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Em quatro anos, Prefeitura de São Paulo fecha 322 turmas da EJA

Joana estuda no EJA desde 2015 e pretende terminar o ensino médio para cursar a faculdade de enfermagem

Por: Matheus Oliveira

Até o ano passado, a cozinheira Severina Luiza de Sousa, 58, estudava na escola municipal Coelho Neto, no bairro Parque Boa Esperança, em São Mateus, na zona leste de São Paulo. No final de 2022, ela e os colegas de classe foram avisados que a escola não teria mais turmas do EJA (Educação de Jovens e Adultos).

“A diretora tinha comentado com a gente que talvez não ia ter a EJA neste ano na Coelho Neto. A [escola José Maria] Whitaker acabou ligando para mim sem eu procurar e me matricularam.”

Assim, passou de três para quatro quilômetros a distância percorrida por Luiza para estudar. Hoje a cozinheira cursa o 8º ano da EJA regular no bairro de Jardim Santa Bárbara, também em São Mateus.

A realidade vivida por ela é semelhante à de vários alunos da capital. Dados levantados pela Agência Mural mostram que, entre os anos de 2019 e 2022, foram fechadas 322 turmas da EJA – queda de 1653 para 1331.Além disso, 28 escolas passaram a não contar com nenhuma sala para educação de jovens e adultos de acordo com informações disponibilizadas pela Secretaria Municipal de Educação.

Os dados foram apurados a partir do site Dados Abertos da Prefeitura de São Paulo, levando em conta as informações referentes aos primeiros semestres entre 2019 e 2022.

Nas subprefeituras de São Mateus e Freguesia do Ó/Brasilândia, por exemplo, cinco escolas em cada uma deixaram de ter turmas da EJA, sendo as regiões que mais perderam unidades.

Apesar da redução, a prefeitura indica ter mais vagas disponíveis (36 mil) do que alunos matriculados (29 mil). No entanto, professores e estudantes apontam dificuldade para acessar as unidades e a falta de divulgação do programa como entraves para acessar as aulas.

Número de turmas da EJA caiu na capital @Matheus Oliveira/Agência Mural

A merendeira Joana Maria da Mota, 43, é uma das alunas que passou a ter mais dificuldades para manter os estudos por causa das mudanças. Moradora da Vila Bela, Joana leva 25 minutos a pé para chegar à José Maria Whitaker. “Quando eu procurei o CEU São Rafael para voltar a estudar, que é mais perto de casa, não tinha mais. Aí falaram que só tinha aqui”, conta Joana.

Analfabetismo

A educação para jovens e adultos tem sido fundamental para integrar a sala de aulas pessoas que não conseguiram se formar ou mesmo aprender a ler. Na Grande São Paulo, 3,2% das pessoas com 40 anos ou mais não sabem ler e escrever, de acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) contínua, relativa ao segundo trimestre de 2019, com base em dados do IBGE. No Brasil o índice de analfabetismo chega a 10,8% das pessoas com mais de 40 anos.

Redução do EJA

De 2019 a 2022 o número de matrículas na EJA na cidade de São Paulo caiu de 45.048 para 29.141, ou seja, uma redução de 35%. Significa que um em cada três alunos da EJA deixaram a escola no período, seja por abandono dos estudos ou formação.

A queda é visível no número de vagas disponíveis na rede municipal para Educação de Jovens e Adultos – mais de 14 mil foram fechadas entre 2019 e 2022.

Como justificativa para a diminuição no número de matrículas, a Secretaria Municipal de Educação destaca “os casos de estudantes que mudaram de cidade, estado ou até mesmo região do país”, além de citar o desemprego.

“As incertezas no período mais crítico da pandemia, a busca por empregos e cuidado dos familiares doentes foram priorizados durante a pandemia”, diz a gestão.

Whitaker: A matrícula para a EJA pode ser feita no começo e no meio do ano letivo @Matheus Oliveira/Agência Mural

Outra ponta

Profissionais da rede municipal de ensino afirmam que não há verba direcionada à divulgação da EJA para os moradores. “É tudo bancado por nós. A gente que bancava o carro de som. Se ia fazer uma faixa a gente pagava a faixa. Quem faz a divulgação são os professores”, aponta Antônio*, professor que já lecionou na educação de jovens e adultos em São Mateus.

Os nomes foram trocados para que os funcionários públicos não sofram represálias.

O professor acrescenta que a EJA poderia ser melhor divulgado. “Colocar cartaz no ônibus, divulgar a matrículas abertas em horário nobre na TV”, exemplifica.

“[A EJA] não tem procura porque não tem um incentivo. Não tem uma propaganda maciça mostrando o que ele pode conseguir se voltar a estudar”

Antonio*, professor da EJA em São Mateus

Em meio às reclamações de falta de divulgação, a prefeitura não tem investido o previsto para o programa. A gestão deixou de aplicar R$ 10 milhões na Educação de Jovens e Adultos, segundo dados apurados pelo TCM (Tribunal de Contas do Município).

Entre 2019 e 2022 a prefeitura orçou R$ 67 milhões para a manutenção e operação da rede parceira da EJA e a manutenção e operação de unidades educacionais, mas gastou apenas R$ 57 milhões.

Nessa mesma linha o professor Eduardo* afirma que o estudo já não é visto como um caminho para a melhora de vida por conta da baixa oferta de empregos formais. “Muitos acabam se formando e continuam ganhando pouco. Ele acha que tendo ou não o estudo ele não vai conseguir”, argumenta.

Também ex-professor da EJA em uma escola pública em São Mateus, Eduardo destaca que o dinheiro também é importante para o Estado, ao enxergar o ensino como um custo. “A [prefeitura] quer enxugar gastos. Enxugar horas de professor, enxugar coordenador dedicado a unidade do período noturno. Porque a EJA aumenta o número de salas e mais um período de trabalho”, justifica.

Ficam-se os dedos

Em meio ao fechamento da EJA, Luiza permanece nas aulas de segunda à sexta das 19h às 23h na escola José Maria Whitaker e incentiva os colegas a ir à aula, mesmo um pouco mais longe de casa. “Vamos aproveitar a EJA porque é tudo de bom. Vem sim, eu mando mensagem para os meus colegas que faltam por motivo de cansaço, idade, trabalho”.

Desde criança Luiza precisou deixar os estudos para trabalhar na roça com a família em Pernambuco @Matheus Oliveira/Agência Mural

O esforço de Luiza tem apresentado resultados. “Mudou muita coisa. Eu já estou com bastante conhecimento para conversar. Eu era fechada e não conversava, porque errava muito. Ainda erro, mas melhorei muito. Me sinto muito bem por estar na EJA”.

Já a estudante Joana se arrepende de ter interrompido os estudos e agora faz planos para depois que terminar o ciclo. “Meu propósito é terminar os estudos e fazer uma faculdade de enfermagem que é o meu sonho”.

Para se inscrever na EJA

Documentos: É necessário levar uma cópia e os originais dos seguintes itens: documento, comprovante de endereço e comprovante de escolaridade em uma escola pública da cidade. Lá será informado o local mais próximo com turmas

Sem comprovante: Caso não tenha comprovante de escolaridade, o estudante pode solicitar uma prova de classificação antes de efetuar a matrícula.

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