As hortas urbanas de São Mateus, bairro da zona leste de São Paulo, produzem alimentos orgânicos em meio à disputa entre a preservação ambiental e a luta por moradia. Localizados abaixo das torres de energia ou em terrenos baldios, os agricultores de São Mateus falam sobre como é mexer com a terra na cidade mais urbana do Brasil.
Há cerca de 197 agricultores e hortas cadastradas no programa municipal Sampa+Rural. A zona leste concentra 42 locais destinados à produção de alimentos, e a região de São Mateus conta com 10 hortas comunitárias vinculadas à prefeitura.
A aposentada Sueli Rodrigues, 61, relembra que começou a cuidar de um terreno baldio em frente ao condomínio Residencial Santa Bárbara, no final da rua Escorpião, no meio dos anos 1990. A ideia da vizinhança era cuidar dos arredores de uma capela católica.
Sueli cuida da horta comunitária que ajudou a fundar, transformando um terreno baldio em espaço produtivo @Matheus Oliveira/Agência Mural
O espaço quando estava sem uso foi alvo em 2017 de ocupações em meio à falta de habitação na cidade de São Paulo, que tem déficit de 369 mil moradias.
Nesse tempo, Sueli agiu junto à subprefeitura para tornar o local uma horta comunitária. Desde então, a aposentada coordena a organização não governamental CEMAIS (Centro de Estudos em Meio Ambiente e Integração Social). “Liguei para o subprefeito da época, e ele me sugeriu adotar a praça. E já estamos há sete anos assim”, diz Sueli.
Com cerca de 1.800 metros quadrados, a horta produz verduras como alface, feijão, quiabo, mandioca, banana, milho, mamão e suculentas. A agricultora vende a produção para manter as atividades da horta e pagar as contas de água, internet, luz e a compra de novas mudas.
As estufas para os alfaces e outras hortaliças @Matheus Oliveira/Agência Mural
Parte da produção também é doada para pessoas cadastradas na ONG. “Daqui não sai um pé de alface com uma folha estragada. A pessoa só leva para casa o que vai consumir. E trazemos alunos de escolas para conhecer as plantas e ter contato com a terra”, afirma.
A prefeitura fornece dois funcionários à horta da Sueli por meio do POT (Programa Operação Trabalho), no qual pessoas maiores de 18 anos que estejam desempregadas e com renda familiar de até meio salário mínimo por pessoa são contratadas para serviços de 20 a 30 horas semanais. Os pagamentos podem chegar ao valor de um salário mínimo.
Terezinha dos Santos Matos, 56, transformou o trabalho na horta em seu próprio ganha-pão. Ela conta que veio da cidade baiana de Ribeira do Pombal para São Paulo em 1995 e teve todo tipo de trabalho, porém não se sentia feliz.
Ela relembra que sua família já plantava para ter o que comer e também por apreço à terra. “A gente veio da Bahia, saímos da roça, mas a roça não saiu da gente, e aí eu fui fazer um curso de jardinagem”, conta Terezinha.
Terezinha e seu marido, José Nildon, mostram as plantações cultivadas na horta comunitária, que se tornou fonte de renda e qualidade de vida @Matheus Oliveira/Agência Mural
Em 2010, a agricultora conheceu a Associação dos Agricultores da Zona Leste. Em 2012, em conversa com a concessionária de transmissão de energia, Terezinha conseguiu a permissão para começar a plantar no terreno onde estão localizadas torres de energia, no bairro Parque São Rafael.
Ela explica que, por conta do cuidado necessário e da fiscalização da companhia elétrica, as plantas devem ser rasteiras, e as árvores não devem ultrapassar quatro metros de altura.
Com cerca de 4 mil metros quadrados, a horta produz verduras como alface, feijão, berinjela, mandioca, banana, milho e ervas para chás.
As mudas de plantas que são cuidadas pelos agricultores
A agricultora diz que começou a comercializar as frutas e hortaliças a partir de 2017 em feiras de agricultores. “Na Bahia, meus pais já plantavam sempre. Agora, aprendi vendendo que a palavra é ‘orgânico’. Nós não sabíamos na época, e hoje vendemos orgânicos, assim como meus pais faziam quando eu era pequena”, relembra.
A partir de 2021, em meio à pandemia de Covid-19, Terezinha deixou de participar das feiras de produtos orgânicos e começou a comercializar os produtos na porta da horta. Os vizinhos passaram a conhecer os produtos. A família da agricultora se mantém com as vendas.
A agricultura permitiu que Terezinha misturasse o rural com o urbano. “Aqui é um paraíso. Moro dentro do sítio dentro da cidade. Me sinto realizada, é uma coisa muito gostosa, algo que não tem explicação, porque nós, agricultores, cada dia que entramos na horta e colhemos um fruto que plantamos, nos sentimos realizados”.
