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‘É preciso nos ouvir para decidir o formato das aulas’, afirma aluna da periferia de São Paulo

Cinco estudantes da escola pública falam sobre as aulas online e as dificuldades de aprendizado em mais de um ano de pandemia

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Reprodução

Por: Jessica Bernardo

Notícia

Publicado em 14.06.2021 | 21:03 | Alterado em 02.07.2021 | 8:51

Tempo de leitura: 6 min(s)

“Tá conseguindo me ver certinho?”. A estudante Gabrielly Nascimento, de 16 anos, precisou inclinar o corpo na janela de casa para atender a chamada em vídeo da Agência Mural. Esse é o único ponto em que ela consegue aproveitar o sinal de Wi-Fi da casa vizinha para estudar o conteúdo das aulas remotas. 

Há mais de um ano longe da escola, Gabrielly é uma entre os mais de 3 milhões de estudantes da rede estadual que ainda estão em ensino híbrido. 

A Agência Mural convidou cinco estudantes para uma entrevista sobre como tem sido a educação em tempos de ensino remoto nas periferias. Os alunos fazem parte de escolas estaduais, ETECs e também de uma escola municipal da capital paulista.

Elas estão no quarto episódio do Próxima Parada. Ouça na íntegra:

O governo paulista analisa uma mudança nos critérios para a volta às aulas presenciais com o avanço da vacinação entre os professores. A expectativa é que já nos próximos dias seja anunciado um novo plano para ampliar o número de estudantes em sala. 

Enquanto o ensino público segue no modelo híbrido, as aulas online continuam sendo um desafio para os estudantes. 

SEM INTERNET

Na chácara em que Gabrielly mora, em Ribeirão Pires, na Grande São Paulo, até o sinal da operadora de celular é fraco. A janela da sala é o melhor lugar para compartilhar o Wi-Fi do vizinho e também para fazer ligações telefônicas. 

A poucos metros dali está a casa da avó, lugar que virou sala de aula durante a pandemia. “Sempre ia na casa da minha vó pra ter as aulas, mas mesmo assim não conseguia porque a internet é muito ruim aqui”, conta a estudante. 

Na casa da avó, ela acessa, ainda que com dificuldade, o conteúdo do Centro de Mídias, plataforma online do governo do estado que centraliza o material das aulas para os estudantes da rede pública estadual. 

No começo do ano, Gabrielly descobriu que a escola ofereceria chips de internet para alunos em situação de vulnerabilidade social. O programa faz parte de uma promessa da gestão João Doria (PSDB), que em outubro de 2020 anunciou a compra de 500 mil chips para os estudantes. 

A distribuição do dispositivo começou a ser feita em março de 2021, um ano depois do início da pandemia. Até agora a Escola Estadual Álvaro de Souza Vieira, em que Gabrielly estuda, ainda não entrou em contato com a família dela para avisar sobre a entrega do chip.

Na capital paulista, a prefeitura também prometeu ajuda aos estudantes. Em agosto do ano passado, a gestão municipal anunciou a compra de 465 mil tablets com chips de internet para os alunos da rede municipal. Até maio deste ano, apenas 100 mil tablets tinham sido entregues. A previsão atual é de que as entregas terminem em agosto. A gestão Ricardo Nunes (MDB) ampliou para 500 mil o número de tablets prometidos para as crianças e adolescentes das escolas municipais. 

Estudante da Escola Municipal Henrique Souza Filho Henfil, Julia Fernandes, 14, diz que vários colegas tiveram dificuldades com o ensino remoto pela falta de infraestrutura: 

“Tive o privilégio de ter internet, de ter aparelhos tecnológicos pra fazer o ensino a distância, mas eu tive colegas que não. E eles acabaram sendo prejudicados por conta disso”, conta a aluna de Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo

TUTORIAIS 

Mesmo para quem tem internet, computadores e tablets em casa, acessar o conteúdo online foi um desafio no começo da pandemia de Covid-19. A maior parte dos estudantes teve a primeira experiência com aulas online justamente quando começou o isolamento, como Laiane da Silva, 15. 

“Nunca tinha passado por essa experiência. Foi uma reviravolta, né? De você estar ali, olho no olho com o professor, e do nada você estar numa plataforma”, conta a adolescente. 

Para ajudar os colegas a entender melhor o funcionamento das plataformas em que ficavam os conteúdos das aulas, Laiane criou um tutorial em forma de vídeo e compartilhou com a escola. 

No Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, a estudante Ayla Julia Ferreira, 15, também decidiu fazer um tutorial junto com uma amiga para ensinar a turma na Escola Municipal Anna Silveira Pedreira, . 

O vídeo criado por Ayla tem hoje mais de 48 mil visualizações no YouTube. A estudante continuou fazendo outros vídeos para ajudar os alunos da rede municipal e publicando no canal da escola. 

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Mudança na rotina. Com coronavírus, aulas presenciais foram suspensas e teve início educação online @Ira Romão/Agência Mural

SAÚDE MENTAL

Julia também se juntou a outros colegas e começou a abastecer o Instagram do projeto de cinema da escola com conteúdos para os alunos. Um deles, sobre saúde mental, contou com a participação de um psicólogo. 

“Os alunos tiveram o livre acesso para praticar interações, perguntar, dar opinião. Foi a live que deu mais engajamento.” 

Por causa da pandemia, Julia desenvolveu ansiedade e precisou iniciar um tratamento psicológico. “Definitivamente a pandemia foi um divisor de águas para a saúde mental de todo mundo”, ressalta a aluna. 

VEJA TAMBÉM:
Precisamos falar sobre a saúde mental dos adolescentes
Professores narram medo do retorno às aulas com avanço do coronavírus

A estudante do ensino médio na escola estadual Eder Bernardes dos Santos, Kethelyn Sales da Silva, 15, também precisou procurar por ajuda em Itaquaquecetuba, na região metropolitana. 

“Não conseguia sair do quarto, não comia no horário, não fazia nada certo. Quase entrei em depressão”, relata. 

Para ela, um dos principais motivos que levou a piora da saúde mental foi a sobrecarga dos estudos.

Os alunos reclamam que no ensino online os professores passam mais tarefas do que antes. E com horários de aulas diferentes do que eles estavam acostumados, acompanhar todo o conteúdo é um desafio à parte, segundo o adolescente Enrique Serrano da La Vega, da Escola Estadual Engenheiro Francisco Prestes Maia. 

“Muitas vezes eu não conseguia fazer a lição. Se você perder um dia, você não consegue fazer. É muita coisa mesmo.”

Ele também critica a didática dos professores do Centro de Mídias, que não são os mesmos que atuam na escola em que ele estuda. 

A coordenadora do Centro de Mídias, Bruna Waitman, afirma que os professores das escolas também podem gravar conteúdos e incluí-los na plataforma. “A gente sabe que a familiaridade [com o professor] é fundamental. Todos os professores da rede podem fazer até 40 horas por semana de transmissão e se manter conectado com o aluno.”

Ela também diz que a plataforma tem um grupo de educadores disponíveis para ajudar os estudantes em condições mais vulneráveis a montar uma rotina de estudos para as aulas. Aulas foram paralisadas por causa da pandemia.

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Alunas ouvidas pela Mural citaram dificuldades de acompanhar as aulas e saúde mental afetada @Reprodução

A saúde mental dos estudantes é um dos principais argumentos da Secretaria Estadual de Educação para a volta das aulas presenciais. 

Outro problema é a evasão escolar. Pesquisa do Datafolha no começo do ano aponta que até 4 milhões deixaram de estudar no ano passado por conta da pandemia.

Kethelyn conta que, na sala dela, metade dos estudantes desistiu de estudar. Entre os motivos estariam a dificuldade de acompanhar o conteúdo online e a necessidade de precisar trabalhar para ajudar os pais que teriam ficado desempregados. Ela mesma pensou em parar os estudos. 

“Foi muito difícil mesmo, mas mantive a calma e consegui [continuar na escola]”. 

Segundo Bruna Waitman a taxa de rematrícula entre o ano passado e esse ano ficou em 98% nas escolas da rede estadual.

VOLTA OU NÃO VOLTA?

Quando o assunto é a retomada completa das aulas presenciais, no entanto, os estudantes ainda demonstram preocupação. Para Layane, a situação atual da pandemia ainda pode gerar riscos nas escolas. 

“Por mais que a gente perca em qualidade de ensino, não tem como voltar. Não sou a favor da volta, tenho pessoas [do grupo] de risco dentro de casa, tenho que ter essa consciência.”

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Sindicatos estimam que mais de 2.700 pegaram Covid-19 nas escolas @Magno Borges/Agência Mural

A opinião é a mesma de Julia, que já foi a favor da volta, mas hoje sente que o melhor é esperar. “Queria muito que voltasse, inclusive durante muito tempo eu fui a favor da volta às aulas. Mas no cenário atual eu não apoio.”

Enquanto o ensino presencial não é retomado por completo, Ayla defende que as gestões municipal e estadual conversem mais com os alunos para melhorar o formato remoto. 

“A gente percebeu com a chegada das aulas online que não estavam nos escutando. Se estão tomando decisões que impactam diretamente a classe estudantil, por que não ouvir o que ela tem a dizer sobre isso? Então que eles nos escutem, porque voz o estudante já tem, a gente só precisa realmente de espaço.”

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Jessica Bernardo

Jornalista, cria de uma família de cearenses. Apaixonada por São Paulo, bolos e banhos de mar. Correspondente do Grajaú desde 2017.

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