dobrando em caso de reincidência). Também é possível fazer uma reclamação pela Central de Atendimento ao Cliente no site da EMTU ou pelas redes sociais.
“É fundamental que sejam informados o prefixo do ônibus, o local e horário em que a irregularidade foi observada para que a apuração interna seja efetiva”, afirma a empresa em nota, reforçando que os profissionais foram orientados sobre a lei no período inicial de aplicação.
Há três meses, a fotógrafa Rafaela Mourão, de Carapicuíba, precisou mudar o trajeto que fazia para voltar para casa devido à redução no quadro de horários da linha 011 – Vila Cretti. A segunda opção de ônibus não a deixa esperando tanto tempo na plataforma de embarque, mas, por outro lado, o trajeto não passa pela rua ou pela porta de casa.
“Dá mais ou menos uns cinco minutos a pé do ponto até minha casa. É um trajeto um pouco perigoso sim, porém não tanto. Mas já houve momentos em que faltou energia na rua durante uma semana e, mesmo assim, tive que caminhar esse percurso todo”, conta.
Para ela, aumentar os horários disponíveis de ônibus (bem como os trens da CPTM e o Metrô), principalmente durante o período de pandemia de Covid-19, deveria ser uma questão melhor considerada pelas empresas para garantir mais segurança para as passageiras.
“A gente que não faz home office não tem a possibilidade de ficar em casa e não enfrentar tudo isso. Sei que os quadros de funcionários foram reduzidos, mas também se reduziu a frota, impedindo que a gente consiga pegar o ônibus num horário cômodo”, diz.
A realidade de Rafaela foi a de boa parte de moradoras das periferias. Uma pesquisa do Datafolha, feita a pedido da 99, aplicativo de mobilidade urbana, indica que 46% das pessoas da classe C adotaram medidas para se proteger contra a Covid, mas tiveram de sair de casa para trabalhar.
Além disso, são as principais responsáveis pela renda da casa e 63% tiveram perda da renda, o que ampliou a necessidade de seguir nas ruas durante a pandemia.
A oficial administrativo Elisa Alves, 30, sai de casa durante a madrugada, às 4h30, na Vila Carmosina, em Itaquera, zona leste, para trabalhar em um hospital. O horário ainda está dentro do período em que a lei municipal é válida para o desembarque, no entanto, ela não consegue embarcar nos coletivos se não estiver em frente ao ponto.
“Algumas vezes até acontece de alguns motoristas pararem, mas geralmente eles falam que não podem, porque levam multa ou porque há fiscal, e não param”, complementa. A possibilidade de embarcar nos coletivos fora do ponto, entre 22h e 5h, não está prevista em lei na capital.
O transporte público é o local onde 52% das paulistanas acreditam correr maior risco de assédio sexual. Já 20% afirmam que a rua é o lugar com risco mais alto, 5% temem os pontos de ônibus e 3% o transporte particular, como táxi e carros por aplicativo.
Os dados são da pesquisa “Viver em São Paulo: Mulher”, divulgada pela Rede Nossa São Paulo em março deste ano. O levantamento ouviu 425 moradoras da capital paulista com 16 anos ou mais, entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021.
A percepção também aparece em outras regiões do país. Uma pesquisa feita pela 99, aplicativo de mobilidade urbana, aponta que 75% das mulheres dizem sentir receio de assédio em casos de “locomoção à noite” e 51% ao ter de esperar no ponto de ônibus. Foram ouvidas 1.056 passageiras no Brasil.
A SPTrans esclarece que, em caso de assédio sexual dentro dos coletivos, o fato deve ser imediatamente comunicado ao motorista ou cobrador. “A orientação é que os operadores chamem a polícia ou conduzam o ônibus até a delegacia mais próxima, se possível, onde a vítima poderá registrar o boletim de ocorrência e receber amparo das autoridades policiais”, escreve.
“Em 2019, foram treinados 35.025 profissionais. Em 2020, 5.832 pessoas foram treinadas, das quais 3.828 no treinamento de ingresso que abrange o conteúdo de abuso sexual”, continua.
Além disso, em 8 de março deste ano, a empresa inaugurou o Posto de Apoio à Mulher, localizado no mezanino do terminal Sacomã, na zona sul. No local, mulheres vítimas de abuso sexual e violência doméstica têm acolhimento e serão atendidas por uma equipe especializada, composta por assistente social e psicóloga.
Editor-assistente da Agência Mural. Fã de cultura pop, música, gatos e filmes de terror. Correspondente de São Miguel Paulista desde 2017.
Jornalista, fotojornalista e apresentadora de podcast. Atuou em comunicação corporativa. Já participou de diferentes projetos como repórter, fotógrafa, verificadora de notícias falsas e enganosas. Foi uma das apresentadoras do ‘Em Quarentena” e da série sobre mobilidade nas periferias. Ama ouvir histórias, dançar, karaokê e poledance. Correspondente de Perus desde 2018.
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