Por: Halitane Rocha | Paulo Talarico
Notícia
Publicado em 19.11.2021 | 17:15 | Alterado em 05.12.2021 | 14:19
Tainá Freitas Medeiros, 30, mora em Jandira, cidade da Grande São Paulo, e faz parte do “Lójúkojú”, coletivo que pesquisa sobre os efeitos e as manifestações do racismo estrutural na sociedade.
Criado em 2020, o grupo tem realizado estudos sobre o tema e a presença desse cenário na imprensa. O primeiro deles analisou programas de entrevistas na TV. A presença de pessoas brancas entre entrevistados e debatedores beirou os 90%. Outra análise foi a menção ao termo racismo estrutural como palavra chave de reportagens na imprensa – algo que vem crescendo nos últimos anos.
Nesta entrevista à Agência Mural, Tainá analisa essa percepção de maior discussão sobre o tema nos últimos anos, mas alerta: “O racismo não pode ser tratado como fatalidade”. Embora estrutural, não podemos apagar responsabilidades.
Também aponta que casos como o assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos, ou de João Alberto, por seguranças no Carrefour, aumentaram a discussão no noticiário sobre casos de discriminação racial.
No entanto, ela defende que é necessário discuti-lo além dessas tragédias ou do mês de Novembro, quando há o Dia da Consciência Negra, por conta da morte de Zumbi dos Palmares.
Para ela, é necessário que a questão apareça em outras reportagens sobre pautas como política, economia e meio ambiente. “A gente sempre vê esses temas sendo extremamente pautados na mídia, mas raramente sendo conectados com a questão racial”.
Como foram os resultados das pesquisas sobre a presença de pessoas negras nos programas de televisão?
A gente faz uma segmentação do perfil tanto raça, também por gênero e estávamos procurando pessoas com deficiência. No “Roda Viva”, a gente estuda um período de 2016 até agora, o período mais recente. A gente se depara com um número majoritário de quase 92% das pessoas brancas entre as que participaram como entrevistados ou como debatedores. E a mesma proporção praticamente se repete também no programa “Conversa com Bial”. Vimos uma presença sempre branca, masculina.
O que isso representa?
Esses programas, a mídia, os meios de comunicação, refletem a reprodução das desigualdades de várias formas. Os resultados das nossas pesquisas dão alguns indícios sobre o papel da mídia e as desigualdades, a sub-representação de vários grupos: da população negra, da população indígena, de mulheres, pessoas com deficiência.
O que é o racismo estrutural?
Nos baseamos em autores como Lélia Gonzalez, Clóvis Moura, Silvio de Almeida, e também o livro estipulado “Racismo Estrutural” do professor Denis de Oliveira. O nosso entendimento sobre racismo estrutural tenta avançar de uma ideia de que o racismo se limita as relações pessoais, as ofensas, a discriminação. É compreender o caráter estrutural do racismo, como ele está presente na história do Brasil, na construção da sociedade que a gente vive e passar a enxergar como que ele influencia a forma que a gente vive, as instituições, nossa vida política, social e econômica.
Apesar de o racismo estrutural ser determinante, estar presente nas estruturas de todos os âmbitos da sociedade, é importante enxergar as responsabilidades individuais
Vocês perceberam uma crescente das pessoas pesquisarem sobre o racismo estrutural na internet?
A gente fez uma coleta de matérias que tinham o racismo estrutural como palavra chave, desde janeiro de 2010 até dezembro de 2020. Em 2020, foi um ano em que o debate nos pareceu estar crescendo. Esse tema estava sendo cada vez mais citado na mídia, mais ouvido, uma expressão usada frequentemente nas redes sociais e uma certa popularização do termo. Mas tiveram alguns episódios que contribuíram para isso. O assassinato do George Floyd, nos Estados Unidos, do menino João Pedro, morto dentro dentro de casa no Rio de Janeiro, e o próprio Big Brother de 2020 reverberaram várias discussões sobre racismo e sobre racismo estrutural.
Você diria que com esses debates em alta estamos avançando por uma sociedade antirracista?
Esse é um um ponto que talvez a gente possa até considerar positivo, de que o conceito está nas discussões no Instagram e especificamente nesse nosso trabalho, vimos que a aceitação do conceito tem sido cada vez maior, mas é necessário um aprofundamento. Uma apropriação melhor de como tem sido utilizado.
De que forma ele tem sido utilizado?
Me lembro que dentro dessa amostra de textos que a gente leu tinha um caso de uma participante de um reality show que tinha feito declarações especificamente racistas. A matéria falava sobre isso e ela saía em defesa própria dizendo que o que ela tinha dito era um ato de racismo estrutural. A gente achou muito curioso porque isso ilustra bem uma concepção que tem sido reforçada: de que o racismo estrutural é uma coisa abstrata e nesse caso especificamente parece que foi o racismo estrutural que proferiu as ofensas e acabam levando a um entendimento de que o racismo é uma fatalidade.
Como o racismo estrutural deve ser analisado?
Apesar dele ser determinante, estar presente nas estruturas de todos os âmbitos da sociedade, é importante enxergar as responsabilidades individuais. Apesar dele ser um problema estrutural. O fato dele ser um um problema estrutural não tira das pessoas responsabilidades individuais, institucionais ou empresariais. – a gente pensando também no papel da imprensa.
Falta ainda na mídia uma reflexão mais profunda sobre o seu papel e sobre a sua responsabilidade na reprodução de desigualdades, na reprodução do racismo e que para mudança desse cenário é preciso a tomada de atitude
Como o jornalismo pode melhorar nas abordagens sobre o racismo estrutural?
Uma coisa que nos chamou a atenção foi o quanto a gente carece de discussões que falem sobre o racismo estrutural quando pensamos em economia ou na questão ambiental. Por exemplo, a discussão do teto de gastos (medida que limitou as despesas do governo com investimentos), de todas as medidas econômicas ao longo da pandemia, como o auxílio e a reforma trabalhista. A gente sempre vê esses temas sendo extremamente pautados na mídia, mas raramente sendo conectados com a questão racial, mesmo sabendo que as populações negra e indígena são as principais afetadas quando há medidas de austeridade econômica, de corte de gastos, de redução de benefícios sociais. Vemos isso sendo muito pouco tratado ou quase nunca discutido.
Como vê as discussões da COP 26 e essa questão?
Por mais que a mídia fale sobre isso e sobre todo o desmonte do governo na área ambiental, vemos isso sendo pouco contextualizado nos efeitos que traz para população quilombola e indígena. São problemas que não se desconectam da questão racial. A gente sabe a quem todo o desmonte de políticas nesses dois campos afetam diretamente. Tem um endereço certo. E com certeza tem a necessidade de se debater, de colocar a questão racial nesses debates. Na verdade eu acredito que elas nem se desvinculam. Acredito que às vezes é mascarada, mas não tem como a gente desvincular.
Qual o papel da imprensa nesse sentido?
Sabemos que falta ainda na mídia uma reflexão mais profunda sobre o seu papel e sobre a sua responsabilidade na reprodução de desigualdades, na reprodução do racismo e que para a mudança desse cenário é preciso a tomada de atitude, de posicionamento. É preciso fazer essa autocrítica e a gente sabe também o choque ideológico que há entre os grandes grupos de mídia ou a mídia hegemônica brasileira para olhar para história, olhar para trás e rever atitudes e rever posicionamentos.
Produtora do podcast Próxima Parada e correspondente de Cotia desde 2018. Mãe de gêmeas e 2 gatas. Família preta e do axé… muita treta!
Diretor de Treinamento e Dados e cofundador, faz parte da Agência Mural desde 2011. É também formado em História pela USP, tem pós-graduação em jornalismo esportivo e curso técnico em locução para rádio e TV.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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