Por: Evelyn Fagundes | Malu Marinho
Notícia
Publicado em 01.12.2023 | 12:16 | Alterado em 01.12.2023 | 12:16
Moradora do Grajaú, distrito da zona sul de São Paulo, Ana Carolina Porto, 33, foi a campeã da décima edição do MasterChef, um dos maiores realities de culinária no Brasil. Carolina marcou presença no programa por ser a participante que mais ganhou “pins”, peças de metal concedidas àqueles que apresentaram os melhores pratos.
Atrás da trajetória de vitórias no reality, a história de vida da cozinheira é pautada por desafios e responsabilidades desde muito nova.
Ainda criança, aos seis anos, Ana Carolina percorria as ruas com a mãe vendendotortinhas de morango para sustentar as despesas da família.
“Desde que eu me entendo por gente eu sempre tive muita responsa. Por mais que a minha mãe não quisesse sempre a minha ajuda, eu sei que era a única coisa que ela tinha. Sempre tive muita empatia para ajudar”, afirmou.
A lembrança vendendo tortinhas de morango fez parte do MasterChef. Em uma prova onde os competidores prepararam o chamado “fraisier de morangos”, tipo de bolo que leva a fruta na receita, Carol se emocionou durante a prova e na apresentação do prato, pois se lembrou do passado. A sobremesa feita por ela levou um pin, pois foi a melhor entregue aos jurados.
“Essa prova me deixou muito emocionada. Eu fiz pensando muito na minha mãe, eu me inspirei nela”, disse a cozinheira no programa.
Do passado vendendo tortas até o MasterChef, Ana Carolina ainda se desafiou em muitos outros corres. Trabalhou como garçonete, entregadora de lanches, operadora de telemarketing, recepcionista e assistente administrativa.
Em um desses empregos, inclusive, como “presente de aniversário”, Ana chegou a ganhar uma progressiva para alisar o cabelo que tinha dreads, o que mostra o preconceito que passou. A vencedora do reality contou que nunca se sentiu completamente feliz nesses trabalhos e que precisava de algo que explorasse o lado criativo.
“Já fiz várias coisas para me sustentar, para sustentar Ravi”, falou sobre o cuidado com o filho, que tem 6 anos. “Inclusive, quando engravidei eu estava desempregada e foi a venda de bolos que me salvou”, relembrou sobre como a confeitaria e a culinária sempre estiveram presentes na vida dela.
Atualmente, Carol ainda sustenta um estúdio de body piercer no Grajaú que foi fundado por ela e seu ex-marido há seis anos.
A decisão de se inscrever para o programa partiu por conta de diversas sugestões de amigos e familiares. “Todo mundo sabia que eu fazia comida desde muito nova. Por exemplo, eu ia acampar, eu cozinhava no acampamento. Aonde eu estivesse, dava um jeito de fazer fogo e cozinhar. Então, sempre falavam ‘ah, por que você não se inscreve no MasterChef?’”, disse.
Além disso, um sonho que a dona Nice teve também impulsionou sua inscrição no programa.
“Minha mãe teve um sonho que me viu vencendo. Foi aí que ela começou a me encher o saco falando que eu tinha que me inscrever”
Ana Carolina Porto, vencedora da 10ª edição do MasterChef
Para uma pessoa que vem da periferia como Ana Carolina, adentrar espaços de destaque e atravessar a ponte que levou a cozinheira para rede nacional foi um desafio. “Eu me sentia muito inferior a todo mundo, sabe? Eu sou muito insegura e sentia muita insegurança nas primeiras provas”, apontou.
Carol lembrou de um momento em que quando foi comer um queijo, retirou a parte externa e algumas pessoas riram dela porque, na prática, o alimento deveria ser consumido com o exterior, mas Ana Carolina não sabia.
“Eu nunca tive acesso àquele queijo”, falou a cozinheira sobre a distância que, muitas vezes, estão as pessoas periféricas dos alimentos mais caros e requintados. “Antes do MasterChef eu nunca tinha ido comer um menu completo em um restaurante (entrada, prato principal e sobremesa). Nunca tinha ido a um restaurante chique”, comenta.
Para ela, a falta de pertencimento e identificação foram questões que a desestabilizaram, uma vez que parecia que ela precisava se esforçar “10 vezes mais”, contou.
Além disso, Carol passou por um término recente. Quando entrou no reality, marcavam-se cinco dias desde que seu casamento de seis anos havia terminado. “Quando eu entrei no MasterChef, eu estava muito fragilizada. Eu tinha emagrecido 5 quilos em uma semana. Eu estava muito triste”, lembrou.
Por outro lado, ao longo do programa, quando se trata sobre identificação, Carol passou a se reconhecer com Wilton Duarte, participante que foi para a final com ela e que veio de Martinópolis, interior de São Paulo. “Ele era bem parecido comigo, de uma realidade muito parecida, então por isso a gente se uniu”.
Carolina chegou a conhecer a primeira vencedora do MasterChef amadores, Elisa Fernandes, considerada uma referência gastronômica para Ana. Ao compartilhar os desafios em uma conversa com a vencedora da primeira edição e perceber que Elisa conseguiu viajar para estudar na França com mais facilidade porque já falava outras línguas, Ana disse que se sentiu atrasada.
“Às vezes eu sinto muito esse atraso. Isso me deixa com ansiedade. Eu não falo espanhol. Eu não falo inglês. Então, eu fico sempre sentindo que eu tô atrás das pessoas mesmo tendo ganhado”, refletiu sobre suas origens.
Ana Carolina sempre se manteve transparente na edição do programa, falando não apenas sobre suas origens como também do seu filho. Em conversa para a Agência Mural, Carolina revelou que pensava em cozinhar o que seu filho gostaria de comer.
“Eu acho que minha cozinha é uma cozinha mais caseira. Mais Afetiva”, diz a cozinheira. A vencedora do MasterChef comenta o quanto as pessoas que a acompanharam, hoje, pedem para que ela poste mais suas receitas, “quando eu posto coisas muito comuns também, a galera que me acompanha gosta”.
Carolina comenta que muitos participantes não tinham preocupações que ela, como mãe, tinha. Desde o começo, o reality culinário da Band não teve uma participante com uma trajetória como da campeã. Isso porque a paulistana chegou a ser eliminada nas seletivas e acabou retornando em uma repescagem dessa primeira fase.
A relação com o filho também levou Carolina a se fortalecer durante as provas. “Penso como se tivesse sido uma chance única na vida, e eu fui lá agarrei com todas as minhas forças”, reflete.
De 10 anos para cá, o histórico de mães solo dentro do programa foi baixo. Segundo apuração feita pela reportagem da Agência Mural, a produção do MasterChef coloca apenas o território de cada participante como cidade, sem mencionar o bairro.
A resiliência dentro das provas e o olhar como periférica fez Ana colecionar muitos haters, mas também inúmeros fãs. No X (antigo Twitter), o nome dela aparece em alto sempre em menção ao Grajaú, criando vínculo ao bairro de forma inovadora e positiva.
“Estava no trem e uma mulher me parou para tirar foto com a filha dela, esse carinho assim me emociona”, comenta Carolina.
“Não pretendo ter um restaurante por agora. Tava conversando com a Elisa mesmo, ela ganhou há nove anos e abriu um restaurante faz 3 anos”, afirma a campeã.
Carolina diz que sua jornada a tornou uma pessoa que sabe recomeçar, “eu penso em ter algo com minha cara, só que antes eu quero estudar muito. Quero passar por outros restaurantes e fazer estágio”, diz.
A vencedora do reality faturou R$300 mil em compras em um supermercado, um curso na renomada escola de gastronomia Le Cordon Bleu, uma viagem para conhecer a fábrica de uma marca de cerveja, além de diversos equipamentos de cozinha.
Apesar de todas as conquistas, o olhar materno ainda pulsa. O curso do prêmio impossibilitaria Carolina de ficar com o filho, “estou pensando em estudar de manhã. Talvez, possa pegar ele e colocar na escola, ainda não sei como vou fazer”, relata.
Sobre o pós-MasterChef, a cozinheira tem muitas expectativas, mas a principal é conciliar a realidade com os estudos e projetos envolvendo restaurantes.
“Meu objetivo eu alcancei: ganhei o dinheiro e o curso, então é isso, não tenho mais o que ficar me cobrando, é só seguir”, finaliza Carolina.
Jornalista em formação pela PUC-SP, instituição onde desenvolve sua pesquisa sobre as obras do Racionais MC's. Mãe de pet e planta, canceriana e apaixonada por música. Correspondente de Guarulhos, na Grande São Paulo, desde 2022.
Jornalista ProUnista formada pela PUC é correspondente do Grajaú desde 2023. Premiada pelo Instituto Vladimir Herzog na categoria Jovem Jornalista. É pesquisadora da cultura Rom/cigana, com um livro escrito a partir de relatos da comunidade.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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